Resposta a Peluso

Donelles estaria certo se emperrasse PEC dos Recursos

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20 de abril de 2012, 13h30

Digna de nota a entrevista concedida pelo ministro Cezar Peluso a esse site. De todas as críticas lançadas pelo entrevistado, uma, no entanto, merece reparo.

Como noticiado em O Globo[1], “Peluso fez duros ataques ao senador Francisco Dornelles. Ele acusou o parlamentar de emperrar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que reduz recursos na Justiça. A proposta é conhecida como PEC dos Recursos. Peluso afirmou que o senador travou a votação e sugeriu que ele seria aliado do ‘BB’, dos ‘bancos e bancas de advocacia’”.

Comecemos pelo segundo “ataque”, de que seria aliado do denominado e desconhecido “BB”. A trajetória do ministro, senador, deputado e ex-secretário da Receita Federal, ao longo de décadas de serviços prestados à sociedade brasileira, sobremodo à fluminense, independente da linha ideológica que trilhemos, faz derruir a inverídica assertiva. O senador Dornelles é aliado, isto sim, dos seus eleitores e dos interesses do estado do Rio de Janeiro, que tão bem representa no Congresso Nacional.

A respeito do primeiro “ataque” — de emperrar a apelidada “PEC dos Recursos” —, apesar da convicção de que não corresponde à verdade, muito bem atuaria o senador da República se o fizesse, ao menos no aspecto penal.

Pretende o ministro Cezar Peluso, com a proposta[2], em manifesta afronta ao entendimento sedimentado pela própria Suprema Corte, a execução provisória das penas fixadas em sentença condenatória, uma vez julgado o recurso de apelação, no âmbito dos tribunais regionais ou estaduais. Ou seja, a interposição de recursos especial e extraordinário não obstaculizaria, por exemplo, o encarceramento precário, pois ainda não transitado em julgado o processo — do réu condenado, em segundo grau de jurisdição, a reprimenda superior a 4 anos de reclusão.

Há muito, tive a oportunidade de publicar, nessa revista[3], texto alusivo ao art. 637 do Código de Processo Penal[4] e ao verbete da Súmula 267 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”. Àquela época, em julgamento, no Pleno do Supremo Tribunal Federal, o HC 84.078/MG, relatado pelo ministro Eros Grau.

Sua Excelência, o ministro relator, produziu voto, conclamando os seus pares a bem refletir, pois lhes “incumbe impedir, no exercício da prudência do direito, para que prevaleça contra qualquer outra, momentânea, incendiária, ocasional, a força normativa da Constituição. Sobretudo nos momentos de exaltação. Para isso fomos feitos, para tanto aqui estamos”, acrescentando: “a prevalecerem razões contra o texto da Constituição melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem nos contrariar. Cada qual com o seu porrete!”.

Reconheceu o STF, naquele memorável julgamento[5], que a execução de sentença condenatória, com o aprisionamento do acusado, salvo a hipótese de presente algum dos requisitos para se decretar a prisão preventiva, somente poderá dar-se com o trânsito em julgado da lide.

Daí, senador Francisco Dornelles, mesmo ciente de que não emperrou a votação da “PEC dos recursos” e de que nunca se aliou à “BB” algum, na seara penal, em homenagem à Carta Política de 1988, à jurisprudência dos tribunais superiores e ao próprio voto do ministro Cezar Peluso, no citado HC 84.078/MG[6], acertaria em cheio V.Exa. se esconjurasse do ordenamento constitucional, junto com os demais congressistas, a possibilidade de tamanha violência aos postulados do devido processo legal e da presunção de inocência.

Sobre o tema, para encerrar, recorre-se à lição do ministro Marco Aurélio: “A pergunta que sempre fica no ar é a seguinte: de que maneira então, presente o sistema processual como um grande todo, presente o princípio da não-culpabilidade, chegar-se a ato extremado como é o do cerceio da liberdade de ir e vir, enclausurando-se aquele que se mostra inconformado com a decisão condenatória, se, reformada esta, não há a possibilidade de se devolver a liberdade perdida?”[7].


[1] “O País”, em 19/4, p. 15.

[2] De acordo com a PEC, a Constituição Federal passaria a vigorar acrescida do art. 105-A: “A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte”.

[3] In http://www.conjur.com.br/2008-set-22/stf_garantido_principio_presuncao_inocencia, acessado em 19/4/2012.

[4] O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”.

[5] Por maioria, incluindo-se, nela, o ministro Cezar Peluso, contra os votos dos ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, a ordem foi concedida – DJe de 26/2/2010.

[6] Excerto do voto do ministro Peluso: “Ora, não consigo conceber um processo justo onde se aplique a alguém, pelo mero fato de ser réu, medida gravosa e de caráter irremediável, como é a privação da liberdade. Um processo que permite execução provisória de pena, sem juízo definitivo de condenação e, o que releva, sem reconhecimento definitivo de culpa, decididamente pode ser legal, mas justo não é, e não sendo justo, não é processo que atenda ao princípio constitucional”.

[7] 1ª Turma, HC 83.541/RJ, DJe de 19/9/2003.

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