Bomba-relógio

OAB gaúcha estuda pedir intervenção de presídio

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20 de abril de 2012, 10h32

Lauro Rocha
A seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil começa a estudar seriamente, na próxima semana, um pedido de intervenção no Presídio Central de Porto Alegre. A possibilidade foi aventada pelo presidente da entidade, Cláudio Lamachia, após visitar o estabelecimento prisional na manhã desta quinta-feira (19/4) junto com uma comitiva de entidades, incluindo representantes do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/RS) e Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers). ‘‘O quadro é tragédia anunciada, uma verdadeira bomba prestes a explodir’’, constatou ele durante a vistoria.

Os laudos técnicos do Crea e do Cremers, atestando, respectivamente, as condições de engenharia estrutural e de saúde, serão determinantes para embasar a decisão de ajuizar o pedido de interdição. O Conselho Pleno da OAB também vai considerar os relatos da Comissão de Direitos Humanos da entidade, cujo coordenador-geral, Ricardo Breier, esteve presente na inspeção.

Enquanto aguarda esta definição, Lamachia defendeu duas medidas imediatas: impedir que novos infratores sejam levados à casa prisional e que o número de presos — calculado em 4,6 mil — seja reduzido no curto prazo. Para o presidente da OAB gaúcha, está na hora da sociedade gaúcha tomar conhecimento do que ocorre no Presídio Central.

‘‘Não são problemas apenas dos presos que vivem lá, em condições precaríssimas, mas de todo o cidadão, que vive sob constante ameaça daquele que retorna ao convívio social pior do quando foi detido. A sociedade não aceita paliativos.’’

Problema crônico e antigo
No dia 19 de maio, completa um ano da visita do então primeiro vice-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargador José Aquino Flôres de Camargo, ao Presídio Central. Junto com Aquino, também lá esteve uma comissão de representantes de entidades de direitos humanos, juristas, advogados, defensores públicos, políticos e membros do Ministério Público. Dentre as muitas manifestações de incredulidade e reprovação, uma sintetizou muito bem o grave e crônico problema: ‘‘a sociedade trata o preso como lixo, e o presídio é o lixo’’. 

Na oportunidade, Aquino considerou importante a visita da Comissão de Direitos Humanos ao presídio, para ter a sensação próxima do que é viver ali. Na conversa com alguns detentos, o desembargador notou que alguns estavam completamente sem referência com o mundo fora da prisão. E fez uma autocrítica: ‘‘É de se perguntar o que estamos fazendo para reeducar, reinserir o apenado na sociedade – praticamente nada’’. 

O anfitrião da visita, juiz de Direito Sidinei José Brzuska, da Fiscalização dos Presídios da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre e da Região Metropolitana, observou que ‘‘este é o presídio da cidade que vai sediar jogos da Copa do Mundo’’.

Um mês após a visita da comitiva do TJ-RS, Brzuska passou das palavras à ação: determinou que, após 1º de agosto, o Central não poderia abrigar mais do que 4.650 detentos. A ordem era recusar terminantemente o ingresso de novos presos.

Motivos não faltaram para o juiz fechar a torneira da admissão. Há 12 anos, este que é um dos maiores e mais problemáticos presídios do Estado do Rio Grande do Sul, tinha 2 mil detentos em suas galerias, quando a lotação máxima permitia 1.700 apenados. Em novembro de 2010, o número chegou a 5.300 e, no início de junho, baixou para 4.809.

A tendência, avaliou o juiz, é fazer com que este teto seja gradualmente reduzido até o cumprimento integral de decisão do Tribunal de Justiça de 1995, determinando que o Central funcione apenas para presos provisórios. Na época, cumpriam pena nesta condição 1.859 presos – e já extrapolavam a capacidade.

A situação chegou a este ponto, segundo Brzuska, porque o Estado passou a deixar no presídio os que já estavam lá quando da condenação definitiva. Ou seja, ‘‘os presos ingressam na condição de provisórios, seja por flagrante ou prisão preventiva e, uma vez condenados, não são transferidos para outras penitenciárias, mas permanecem cumprindo pena no estabelecimento prisional, em flagrante desobediência à decisão da 1ª Câmara do Tribunal de Justiça de 1995.’’ 

Para o juiz  da VEC, esta falha na execução penal é grave e denota o descaso do Estado, mas não é um fato isolado. Na raiz de todos os problemas, está a falta de vagas no sistema prisional — cerca de 12 mil em todo o Estado.

Além da superpopulação carcerária, da falta crônica de servidores e de deficiências de estrutura, há um novo fenômeno nas cadeias: a gestão compartilhada com os presos. Este é um sinal claro de que o Estado vem perdendo o controle da situação, observa. ‘‘É uma desumanidade o que acontece dentro das nossas prisões. Chegamos no limite da tolerância. Se as autoridades continuarem escondendo o preso da opinião pública e se esta continuar achando que presidiário não é gente, o sistema marcha para a barbárie’’, advertiu.

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