Conjunto probatório

Depoimentos e indícios têm poder para condenar

Autor

26 de abril de 2012, 7h22

Os depoimentos de agentes policiais, junto com os indícios e presunções do fato delituoso, integram o sistema de articulação de provas e têm força condenatória. Para tanto, basta que as circunstâncias do processo indiquem a autoria com uma boa dose de razoabilidade, de forma marcante e apoiada numa construção lógica.

Com este entendimento, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu Apelação do Ministério Público e condenou três réus por assalto à empresa de transporte Expresso Caxiense — fato ocorrido em maio de 2010. O acórdão foi assinado no dia 22 de março. Cabe recurso.

A juíza Sonáli Cruz Zluhan, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Caxias do Sul, absolveu os réus por entender que a prova acusatória estava alicerçada, basicamente, na palavra dos policiais militares que atenderam a ocorrência. Para a juíza, este testemunho, de forma isolada, não pode fundamentar a condenação, ‘‘já que a presunção de idoneidade e seriedade, no processo penal, nunca é absoluta’’.

Ela afirmou que não era possível desconsiderar, ainda, o relato de que havia animosidade entre os policiais e os acusados. Um dos depoimentos, tanto na fase investigativa como em juízo, chega a detalhar tentativa de execução e práticas de tortura por parte de policiais.

Em segunda instância, o relator da apelação no TJ-RS, desembargador Sylvio Baptista Neto, teve entendimento oposto para embasar sua decisão, apoiada de forma unânime pelos demais membros do colegiado. ‘‘A prova, através de indícios abundantes, fortes e convincentes, demonstrou que os apelados (réus) foram os autores do roubo denunciado’’, decretou.

Para embasar esta convicção, dentre outros argumentos, citou o mestre em Direito Penal Fernando da Costa Tourinho Filho, promotor aposentado do MP paulista: “Indício, já se disse, é o fato que está em relação tão íntima com outro que a autoridade os interliga por uma conclusão muito natural. Tendo o legislador admitido os indícios como meios de prova, não se pode negar possa o juiz, mormente em face do livre convencimento, proferir decreto condenatório, apoiando-se na prova indiciária’’.

A denúncia de um roubo
O Ministério Público estadual afirmou, na primeira denúncia oferecida à Justiça, que os réus Rodrigo S. L., Enildo P. S. e Walderez S. M., mancomunados e com o emprego de arma de fogo, assaltaram a Expresso Caxiense. O fato aconteceu às 13h30 do dia 17 de maio de 2010. Além de roubarem cheques no valor de R$ 12.750, pequena quantia em dinheiro, boletos bancários e autorizações para retiradas de talonários de contas da empresa, os réus ainda levaram documentos, cartões de crédito, carnês e R$ 785 em espécie de um dos funcionários rendido no assalto.

Dias antes, conforme o MP, o trio teria adquirido um automóvel Citröen C5, que foi utilizado para a prática do assalto. O veículo havia sido furtado de Umbelino Z., no dia 21 de abril daquele ano, apurou a Polícia.

Os acusados foram incursos no artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e II, na forma do artigo 69, caput, duas vezes, combinado com o artigo 29, caput, do Código Penal; e artigo 180, caput, combinado com o artigo 29, caput, e nas sanções do artigo 329, caput, combinado com o artigo 29, caput, ambos do Código Penal. Ou seja: roubo praticado com a ajuda de outros sob grave ameaça.

Após a prisão em flagrante, citação e interrogatórios dos acusados e também ouvidas testemunhas, o MP reformou a peça inicial, pedindo a parcial procedência da denúncia.

O mérito
Ao analisar o mérito do causa, a juíza Sonáli Cruz Zluhan disse que a materialidade do delito ficou devidamente demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, auto de apreensão, do auto de restituição dos bens apreendidos, pelo laudo pericial e pela prova oral produzida em juízo. A autoria dos fatos, segundo ela, não ficou suficientemente comprovada nos autos.

Dentre os argumentos que formaram sua convicção neste sentido, citou o depoimento das vítimas, que não conseguiram reconhecer os assaltantes, pois estes estavam encapuzados. Os réus, por sua vez, negaram a prática dos crimes e apresentaram versões que não se concertam com a tese apresentada pela acusação.

De acordo com a sentença, o réu Enildo afirmou que, no dia do assalto, se encontrou com Rodrigo por caso, depois de lhe pedir ajuda para rebocar sua Saveiro. Quando ambos trafegavam com a camionete, cruzaram com uma viatura da Brigada Militar (a polícia militar gaúcha). Os policiais começaram a atirar, e eles pararam o veiculo. Depois de serem chutados, foram colocados no camburão.

O depoimento de Enildo diz: ‘‘Porque, eu tenho denúncia contra esses brigadianos aí, não eram todos brigadianos, eram quatro, cinco brigadianos que andam me perseguindo. (…) Eles levaram nós pra Maestra (Barragem Maestra, em Caxias), e foram numa viatura e três motos, e daí tiraram primeiro o Rodrigo, abriram a tampa, tiraram ele pro lado e começaram a sufocá ele; depois, me tiraram e me colocaram do outro lado da viatura e começaram a dar soco no meu estômago, a puxar esse meu braço que sabiam que era machucado e colocaram aquelas luvas cirúrgicas pra me sufocar, queriam que eu confessasse, dissesse que era meu o assalto e desse conta de um carro’’.

Ouvido, o réu Rodrigo afirmou em juízo: ‘‘foi uma tentativa de execução, não teve assalto, não teve nada. Esse assalto, eles botaram, eles juntaram tudo isso não sei o por que; sei que no dia eu tava apenas dando uma carona pro Enildo (…) Quando eu tô chegando umas duas quadras da chapeação, eu não vi da onde saiu à viatura; eu só vi que começou a dar muitos disparos, quebrou todos os vidros traseiros, enfim, pegou na lataria do carro, eu me assustei, não soube nem o que fazer na hora, apenas me abaixei, e o carro entrou mato adentro.”  Afirmou que não estava armado e que não havia nenhum cheque dentro do veículo, ressaltando que também sofre perseguição por parte dos brigadianos.

Conforme a juíza, com base no conjunto probatório, não há certeza de que os réus tenham sido os responsáveis pelos delitos apontados na denúncia do MP. ‘‘Assim, da mesma forma que não há como considerar a palavra dos policiais de maneira absoluta, não se deve simplesmente deixar de avaliar as informações trazidas ao feito pela defesa, as quais, efetivamente, foram aptas a despertar a dúvida quanto a efetiva autoria do delito de roubo narrado na denúncia. Logo, a absolvição se impõe.’’

Os indícios
Derrotado, o MP apelou ao Tribunal de Justiça, exibindo os mesmos argumentos da inicial. Em contrarrazões, os defensores manifestaram-se pela manutenção da sentença absolutória.

O relator da Apelação na 7ª Câmara Criminal, desembargador Sylvio Baptista Neto, citou excertos da literatura e a jurisprudência sobre a importância dos indícios na formação da prova e no convencimento do juiz. Um deles, de autoria de Carvalho Neto, resume bem sua importância: “Desde os primórdios do Direito, ou seja, da mais remota antiguidade, os indícios e presunções sempre foram admitidos em doutrina, como elementos de convicção. Assim, na ausência de confissão voluntária, a prova da condição subjetiva, tal como o saber ou o conhecer, somente pode ser feita através de indícios e presunções, desde que veementes, ao prudente arbítrio do Juiz. Quando este se despe de seu poder-dever de firmar convicção, por todas as evidências, relegando-se à análise de provas diretas, a impunidade se estabelece como regra geral (TASP, Rel. Carvalho Neto…).

Conforme o relator, os indícios e presunções são admitidos como elementos de convicção. ‘‘Integram o sistema de provas (artigo 239 do CPP) e devem valer por sua idoneidade e pelo acervo de fatores de convencimento. Assim, a quantidade e sucessão de indícios podem ter força condenatória, se coerente e logicamente indicarem a autoria de um crime com uma dose de razoabilidade marcante. Foi o que aconteceu no caso em testilha.”  (Apelação 70004107397).

Assim, o relator deu provimento à Apelação e condenou os réus pela prática dos crimes dos artigos 157, parágrafo 2º, incisos I e II, c/c o artigo 70, e artigo 329, todos do Código Penal.

As penas: oito anos, seis meses e vinte e sete dias de reclusão e dois anos de detenção, regime fechado, e 20 dias-multa para Enildo; oito anos, 11 meses e 24 dias de reclusão e dois anos de detenção, regime fechado, e 20 dias-multa para Rodrigo; e nove anos, nove meses e 18 dias de reclusão e dois anos de detenção, regime fechado, e 20 dias-multa, para Walderez.

O entendimento foi seguido na íntegra pelos demais desembargadores que participaram da sessão de julgamento do recurso, Naele Ochoa Piazzeta e Carlos Alberto Etcheverry.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!