Consultor Jurídico

Seguradoras de Jirau pagarão multa se insistirem em disputa na Inglaterra

19 de abril de 2012, 19h35

Por Marcos de Vasconcellos

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Caso as seguradoras da hidrelétrica de Jirau insistam em discutir o pagamento de prejuízos causados à obra em março de 2011 (estimados entre R$ 400 milhões e R$ 1,4 bilhão) na Inglaterra, terão de pagar uma multa diária de R$ 400 mil, decidiu a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Julgada na manhã desta quinta-feira (19/4), a briga entre seguradoras e construtoras da hidrelétrica figurou como uma disputa pela soberania entre as Justiças brasileira e inglesa.

A Justiça inglesa havia decidido, a pedido das empresas de seguro, que as construtoras da obra — Enesa, Camargo Corrêa e o consórcio Energia Sustentável do Brasil — estariam proibidas de buscar a Justiça brasileira, sob pena de prisão de seus diretores. Na decisão no TJ-SP, porém, por dois votos a um, ficou decidido que as seguradoras, lideradas pela SulAmérica, estão proibidas de movimentar o processo tanto na Justiça britânica quanto na câmara arbitral britânica Arias, na qual deram início ao processo de arbitragem.

A milionária queda de braço gira em torno da validade de uma cláusula de arbitragem que consta na apólice do seguro, mas que, segundo o voto do desembargador Paulo Alcides Amaral Salles, que foi acompanhado pelo do desembargador Vito José Guglielmi, não deve prevalecer.

A defesa das seguradas se fundamenta na incompatibilidade lógica entre as cláusulas 7 e 12 do contrato de seguro de riscos de engenharia. Enquanto a primeira diz que “qualquer disputa nos termos desta apólice ficará sujeita à exclusiva jurisdição dos tribunais do Brasil”, a segunda diz que, “no caso do segurado e a seguradora não entrarem em acordo sobre o montante a ser pago sob esta apólice (…), tal disputa será encaminhada para um processo de arbitragem sob as regras de arbitragem de Arias”.

Salles explica que a cláusula que define a disputa em arbitragem “não goza da anuência expressa de uma das partes”, e não segue o artigo 44 da Circular Susep 256/2004, que dispõe que a cláusula deverá “estar redigida em negrito e conter a assinatura do segurado, na própria cláusula ou em documento específico, concordando expressamente com sua aplicação”.

O único voto dissonante foi do desembargador Alexandre Lazzarini, que havia pedido vista do processo na última semana. Vencido, Lazzarini afirmou que a cláusula de arbitragem deveria ter validade. Contrário, porém, ao excesso da Justiça britânica, que determinou a prisão de diretores das construtoras que buscassem o Judiciário brasileiro, Lazzarini propôs que se fixasse uma multa diária de R$ 1 milhão para cada uma das seguradoras (SulAmérica, Allianz, Aliança, Mapfre, Itaú-Unibanco e Zurich Brasil) se algum dos diretores das construtoras fosse preso por esse motivo. A proposta, porém, não foi acatada.

No voto vencedor, do desembargador Salles, fica explícito que a prevalência da cláusula relacionada ao Juízo Arbitral não pode ser aceita como regra inflexível, prevalente sobre a vontade das partes e ao próprio contrato. Ele explica também que não se pode aceitar que a Justiça britânica impeça brasileiros de lutarem por seus direitos “principalmente quando estamos a tratar de empresas brasileiras, dirigidas por brasileiros, que contratam brasileiros e realizam obra em território brasileiro”.

Segundo o advogado Ricardo de Carvalho Aprigliano, a decisão proferida abre caminho para que as partes entrem em acordo sobre a melhor forma de discutir a indenização a ser paga pelo seguro da hidrelétrica. O julgamento, que o advogado diz ter sido corretíssimo, cria dois efeitos imediatos: interromper toda e qualquer discussão na Inglaterra — arbitral e judicial — e fazer com que a decisão que ameaça a liberdade dos diretores das construtoras caia por desistência dos seguradores. A decisão, porém, não define como será feita a discussão, abrindo margem, inclusive, para que seja em arbitragem no Brasil.

O advogado da Energia Sustantável do Brasil, Ernesto Tzirulnik, ao comentar a decisão desta quinta-feira, disse que “o Judiciário brasileiro está finalmente construindo — e é o Judiciário paulista quem faz isso — um regime de controle e constitucionalização das operações de seguro, que são extremamente relevantes para o desenvolvimento do país”.

Incêndio criminoso
O incidente que resultou no prejuízo discutido ocorreu entre os dias 15 e 16 de março deste ano, quando em um quadro surrealista trabalhadores entraram em conflito seguido de incêndios e destruição no canteiro de obras da hidrelétrica em Rondônia, que é parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Jirau está sendo construída com financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que injetou cerca de R$ 3,6 bilhões com verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Aproximadamente 50 ônibus foram incendiados e metade dos alojamentos dos 20 mil funcionários que moravam no local foi atingida pelo fogo. Houve saques em lojas, bancos e lanchonetes no local. Relatório da Polícia de Rondônia conclui que os prejuízos foram causados por um grupo de operários sem compromisso com a classe.