Contra-ataque

Joaquim Barbosa chama Peluso de caipira e tirânico

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20 de abril de 2012, 13h53

A entrevista do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, à revista ConJur serviu de pretexto para o ministro Joaquim Barbosa dizer o que pensa do colega. Peluso disse que o ministro Joaquim Barbosa é “inseguro” e que tem “temperamento difícil”. Na entrevista, o ex-presidente do STF reconhece as qualidades de Barbosa, mas lamenta sua postura: “A impressão que tenho é de que ele tem medo de ser qualificado como arrogante. Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o Supremo não pelos méritos, que ele tem, mas pela cor”.

O ministro Joaquim Barbosa rebateu a análise em entrevista a Carolina Brígido, do jornal O Globo, nesta sexta-feira (20/4). Barbosa disse que Peluso não deixou “nenhum legado positivo”, pois “as pessoas guardarão na lembrança a imagem de um presidente do STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade”.

Citou o exemplo da Lei da Ficha Limpa e chamou as discussões acerca do tema, apesar das divergências, de “inúteis”. “Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; [Peluso] não hesitou em votar duas vezes no mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável”. O próprio Globo explica que o Regimento Interno do STF permite ao presidente da corte votar duas vezes no mesmo caso. No caso da Ficha Limpa, o duplo voto de Peluso foi decisivo.

JB, como ele é conhecido em Brasília, também acusou Peluso de “surrupiar” o processo de sua relatoria. Ele afirmou: “[Peluso] cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos, para consulta médica, invadir a minha seara, surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões…”

Segundo um ministro que não se quis identificar, todas as deliberações de Peluso foram antes submetidas ao plenário, inclusive nos longos períodos em que Joaquim esteve de licença médica. O ministro Marco aurélio por sua vez, repeliu a idéia de que tenha havido manipulação no comando de votações. "Jamais me senti manipulado, mesmo porque meu espírito não silenciaria diante de tentativa de manipulação do plenário".

Barbosa incomodou-se de ser chamado de inseguro por Peluso, na entrevista que concedeu ao jornalista Carlos Costa, da ConJur. Afirmou que, quando o então presidente falou em insegurança se esqueceu de notar algo muito importante. "Pertencemos a mundos diferentes. O que às vezes ele pensa ser insegurança minha, na verdade é simplesmente ausência ou inapetência para conversar, por falta de assunto”.

Ao site da revista Veja, Barbosa afirmou que Peluso “se acha” e “não sabe perder”, pois a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, “ganhou” todas as brigas que travou com o ex-presidente do STF. À ConJur, Peluso contou que a ministra Eliana se aproveitou de investigações iniciadas por seu antecessor, o ministro Gilson Dipp, e de dar declarações midiáticas, com o propósito da autopromoção.

Temperamento difícil
Sobre o “temperamento difícil”, o ministro Joaquim explicou que é porque, em todos os lugares que ele trabalhou, “sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto”. “Sempre minha resposta veio na hora, dura.”

A cor da pele é sempre um assunto muito caro ao ministro. Ele se diz vítima de preconceito, “porque alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros”, como afirmou ao Globo. Certa vez, chegou a queixar-se com o ex-presidente Lula, que o indicou ao Supremo. Disse se sentir discriminado na corte por ser negro. Lula, então, disse que Joaquim precisava superar seu “complexo de inferioridade”. “Você é igual a qualquer um deles, não tem porque ficar agachado. Eu nem inglês sei, mas sou presidente. Eu me imponho com meu trabalho”, ensinou.

Bom de briga
Quando entra em conflito com outros ministros, o que não é raro, repete o mantra: “Me respeite”. O  entrevero mais conhecido que o teve como protagonista deu-se na sessão plenária da corte, transmitida ao vivo pela TV Justiça e que teve do outro lado o ministro Gilmar Mendes, então presidente do Supremo. Joaquim Barbosa afirmou que Mendes estava destruindo o tribunal, pois faltava lisura a ele e a suas decisões. E afirmou não ser um dos “capangas mato-grossenses” de Gilmar Mendes. O bate-boca ganhou manchetes dos jornais e telejornais.

Ao Globo, perguntado sobre o que achou da entrevista de Peluso à ConJur, voltou a usar qualificativos regionais para diminuir um colega. “Eis que no penúltimo dia de sua desastrosa presidência, o senhor Peluso, numa demonstração de désinvolture caipira, brega, volta a expor a jornalistas detalhes constrangedores de meu problema de saúde”. Peluso informou que o colega não tem problemas na coluna, como ele vem alegando há muitos anos, mas no quadril.

Quando falou de “capangas mato-grossenses” de Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa foi acusado de preconceito, pois se seu colega tivesse nascido em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, certamente não seria acusado de ter capangas. O mesmo tom pejorativo foi usado agora para associar "paulista" a "caipira" e "lobista".

Também sobrou para outros ministros. Quando o ministro Eros Grau, hoje aposentado, concedeu Habeas Corpus a Humberto Braz, braço direito do banqueiro Daniel Dantas, Joaquim Barbosa se indignou: “Como é que você solta um cidadão que apareceu no Jornal Nacional oferecendo suborno?”, questionou no intervalo do julgamento. Eros respondeu que não viu motivos para manter a prisão preventiva de Braz, e a tréplica foi que “a decisão foi contra o povo brasileiro”.

Mais tarde, Joaquim Barbosa concedeu HC a Daniel Dantas, garantindo-lhe o direito de não se autoincriminar em uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Eros, em tom de gozação, disse que este HC repercutiria mais que o dele. A resposta foi a fúria. Joaquim Barbosa chamou Eros de “velho caquético”, questionou sua competência e disse que ele escreve mal “e tem a cara de pau de querer entrar na Academia Brasileira de Letras”.

Outros alvos
O ministro Dias Toffoli foi outro alvo do “temperamento difícil” de JB. Recém-chegado ao Supremo, Toffoli havia negado completamente as acusações de que Eduardo Azeredo (PSDB-MG), então governador de Minas Gerais e hoje deputado federal, havia recebido dinheiro de esquema ilegal com o senador Claudio Mourão. Barbosa, relator, disse que o novo colega “parecia não ter lido os autos”.

Toffoli ignorou e continuou a ler seu voto, e a resposta de JB foi “eita!”. Incomodado, o então novo ministro parou. Barbosa, então, falou: “Vossa Excelência parece que não me ouviu e não leu os autos”. Toffoli encerrou: “Eu ouvi o senhor por dois dias. Será que posso continuar meu voto?”

Joaquim Barbosa atacou também o ministro aposentado Maurício Corrêa depois que ele voltou a advogar. Acusou-o de praticar tráfico de influência porque pediu preferência em um processo e não compareceu para fazer sustentação oral. Corrêa, então, foi à tribuna e mostrou a procuração que tinha nos autos daquela ação. O ex-ministro representou contra Barbosa, que foi judicialmente obrigado a se retratar.

Também tentou brigar com outro ministro, o segundo decano Marco Aurélio. Joaquim também o acusou de fraudar a distribuição de um processo. O ministro entrou com representação e provou que não houve fraude, apenas a redistribuição de um processo cujo relator, o próprio JB, não estava em Brasília no momento da distribuição. Joaquim Barbosa só não foi punido porque o presidente do STF à época, ministro Nelson Jobim, botou panos quentes. 

Barbosa chegou a reclamar da ausência de ministros em uma das sessões da corte. Na gestão de Gilmar Mendes na presidência, apenas seis dos 11 ministros estavam presentes na última sessão do primeiro semestre de 2009. Eram 10h da manhã. Por conta do baixo quórum, Mendes escolhia quais processos poderiam ser julgados e quais deveriam aguardar quórum qualificado. Inconformado, Barbosa se afasta do microfone, mas o aparelho ainda capta seu desabafo: "No way! No fucking way!"

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