"Google" do Judiciário

Ferramenta teria sido inaugurada sem aprovação

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30 de abril de 2012, 11h47

O último capítulo do entrevero que dividiu um pedaço do Conselho Nacional de Justiça e o então presidente do colegiado, o ministro Cezar Peluso, ainda não se encerrou. Dois conselheiros, capitaneados pela corregedora Eliana Calmon, que pediram vista do ato que regulamenta a criação da Central Nacional de Informações Processuais e Extraprocessuais (Cnipe), acusam o ex-presidente do STF e do CNJ de ter implantado a Central antes de a votação ter sido encerrada.

A assessoria de imprensa do CNJ afirma que o ato normativo que está com a votação suspensa “vai tratar unicamente sobre a instituição de um sistema nacional de dados cartoriais que poderão ser integrados futuramente à Cnipe” e que a atual adesão ao sistema é voluntária por parte de cartórios e tribunais. A instituição ressalta que o sistema ainda está em fase de desenvolvimento.

Peluso colocou no ar o chamado “Google do Judiciário”, experimentalmente, no dia 13 de abril, três dias depois que nove dos quinze conselheiros já haviam aprovado a resolução dispõe sobre a Infraestrutura Nacional de Serviços Notariais e de Registros Públicos Eletrônicos (que disciplinará a alimentação e o funcionamento da Cnipe). O conselheiro Jefferson Luiz Kravchynchyn diz entender como “desrespeito ao Conselho como um todo, o fato de o ministro Cezar Peluso dar seguimento a um processo sem julgamento”. Pediram vista do processo os conselheiros Kravchynchyn, Wellington Cabral Saraiva e Eliana Calmon.

Para Kravchynchyn o ato de Peluso, de inaugurar a Cnipe antes do término da votação. “foi coisa de político, não de magistrado, que quer deixar uma marca de sua gestão. É como se, em um julgamento do Supremo Tribunal Federal, algum ministro pedisse vista e o presidente concluísse o julgamento só porque a maioria da corte já votou.” Para um ministro STF, tumultuar a questão é um “excesso de formalismo”.

No pedido de vista de Saraiva, ele pede desculpas a seus pares por interromper o julgamento para o qual havia sido solicitada a “agilidade possível”, mas coloca nove questões e pedidos de esclarecimento sobre o projeto. Entre elas, a falta de definição sobre a origem e a forma de contratação ou aquisição dos equipamentos, dos aplicativos e do pessoal necessários à operação.

No pedido, obtido pela ConJur, Saraiva diz também que “tampouco está claro se os serviços ofertados pelas várias centrais de serviços eletrônicos, previstas nos artigos 6º a 10 da minuta (são mais de dez centrais e serviços), serão remunerados e, neste caso, de que maneira”.

Listas negras
Além das questões técnicas, conselheiros que ainda não proferiram voto pretendem questionar a possibilidade da formação de listas negras com o uso da Cnipe.

Pela ferramenta de buscas, é possível ver, de maneira centralizada, a quantidade de processos a que responde ou que impetrou uma pessoa ou uma empresa, assim como seus bens imóveis, se a busca incluir cartórios de imóveis cadastrados no sistema. Como é comum processos digitalizados mencionarem dados pessoais das partes, a ferramenta do CNJ também permite uma consulta desse tipo de informação de forma relativamente simples.

A possibilidade de criar listas com tais detalhes preocupa o advogado Omar Kaminski, especialista em Direito Digital, para quem informações processuais centralizadas e suficientemente popularizadas “podem ocasionar a formação de listas negras. Isso pode, inclusive, causar uma mudança de conceitos e atitudes em tempos de hiperexposição, compartilhamento e redes sociais”, alerta.

“Invoco o artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal, e entendo que não podemos confundir publicidade de dados pessoais com publicidade de atos processuais. Em tempos de processo digital, o princípio da publicidade dos atos processuais precisa de um ‘upgrade’ em prol da preservação da intimidade. Senão corre-se o risco de que o segredo de Justiça acabe virando a regra, e não a exceção, subvertendo todo um instituto”, expõe Kaminski.

O conselheiro Jorge Hélio diz que, particularmente, não aceita a possibilidade de que sejam criadas ou expostas listas negras, o que classifica como “absolutamente atentatório à imagem das pessoas”. O conselheiro exemplifica: “Em um condomínio residencial, quem está inadimplente pode ser cobrado por meio de carta individual, mas não pode ser exposto. Não vai ser um cadastro que vai permitir colocar quem quer que seja em lista negra.”

Até agora, sem um sistema integrado, um estelionatário que aplica golpes em vinte estados e já foi condenado, pode ser considerado "ficha limpa" nas demais unidades da Federação. Pessoas como essa serão prejudicadas com o banco de dados unificado.

Para Wellington Saraiva, a Cnipe pode gerar problemas como os que o Tribunal Superior do Trabalho enfrentou quando passou a permitir o acesso a processos. À época, foi levantada a possibilidade de empresas não contratarem pessoas que houvessem entrado na Justiça contra antigos empregadores. Por esse motivo, o tribunal vetou a busca de processos pelo nome do reclamante. Mas permite a exposição do reclamado.

De acordo com o conselheiro Marcelo Nobre, a Cnipe não poderia ter sido inaugurada sem a aprovação do Plenário. "A Cnipe, para mim, é o que foi proposto no Plenário. Não existe outra resolução que não seja a apresentada no Plenário", diz Nobre, que ainda não manifestou seu voto.

[Texto modificado às 21h para correção do foco da notícia]

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