Ideias do Milênio

Limitado, crescimento econômico deveria ser qualitativo

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20 de abril de 2012, 15h55

Entrevista concedida pelo físico e ativista austríaco Fritjof Capra à jornalista Elizabeth Carvalho, do programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.

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Fritjof Capra - 20/04/2012 [globo.com]Desde que lançou o best-seller O Tao da Física, em 1975, o austríaco Fritjof Capra abriu um novo capítulo em sua biografia. Ao relacionar aspectos do zen oriental com a Física Quântica, Capra entendeu que o grande desafio da ciência contemporânea era a aceitação da sua não linearidade: a forma como se move a própria teia da vida em diferentes direções. Fritjof Capra esteve no Brasil em 2003 propondo novos paradigmas para a forma de estar no mundo. Em 2012, seu foco está voltado para a questão do modelo de desenvolvimento. Este é o núcleo central do balanço dos últimos dez anos que o Milênio foi buscar com o velho físico e ativista.

Elizabeth Carvalho — Dr. Capra, eu tive o prazer de conhecê-lo em 2003, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Na época, o senhor me falou sobre a sua opção de não ter televisão, celular e e-mail e que, à noite, o senhor jogava cartas com a sua família. Eu queria saber se o senhor mantém esse estilo de vida ou já se rendeu à velocidade das novas tecnologias.
Fritjof Capra — Eu tive que fazer alguns ajustes. Mas ainda mantenho a tecnologia um pouco afastada. Ainda não vejo televisão, exceto pelo tênis, pois sou fã de tênis, então vejo as partidas. Não uso celular nos Estados Unidos. Temos um para emergências, mas ninguém sabe o número. Ele é só para a minha esposa, para mim e para a família. Quando eu viajo, uso celular, pois é muito conveniente. Ainda uso muito pouco o e-mail e não divulgo o meu e-mail oficialmente. Eu só uso para projetos especiais. Eu me adaptei um pouco, mas ainda reservo muito tempo livre para mim mesmo, para pensar, para escrever e para ter uma vida particular.

Elizabeth Carvalho — Mas, ao mesmo tempo, o senhor parece estar totalmente conectado com o mundo. Como o senhor troca ideias ou, por exemplo, como responde ao enorme número de convites para dar palestras em vários países?
Fritjof Capra — Deixe-me lhe dizer, primeiro de tudo, que me mantenho muito bem informado, então uso bastante a internet. Eu acesso o site da BBC News logo cedo, todas as manhãs. Depois, acesso sites especiais. Há um site chamado “Common Dreams”, no qual há uma seleção de artigos progressivos do mundo todo. Há vários outros sites que eu posso acessar para obter informações. Não as obtenho só pelos meios de comunicação em massa, mas também por vários canais de ONGs e da sociedade civil e por meus colegas, no sentido amplo da palavra. E também leio jornais. Leio vários jornais regularmente, então estou, geralmente, bem informado. E faço parte de uma rede global de pensadores e ativistas e mantenho contato com eles. Eu me encontro com eles ocasionalmente. Acho que a força da sociedade civil e, entre outras coisas… Ela não é só uma rede eletrônica de ONGs, mas é também uma rede pessoal de amizades. Sou amigo, por exemplo, de Vandana Shiva, da Índia, de Amory Lovins, nos Estados Unidos, de Gunter Pauli, na Europa, os vários líderes dessa rede global, que são meus amigos pessoais.

Elizabeth Carvalho — Em 2003, o senhor estava implementando o Center for Ecoliteracy, em Berkeley, Califórnia, promovendo a ecologia e o pensamento sistêmico nos ensinos fundamental e médio. Na verdade, o senhor visava a um pensamento não fragmentado como a espinha dorsal da educação. O senhor obteve sucesso?
Fritjof Capra — Estou muito feliz de lhe dizer que obtivemos um grande sucesso. Nós começamos em 1994, 1995. Então, quando nos conhecemos, o projeto já estava sendo realizado havia sete ou oito anos. E agora, nestes dez anos, reestruturamos a organização. Trabalhamos com toda uma rede de escolas durante cerca de dez anos para desenvolvermos…

Elizabeth Carvalho — Com quantas escolas?
Fritjof Capra — Talvez, cerca de 300 escolas, para desenvolver toda uma pedagogia, para ensinar ecologia e pensamento sistêmico nas escolas. Depois que desenvolvemos isso e vimos o que podíamos fazer nas escolas e o que funcionava, passamos para um programa de comunicação e inclusão social. Então, agora fazemos, sobretudo, publicações e seminários. Ainda trabalhamos com algumas escolas e fazemos consultoria, mas o principal trabalho são seminários e comunicações. Publicamos um livro, chamado Ecological Literacy, que também foi publicado no Brasil, pela Cultrix, e é chamado Alfabetização Ecológica. Um segundo livro acabou de ser lançado nos EUA. Ele se chama Smart by Nature. A nossa pedagogia não é só baseada na ecologia e no pensamento, em termos de relacionamento, em termos de padrões e contexto, que é o que chamamos de “pensamento sistêmico”. Ela também é uma pedagogia experiencial. Levamos as crianças de uma escola a um jardim, ou a uma praia ou à margem de um rio, e lhes ensinamos ecologia de forma prática. Então, isso será diferente em áreas diferentes, pois o sistema educacional será diferente em diferentes países, e o clima e os ecossistemas são diferentes.

Elizabeth Carvalho — O senhor acredita que a ciência tradicional está realmente se abrindo a formas de pensar não reducionistas e não lineares?
Fritjof Capra — Com certeza. Tem havido mudanças enormes na ciência e lhe direi por que: porque os cientistas perceberam que todos os sistemas vivos são não lineares e que os sistemas não lineares precisam de uma abordagem diferente e de técnicas diferentes.

Elizabeth Carvalho — O senhor pode me dar um exemplo?
Fritjof Capra — Posso. Uma das descobertas fundamentais da biologia e da abordagem sistêmica, nos últimos 30 anos, foi a descoberta de que todos os sistemas vivos são redes, então temos redes alimentares em ecossistemas, no nosso corpo. Temos uma rede de tecidos. Cada tecido é uma rede de células. Cada célula é uma rede de moléculas. Então, a rede é o padrão básico de organização da vida.

Elizabeth Carvalho — Comunidades, como o senhor diz.
Fritjof Capra — Bem, isso são sistemas sociais. Nos sistemas sociais, temos comunidades. Nos ecossistemas, temos comunidades ecológicas. Se você estuda uma rede, a primeira coisa que você vê é que ela vai em todas as direções, ela não é linear, então é isso o que queremos dizer com sistemas não lineares. E, nos últimos 30 anos, houve um grande avanço na ciência e na matemática, para o desenvolvimento de uma teoria da complexidade, que é uma teoria de sistemas não lineares. A matemática foi usada para descrever esses sistemas. Esses sistemas e a metodologia para lidar com eles são, inerentemente, não reducionistas. Os cientistas foram muito além do reducionismo nos últimos 20, 30 anos.

Elizabeth Carvalho — Voltando à conversa que tivemos há dez anos, o senhor acreditava que estávamos caminhando para uma economia baseada no hidrogênio, que substituiria a economia baseada no petróleo em cinco, dez anos. Essa era a sua previsão. Mas a verdade é que ainda estamos muito longe de uma era pós-carbono. Como o senhor refaria essas projeções?
Fritjof Capra — Eu estava errado no sentido… Na época, havia uma grande empolgação quanto ao hidrogênio como um novo combustível. E ele ainda é uma opção muito viável, mas requer uma infraestrutura totalmente diferente, pois, quando você dirige um carro, você não pode ir a um posto… Eles se chamam “posto de gasolina”, pois vendem gasolina, eles não têm hidrogênio, então, você tem que construir toda uma infraestrutura, e achei que isso aconteceria, mas não aconteceu.

Elizabeth Carvalho — Não é por causa dos lucros?
Fritjof Capra — É por causa do poder político da indústria do combustível fóssil. Essa indústria tem um pode político enorme. E, por esse motivo, o Senado americano, por exemplo, nem discutiu ainda uma política climática viável. Não só eles não aprovaram uma lei, como nem mesmo a discutiram, pois a indústria do combustível fóssil não permite isso. A corrupção no sistema político é tão sistêmica, está tão embutida, que através de contribuições financeiras a indústria do combustível fóssil corta todas as discussões sobre política climática, e esse mesmo motivo impede as indústrias de desenvolver o hidrogênio. No entanto, também devo dizer, e isso não foi algo que eu previ, a energia eólica teve um aumento drástico, muito maior do que se imaginava. Não sei se você soube, mas, há cerca de uma semana, a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou que ela investiria 200 bilhões de euros reestruturando a indústria energética alemã para a energia eólica e outras energias alternativas.

Elizabeth Carvalho — De energia nuclear para…
Fritjof Capra — Para a energia eólica e renováveis. Isso significa que, em alguns anos, se isso funcionar, a Alemanha será a indústria líder em energia, e isso terá um grande impacto, pois outros países terão que acompanhá-la.

Elizabeth Carvalho — Na sua recente palestra no Rio, o senhor mencionou o relatório do Blue Planet, que será apresentado na Conferência Rio+20, agora em junho. Eu gostaria de juntar a esse um outro relatório, que acabou de ser divulgado, do instituto alemão Heidelberg de Pesquisa Internacional de Conflitos. Em apenas um ano, 2011, o número de guerras e conflitos armados triplicou, e esse é o maior número desde 1945. Vinte guerras e 166 conflitos armados. Esse relatório também menciona um aumento considerável da Força de Operações Especiais, dos Estados Unidos, a chamada SOF, o que significa que a administração do presidente Obama intensificou as “guerras nas sombras” em 60% das nações do mundo. O senhor acha que ainda temos motivos para sermos otimistas?
Fritjof Capra — Primeiro de tudo, temos que reconhecer que esses conflitos armados e essas guerras estão diretamente ligados aos recursos naturais, sobretudo, à energia, e às políticas de combustível fóssil dos Estados Unidos. Eles têm um império global para extrair recursos naturais. E por que eles fazem isso? Eles fazem isso porque acreditam, junto com os líderes econômicos do país, que um crescimento quantitativo ilimitado é sinal de uma economia saudável e é totalmente necessário, ao passo que o bom senso nos diz que um crescimento ilimitado num planeta finito é impossível, mas os economistas mantêm essa ilusão de crescimento quantitativo, que tem que prosseguir perpetuamente, e os laureados do Blue Planet também abordam isso nesse relatório para a Rio+20. A minha solução para isso, que propus no trabalho que escrevi com Hazel Henderson, é mudar de crescimento quantitativo para qualitativo. O tipo de crescimento que observamos na natureza é que, enquanto algumas coisas crescem, outras decaem e reciclam os seus componentes. E crescimento também é um crescimento interior, maturidade e um aumento de complexidade e sofisticação. Como esse aumento quantitativo realmente está na base da maioria dos nossos problemas mundiais, acho que essa mudança é totalmente necessária.

Elizabeth Carvalho — Quando o senhor fala na crença irracional no crescimento perpétuo e prevê um confronto entre o pensamento linear e a rede de vida não linear, o senhor está falando no colapso do capitalismo ou o senhor está falando de uma nova forma de capitalismo? Pois o capitalismo sempre foi o acúmulo perpétuo, não?
Fritjof Capra — É, mas ele não tem que significar isso. O significado original de capitalismo é usar forças de mercado para guiar a economia. E há vários conceitos e várias ideias que foram acrescentados a ele, e que, agora, são estendidos como partes e princípios do capitalismo. O primeiro é essa ideia de crescimento ilimitado. O segundo é que ele deve ser sustentado por combustíveis fósseis. Totalmente desnecessário. E o terceiro é que construímos uma economia global, que consiste em uma rede de fluxos financeiros, o que é extremamente eficiente num sentido restrito, todo computadorizado, e a qual excluiu qualquer tipo de consideração ética. É uma economia totalmente não ética e ela não é necessária, pois poderíamos taxar um comportamento não ético, ou um comportamento não ecológico, ou um comportamento não sustentável, e direcionar as forças de mercado numa certa direção.

Elizabeth Carvalho — Tivemos uma mudança nas vozes que estão nas ruas neste século 21. Estão todas concentradas no sistema financeiro.
Fritjof Capra — Com certeza.

Elizabeth Carvalho — Como o senhor vê o movimento de ocupação de Wall Street?
Fritjof Capra — Primeiro de tudo, devo dizer que, agora, nós temos uma nova sociedade civil global, que foi amplamente formada e organizada nesses encontros do Fórum Social Mundial, no qual nos conhecemos, em Porto Alegre e, depois, em outras partes do mundo, então, nós temos uma coalizão global de ONGs, que representa os valores que começamos a defender e a explorar nos anos 1960. À medida que nos reunimos numa rede global de pensadores e ativistas, ao mesmo tempo as corporações e os negócios também se reuniram numa rede global, numa rede global financeira e numa economia global. Então, agora, acho que o último round dessa luta é que sobretudo os jovens se tornaram intensamente cientes do domínio do sistema financeiro global e estão protestando contra ele. Estou muito esperançoso quanto ao movimento de ocupação, pois eles realmente abordaram a raiz do problema: o domínio do setor financeiro e a corrupção na política. Isso precisa ser abordado.

Elizabeth Carvalho — Atualmente, a expressão “sustentabilidade” se tornou uma espécie de marca nova, que tem sido disputada, sobretudo, por transnacionais do mundo todo. O setor bancário, o setor industrial, o setor financeiro, todos têm um departamento de sustentabilidade, que é a parte mais importante do seu marketing. Estamos falando de uma economia verde ou estamos falando de “maquiagem verde”?
Fritjof Capra — Amplamente, de “maquiagem verde”, e você pode notar que, na verdade, a maioria dessas empresas não fala de “sustentabilidade”, mas de “desenvolvimento sustentável” e esse, é claro, foi o termo cunhado pela Comissão Brundtland, nos anos 1980, mas é um termo muito difícil e problemático, pois desenvolvimento, como ele é entendido pelos economistas, é um crescimento ilimitado do PIB, que é, inerentemente, insustentável como dissemos antes, então, “desenvolvimento sustentável”, nesse contexto, é um oximoro, não faz sentido nenhum. No entanto, desenvolvimento, no sentido usado pelos biólogos, como um desdobramento multidimensional da vida, das nossas capacidades, não só econômicas, mas culturais, espirituais e intelectuais, então, o desenvolvimento sustentável faz sentido. É verdade que o termo é usado erroneamente. É por isso que começo as minhas palestras explicando que o que é sustentável, numa sociedade sustentável, não é o crescimento econômico, ou a fatia do mercado, ou qualquer uma dessas coisas, e sim a rede da vida, da qual a nossa sobrevivência depende.

Elizabeth Carvalho — Acha que essa mudança é possível?
Fritjof Capra — Ela tem que acontecer, pois estamos vendo as consequências desastrosas. E cada vez mais as pessoas estão defendendo isso. Acho que a apresentação dos laureados do Blue Planet, na Rio+20, é muito importante e terá um efeito, pois a Rio+20 terá uma grande visibilidade. A atenção do mundo estará voltada para o Rio de Janeiro naquela semana, então essa apresentação será importante. Respondendo à sua pergunta, acho que essa mudança é possível e, na verdade, é a única solução que eu vejo, pois não podemos dizer que não podemos ter crescimento. O crescimento é uma propriedade essencial da vida, e uma economia, ou sociedade, que não cresce, cedo ou tarde, morrerá, mas o crescimento, na natureza, não é ilimitado, não é linear, e apenas quantitativo. Ele é multidimensional. Algumas coisas crescem e outras decaem. Podemos e devemos optar pelo crescimento qualitativo.

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