Solução de controvérsias

Arbitragem é a solução mais rápida e segura para empresas

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24 de abril de 2012, 10h28

Advogado André Jobim de Azevedo
Atolado em uma montanha de processos até o pescoço e amarrado por um formalismo que engessa sua processualística, é fato que o Poder Judiciário não tem conseguido distribuir o pão da Justiça de forma célere e com qualidade para os brasileiros — muito menos para o mundo das empresas. A prerrogativa estatal de julgar também não tem levado as partes à pacificação do processo, pois a vitória de um lado significa, necessariamente, a derrota do outro. E a insatisfação funciona como um motocontínuo para alimentar a indústria de recursos. Neste diapasão, crescem a insatisfação popular com a morosidade da Justiça e a insegurança jurídica — o que é péssimo para o desenvolvimento do país. Afinal, as discussões não acabam nunca e a sensação é de engessamento.

O quadro de dificuldades, entretanto, não assusta o advogado gaúcho André Jobim de Azevedo, que vê o momento como uma grande oportunidade para consolidar a prática da arbitragem — que regula disputas contratuais entre pessoas de direito privado e/ou público, com regramento próprio e predefinido.

A arbitragem é conhecida e praticada há séculos, principalmente no âmbito do comércio internacional, e vem sendo apontada como solução de controvérsias também no mercado interno — como ocorre na Europa e Estados Unidos. ‘‘Sempre entendi que a melhor solução vem da composição entre as partes, esta, sim, capaz de pacificar as relações sociais’’, diz Jobim, do alto dos seus 30 anos de vivência com o mundo empresarial.

Motivos para manter o discurso positivo não lhe faltam. Depois de ver a iniciativa da arbitragem quase naufragar no Rio Grande do Sul, o advogado comemora o ‘‘renascimento’’ das Câmaras Arbitrais. Segundo Jobim, a retomada ocorreu em 2010 e recebeu um ‘‘empurrãozinho’’ da Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça.

No ano seguinte, a Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul) refundou a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem de Porto Alegre (CBMAE-Federasul), inaugurando o primeiro grande órgão arbitral do Estado.

Além de oferecer respostas mais rápidas e contar com juízes arbitrais que entendem do metier, as questões são protegidas por sigilo — uma necessidade do mundo dos negócios. ‘‘Tudo o que se passa nas Câmaras de Arbitragem é cercado por termos de confidencialidade. Aqui, a informação fica segura, restrita só àquele ambiente. E este detalhe tem uma importância vital, porque o mundo dos negócios é feito de informação’’, diz Jobim.

Os chamados métodos extrajudiciais de solução de controvérsias, que incluem também a mediação e a conciliação, têm previsão legal e não competem com o Poder Judiciário, garante o especialista. Pelo contrário. São estimuladas por este, pois tratam-se de práticas complementares para levar Justiça a todos num tempo menor, proporcionando maior satisfação às partes envolvidas. Este objetivo vai de encontro, aliás, ao que dispõe a Emenda Constitucional 45/2004, que incluiu, nas disposições fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal, inciso VXXVIII, a obrigação da duração razoável do processo.

Perfil
Especialista em Direito Processual Civil, Direito da Integração e mestre em Direito, André Jobim de Azevedo é sócio do escritório Faraco de Azevedo Advogados (Porto Alegre), vice-presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul) e superintendente da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem de Porto Alegre (CBMAE-Federasul), fundada em 2011.

Além das atividades profissionais, Jobim é professor-assistente da graduação nas disciplinas do Direito do Trabalho e Processo Civil na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS) e dos cursos de pós-graduação correspondentes da mesma universidade, desde 1990.

Leia a entrevista:
ConJur – O que o levou à mediação e à arbitragem? Há quanto tempo se dedica a estas práticas de resolução de conflitos?
André Jobim de Azevedo – São mais de 30 anos de escritório, manejando milhares de ações judiciais. Neste tempo todo, aflorou a percepção de que o Judiciário não é capaz de dar as melhores soluções àqueles que o procuram para, pela via processual, resolver seus conflitos. Nas demandas, sempre entendi que a melhor solução vem da composição entre as partes, esta, sim, capaz de pacificar as relações sociais — missão maior da jurisdição. Além disso, desde há muito, creio que 1990, pertenço a Instituto Nacional de Arbitragem que, no entanto, não deslanchou por conta de resistências culturais. Hoje, o país parece que conta com terreno mais fértil para esta iniciativa. Há, inclusive, apoio e estímulo por parte do próprio Judiciário, por força da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça. Também é de registrar que o fundador do escritório, dr. Hélio Faraco de Azevedo, é de há muito um dos três árbitros brasileiros pertencentes à Corte Internacional de Arbitragem do Mercosul.

ConJur — Estes dois sistemas de resolução de conflito vingaram? Competem com o Poder Judiciário?
André Jobim de Azevedo — São dois métodos extrajudiciais de solução de controvérsias previstos em lei. Os chamados direitos disponíveis, cujo interesse preponderante é dos privados e particulares, podem se submeter a uma solução por qualquer destes métodos, sem que isso envolva o Poder Judiciário. Significa dizer que se organiza um sistema de solução de controvérsia em paralelo ao Poder Judiciário, mas com a sua aquiescência e até interesse, com a devida previsão legal. A arbitragem passou por alguns momentos interessantes no Brasil. É um instituto histórico, tradicionalmente utilizado no mundo inteiro, notadamente para contratos internacionais. Quando dois entes ou agentes de nacionalidade diferentes têm controvérsias acerca de suas relações — integrantes de sistemas jurídicos diversos de países soberanos e independentes —, entra em cena a arbitragem. Aliás, a arbitragem pode estabelecer, inclusive, a legislação a ser aplicada à controvérsia internacional. Nós temos um marco divisor, no caso brasileiro, que é o ano de 1996, quando foi editada a Lei Brasileira da Arbitragem (9307/96). Sob a regência de lei específica, pensávamos ter-se aberto o espaço para realmente alavancar a arbitragem no Brasil. Mas o que todos assistimos foi uma década de discussão acerca da constitucionalidade da lei, até que o Supremo Tribunal Federal se manifestasse, definindo a conformidade constitucional do marco legal. A vitória na corte suprema significa que não havia qualquer barreira legal quanto à sua aplicação nos termos da lei em terras nacionais. Pois bem. Se isso se venceu, e hoje não há qualquer dúvida a cerca de sua constitucionalidade, ainda há a barreira cultural. O brasileiro mal acredita na Justiça estatal, que vem cercada de garantias muito sérias: devido processo legal, imparcialidade do juiz, procedimentos isentos, leis democráticas, garantias individuais expressas na Constituição etc. As partes mal acreditam nela a ponto de recorrerem, recorrerem, recorrerem e não se conformarem com as suas decisões. Quando se pretende aplicar um meio de solução ou método de solução de controvérsia ao lado do poder estatal, isso fica um pouco mais delicado. Certamente, é uma questão cultural.

ConJur – Mas não está aí, justamente, a oportunidade?
André Jobim de Azevedo – Momento oportuníssimo, concordo. E da maior fertilidade possível, porque tal decorre de uma percepção da incapacidade do Poder Judiciário em bem prestar o serviço da jurisdição — que é exatamente o poder-dever que o estado tem em resolver os conflitos da sociedade. Essa dificuldade se apresenta, basicamente, pela demora na solução dos conflitos. Há muita discussão entre os doutrinadores neste sentido. ‘‘Será que é prestar justiça, uma justiça prestada com tanto atraso, depois de tanto tempo? Será que há um direito que possa ter dificuldades de ser atendido e vai ser definido daqui a 10 ou 15 anos? Prestar justiça é isso?” Na verdade, isso é negar o acesso à justiça. A disposição constitucional que garante o acesso à justiça não significa, hoje, apenas ter prédios e, quem, sabe juízes à disposição. Além disso tudo, tem de dar resposta a bom tempo para quem precisa da justiça. O jurisdicionado tem que ter uma condição de adequação também ao tempo da resposta do Poder Judiciário. Isso, evidentemente, tem falhado. Diz-se também que o brasileiro é altamente litigioso ou litigante — os números oficiais dos milhões de demandas judiciais no país estão a demonstrar. A realidade é que os processos demoram muito, e todos perdem com essa demora. Inobstante a sua muito eficiente estrutura, o Poder Judiciário não consegue dar vencimento à crescente demanda. Recentemente, aliás, a Emenda Constitucional 45/2004 incluiu, nas disposições fundamentais do artigo 5º. da Constituição Federal, inciso VXXVIII, a obrigação da duração razoável do processo. E isso é uma disposição que não conta exatamente com parâmetros claro ou objetivo, constituindo-se em norma programática. É óbvio que um processo mais singelo vai terminar mais rápido, assim como um complexo será mais demorado. Mas isso revela preocupação do estado com um problema latente nesta prestação de serviços de Justiça, que é a necessidade de maior ‘‘efetividade e celeridade’’. Então, voltando ao foco da pergunta, eu diria que a perspectiva de um processo andar bem mais rápido do que no Poder Judiciário se constitui numa enorme vantagem da arbitragem, da autocomposição e de outras formas de solução extrajudicial. Ou seja, o momento para a arbitragem não poderia ser melhor. E ela tem alguns atributos que ainda mais relevam a importância do instituto.

ConJur — Os juízes da carreira do Judiciário podem se tornar especialistas e conhecer tão bem o metier das questões postas comparativamente aos árbitros, mais familiarizados com as questões empresariais?
André Jobim de Azevedo – A primeira coisa a reconhecer é que os árbitros privados, por sua formação e experiência no trato com as questões comerciais/empresariais, oferecem um ganho técnico substancial para a solução das controvérsias. A especialização do árbitro na matéria para a qual foi indicado é um ganho enorme. Além disso, o árbitro privado assina um termo de confidencialidade, obrigando-se a manter o processo sob sigilo. O juiz de carreira, salvo casos que exijam segredo de justiça, trabalha com a transparência – os processos são públicos. É preciso admitir que o juiz do Judiciário tem uma formação muito séria, muito profunda, mas na generalidade do Direito, no ordenamento, da sua fruição. Por ter de atender as mais variadas causas, diariamente, ele precisa ser um generalista. Não tem, e nem poderia ter, conhecimentos especiais, porque não pode utilizá-los para dar suporte a uma decisão judicial. Ou seja, o juiz tem de se valer dos conhecimentos comuns.

ConJur – Explique melhor…
André Jobim de Azevedo — Se a demanda envolver a dúvida sobre o que está escrito em um documento em Língua Alemã, não basta o juiz versar o alemão e dizer: “isso que está escrito eu sei, diz assim”. Trata-se de um conhecimento privado que não lhe é facultado utilizar no processo. Pode ajudar no seu convencimento, mas a parte terá que fazer uma prova de disposição de impugnação das duas partes, requisitando a ajuda de um tradutor juramentado, que ateste o que vem escrito no tal documento. Uma das grandes vantagens da arbitragem é o conhecimento especializado originário dos árbitros, que pode, deve e vai ser utilizado para solver a contenda. Eu vou escolher para árbitro alguém que entende do problema de Engenharia que duas construtoras estão discutindo. Eu vou escolher para árbitro alguém que conheça a questão dos Direitos Autorais, quando discutem dois autores quaisquer. Então, a especialização do árbitro faz com que a decisão seja mais precisa, porque quem vai dar este veredicto será alguém que de há muito conhece a matéria. Veredito este que tem o efeito de uma sentença judicial; portanto, efeito da coisa julgada. Vale exatamente o mesmo que a sentença judicial. Não precisa de nenhuma homologação. Tem os efeitos idênticos ao de um ato de coisa julgada.

ConJur – Poderia explicar melhor a questão da confidencialidade na arbitragem? E por que, por exemplo, o Judiciário não a estende para as demandas empresariais?
André Jobim de Azevedo – Existem dois sistemas, e cada um deles tem uma forma de manejar os conflitos no que diz respeito às informações. O Processo Civil tem por regra a publicidade, tratando-se de uma garantia processual. É uma maneira de conferir à sociedade poder para fiscalizar a atuação do juiz, sua correção, imparcialidade etc. Salvo os chamados processos que correm em segredo de justiça — geralmente, questões familiares, que só interessa às partes, advogados e juiz —, o resto é público. Qualquer pessoa pode ir a um cartório, secretaria de vara, fórum e mesmo na internet e verificar informações de determinado processo. Que empresa ficaria feliz ou segura sabendo que o público leigo — e também os concorrentes — pode acessar as suas informações que integram uma demanda judicial? Diferentemente disso, e com a enorme vantagem para as relações de Direito Privado, comerciais em particular, a arbitragem conta com a característica da confidencialidade. Tudo o que se passa nas Câmaras de Arbitragem é cercado por termos de confidencialidade, que obrigam aquelas pessoas que têm qualquer informação, dado ou notícia particular a respeito do assunto tratado, a preservarem o sigilo. Então, a informação fica segura, restrita só àquele ambiente. E este detalhe tem uma importância vital, porque o mundo dos negócios é feito de informação. Ou seja, conforme o ramo, a informação é um insumo essencial para a existência e sucesso da operação comercial. Portanto, qual seria o prejuízo de duas partes que vão discutir, no Judiciário, acerca de uma entrega tardia ou falta de entrega de um produto, tendo que revelar a estratégia de logística? Enorme, claro. Só eles precisam saber disso. Não há um interesse público. Portanto, não interessa que a concorrência ou qualquer curioso saiba disso. A confidencialidade é um ganho competitivo à toda prova, porque mantém os segredos industriais, as informações privilegiadas com essa condição.

ConJur – E como está a arbitragem no Rio Grande do Sul?
André Jobim de Azevedo – Este assunto é histórico no RS. Já houve algumas câmaras. A própria Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul), no começo da década passada, implantou uma câmara arbitral, mas elas perderam vigência por conta do estatuto da entidade. Pois bem, no ano de 2011 já existiam, no seu início, três Câmaras de Arbitragem no estado, todas setoriais. A do Conselho Regional de Arquitetura e Engenharia (CREA) maneja conflitos de interesses pontuais entre os profissionais liberais associados e disputas das atividades correspondentes. A Câmara dos administradores de empresas resolve litígios interprofissionais e temas correlatos. E, finalmente, há outra para arbitrar/conciliar/mediar conflitos na Câmara de Comércio Brasil-Itália. São Câmaras pequenas, mas com experiências muito bem-sucedidas. De outra parte, a Ordem dos Advogados do Brasil, secional gaúcha, tem uma comissão de arbitragem que pretende levar adiante esta modalidade extrajududicial de resolução de conflitos. A idéia é focar, cada vez mais, nos litígio interprofissionais do Direito, escritórios, advogados etc. Há uma tendência em ser focada na atuação setorial, tal qual as demais.

ConJur – Pode englobar as relações de trabalho em geral, e não só dos profissionais liberais?
André Jobim de Azevedo – Não se restringe a relações entre profissionais liberais, podendo envolver pessoas físicas ou jurídicas que discutam direitos patrimoniais disponíveis. No que respeita a matéria trabalhista, precisamos ir devagar. Trata-se de uma área muito sensível da arbitragem. Há uma regra geral prevista na lei de 1996 (Lei nº 9307/96, artigo 1º) que dispõe sobre a aplicação da arbitragem aos direitos patrimoniais disponíveis, que acaba obstaculizando a arbitragem na esfera individual. Entretanto, é uma prática viável para resolver litígios no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho. Hoje, na nossa sociedade, com o consequente respaldo jurídico-legal, o trabalhador é visto e tido como um hipossuficiente na relação com o empregador. Vê-se seu direito individual como de direito indisponível.

ConJur — Mas os altos executivos não são hipossuficientes. Teriam vantagem em aderir à pratica da arbitragem?
André Jobim de Azevedo – Lógico que sim, pois são trabalhadores altamente instruídos e especializados. Não são ‘‘reféns’’ do empregador. Ao contrário, em muitos casos, são o próprio patrão, pois se ocupam da gestão empresarial. Um diretor-executivo de uma multinacional, que ganha US$ 500 mil por ano, não tem nada de hipossuficiente. Ela sabe que, se apelar à arbitragem, em bem menos de um ano terá a sua demanda resolvida a contento. Este destinatário pode e tem feito uso da arbitragem para suas controvérsias laborais

ConJur – O senhor dizia que Federasul voltou a apostar na arbitragem. Em que momento se deu esta retomada? Discorra um pouco sobre esta iniciativa…
André Jobim de Azevedo – De fato, a retomada ocorreu no ano de 2010 e foi fruto do entendimento da importância do instituto, do próprio empurrão que a Resolução 125/10 do CNJ deu a tudo isso. Hoje, a Federasul, vinculada à Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem (CBMA), refundou a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem de Porto Alegre (CBMAE-Federasul). Aliás, foi o primeiro grande órgão arbitral que se fundou no Estado, em 201. O ambiente é importante, pois trata da disseminação cultural do instituto e, dessa forma, de solução de controvérsia que se põe ao lado do Poder Judiciário para apaziguamento social, com caminho disponível a toda a população. Também no mesmo sentido, houve forte movimento de nossas entidades no estabelecimento dos Postos Avançados de Conciliação Extrajudicial (Paces), que se materializam mediante convênio com os Tribunais de Justiça dos Estados, já tendo sido inaugurados mais de 80 postos.

ConJur – Agora, a tendência é a iniciativa decolar, certo?
André Jobim de Azevedo – Veja como as coisas são interessantes. Em termos de volume, hoje, o lugar mais interessante para nós é o aeroporto Salgado Filho. Afinal, nossos profissionais vêm sendo convidados para fazer arbitragens em São Paulo. Isso prova que temos capacidade, bons profissionais e interesse. Portanto, tínhamos espaço para uma Câmara maior que, agora com a Federasul, finalmente foi estabelecida. E é interessante confrontar nosso projeto com o que ocorreu com a Câmara Arbitral Brasil-Canadá, que nasceu para resolver litígios na Câmara Comercial dos dois países e que existe há 20 anos. Pois bem, apesar de operar no centro do país, onde a dinâmica dos negócios é expressivamente mais significativa, aquela Câmara Comercia levou 10 anos até ter seu primeiro caso de arbitragem.

Imaginávamos que a nossa Câmara fosse também demorar um pouco para acontecer. Para nossa surpresa, 40 dias após a instalação, foi ajuizado um procedimento arbitral, em idioma inglês, envolvendo mais ou menos 600 mil dólares. Uma das empresas é alemã, e a outra nacional – ambas operam no mercado nacional. Então, realmente, foi uma surpresa. Nós mal terminávamos de organizar estatutos, regimento interno e de traduzirmos pelo menos para o inglês e veio essa arbitragem. Este caso significou para nós um empurrão e tanto. Em termos de conteúdo, pelo seu ineditismo, já se transformou num leading-case e vai balizar outras ocorrências. Já estamos bem próximos da conclusão do resultado.

ConJur – Os escritórios estrangeiros estão chegando ao mercado brasileiro e, com eles, a tradição da arbitragem. Como vão contribuir para a difusão da prática?
André Jobim de Azevedo – A contribuição dos estrangeiros para a arbitragem é basicamente a experiência do mundo internacional dos negócios. Isso porque países desenvolvidos praticam a arbitragem de há muito tempo, para além do comércio internacional — prática antiga e consagrada. Agora, o ordenamento de cada país é diferente. Aqui, os estrangeiros terão de se deparar com a nossa realidade jurídica — e, aí, terão muito a aprender.

Conjur – O senhor não acha que o Judiciário deveria apostar mais em varas, câmaras ou turmas especializadas em certos temas de interesse empresarial — como tributário e fiscal, por exemplo —, e deixar outros temas para a arbitragem privada?
André Jobim de Azevedo – Na verdade, isto já vem ocorrendo, não propriamente em relação ao mundo empresarial, mas focando naquelas demandas mais recorrentes da população. Observe que o sistema de organização judiciária no Brasil se divide em competências. Estas competências ensejam que a organização dos órgãos do Judiciário, os tribunais, se organizem de acordo não só com a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), mas com respeito aos códigos – Códigos de Organização Judiciárias Estaduais. Porto Alegre, por exemplo, há varas especializadas por matéria, em Acidente de Trânsito, em Crimes, de Precatórios, de Infância e Juventude, da Fazenda Pública, enfim, de modo a atender temas especiais.

ConJur – E a conciliação?
André Jobim Azevedo – O governo, o CNJ e o Judiciário já perceberam que a conciliação tem o dom de diminuir o absurdo volume de processos em que estamos imersos. E a conciliação, admitamos ou não, é a melhor forma de resolver qualquer conflito. A nossa entidade (CBMAE) também se vale deste instituto para avançar. Os nossos Postos Avançados de Conciliação Extrajudicial disponibilizam ao Poder Judiciário Estadual uma estrutura técnica de conciliadores, de mediadores. Se as partes entram em acordo, o juiz homologa a decisão. Neste caso, o papel do Judiciário é verificar se aquela conciliação-mediação atende os requisitos legais. Ou seja, o juiz, cuidando dos aspectos legais, acaba funcionando como um certificador. Fruto, como disse, de convênio da CBMAE e dos diversos Tribunais de Justiça Estaduais.

Conjur – Vocês entram com o modus operandi?
André Jobim de Azevedo – Nós entramos com quase tudo que é necessário para realizar as audiências — conciliadores, mediadores, estagiários, computadores e local adequado. Os Tribunais de Justiça disponibilizam o juiz, para revisar as formalidades do ato final da conciliação ou mediação e homologar o procedimento. A dimensão desta parceria está diretamente ligada à demanda pelo serviço que se afeiçoa à necessidade, com mais ou menos pessoal, estrutura, juízes. Envolvendo todo o tido de controvérsia, tem tido resposta significativa no país e segue avançando com centenas de procedimentos havidos e bem sucedidos.

ConJur – No final das contas, a iniciativa privada é que banca tudo… Vale o investimento?
André Jobim de Azevedo – Vale, sem dúvida nenhuma. Trata-se de um custo de interesse, porque melhora o ambiente econômico, reduzindo um pouco o famoso Custo-Brasil. Interessa para a sociedade, porque as relações ficam mais fluídas, e todo mundo ganha. Ao investirem nestas iniciativas, as entidades empresariais estão dando a sua contribuição para a economia brasileira como um todo. Um dinheiro que fica em discussão, num processo judicial, não está na economia. Portanto, não gera emprego, impostos e não serve para nada. A solução dinâmica enseja desenvolvimento econômico.

ConJur — Mas conciliação e mediação são atividades distintas…
André Jobim de Azevedo – De fato. Na mediação, alguém apenas aproxima as partes, fazendo com que elas cheguem à solução que lhes pareça mais favorável. Na conciliação, se atribui a um conciliador a formulação da solução. Mas as duas têm uma característica comum fundamental: são solução de raiz. As partes se dispõem a aceitar aquele resultado. Muito diferente do julgamento do Poder Judiciário, em primeira e segunda instância, que simplesmente impõe uma decisão e que, em tese, agradará a uma parte e não agradará a outra.

Conjur – A arbitragem cresce no Mercosul? Quem está mais adiantado?
André Jobim de Azevedo – Talvez nós pudéssemos nos referir primeiramente aos Estados Unidos, onde se pratica muito a arbitragem, a conciliação e a mediação. Mas, em comparação com seus vizinhos, o Brasil está atrasado na arbitragem. O Chile está décadas na nossa frente. A Argentina, maior parceira do Brasil no Mercosul, se dedicou intensamente à arbitragem na última década. Nossos escritórios estabelecidos nestes países conduzem muito mais arbitragem que os do Brasil.

ConJur  — O senhor partilha da ideia de que Constituição e as leis que decorreram de sua regulamentação, ao resgatarem a dignidade da pessoa humana, acabaram inibindo a atividade produtiva? O uso excessivo dos princípios constitucionais como justificativas para amparar sentenças não confere veracidade a esta assertiva?
André Jobim de Azevedo – A verdade é que a Constituição de 1988 trouxe uma supervalorização dos princípios. Em alguns capítulos, chegou a um detalhamento que, a meu ver, deveriam constar apenas na legislação ordinária. Ela talvez devesse ter, como a norte-americana, poucos artigos e poucas emendas, já sendo duocentenária. A nossa não, aos 24 anos, tem 200 artigos, 50 disposições transitórias e já conta com 70 emendas. Mas isso porque foi uma Constituinte reativa, poderia dizer, aos momentos pretéritos políticos de opressão. Os legisladores incluíram na Carta Magna tudo pudesse dar a dose de segurança e de estabilidade próprias de uma Constituição. Este é o documento, que nós não conhecemos, que guia a vida das pessoas e das empresas e as relações sociais para o futuro. Acho que os princípios têm o seu valor garantido no ordenamento jurídico como início de tudo, como a fonte de tudo, a partir do qual se constroem as normas e as regras. Ocorre que o uso excessivo dos princípios os leva à sua banalização. Passamos de um extremo ao outro. Agora, tudo é principiológico. Mas eu tenho a impressão, e já começo a observar um pouco esse movimento, que vamos chegar a um ponto de equilíbrio.

ConJur – Pra encerrar: estas formas extrajudiciais de resolução de conflito podem conviver em harmonia, legalmente e administrativamente falando, com as regras legais manejada pelo Poder Judiciário?
André Jobim de Azevedo — Se alguma dúvida houvesse quanto a natural e harmônica convivência, isso nunca vai tirar a fundamental, indispensável e constitucional atuação do Poder Judiciário. Há espaço para todos, e essa é uma forma de colaborar com a pacificação da sociedade. Os Métodos Alternativos de Solução de Controvérsias ou Métodos Extrajudiciais de Solução de Controvérsias são efetivamente possibilidades legítimas para o trânsito jurídico mais fluído, capazes de aprimorar a solução dos conflitos com os ganhos de tempo (com o significado de ganho econômico), o importante atributo da especialização do árbitro (que faz das decisões julgamentos mais próprios) e da confidencialidade capaz de manter eventuais discussões contratuais, obrigacionais, etc restritas aos envolvidos e seus interesses.

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