Cezar Peluso, o juiz

Peluso é exemplo de amor à magistratura

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19 de abril de 2012, 13h43

Spacca
No ano de 1970 era juiz em Guariba, quando chegou o eminente magistrado Mozar Costa Oliveira para assumir a comarca vizinha de Jaboticabal. Desde então passei a ter a honra de ser seu amigo. Certa feita, conversávamos sobre os juízes de nosso tempo, quando Mozar me disse: “Temos um juiz, meu colega de turma na Faculdade Católica de Direito de Santos, que por sua Inteligência, cultura jurídica e humanística, além de suas virtudes pessoais, será um dos grandes magistrados paulistas, qual seja o Dr. Antonio Cezar Peluso”. No ano de 1975, conversando com meu saudoso amigo desembargador José Carlos Ferreira de Oliveira, então Presidente de nosso Tribunal, contou-me que o Conselho Superior da Magistratura estava elaborando lista de promoção de juízes para as vagas existentes e entre elas a 7ª. Vara da Família e Sucessões da Comarca da Capital e fez a seguinte observação: “Ovídio, há entre os juízes inscritos um moço que avaliamos sua carreira e fiquei vivamente impressionado com o seu valor de homem e juiz, o Dr. Antonio Cezar Peluso. Terá, com certeza, um futuro promissor na Magistratura”. Veio a ser promovido para a referida 7ª. Vara da Família e Sucessões, em dezembro daquele ano.

Pois bem, no ano de 1976 tive a honra de conhecer o Dr. Antonio Cezar Peluso e nos tornamos amigos de coração e passei a vivenciar, bem de perto, o quanto havia de verdade nos elogios que lhe eram tributados. É impressionante a sua formação jurídica amealhada a partir da década de 1970: a) – Curso de Doutorado na Faculdade de Direito da USP, concluído em 1974; b) – Mestrado em Direito Civil na Faculdade de Direito da USP, concluído em 1975; c) – Mestrado em Direito Civil na Faculdade Paulista de Direito da Universidade Católica de São Paulo, concluído em 1975; d) – Mestrado em Direito Processual Civil na Faculdade Paulista de Direito da PUC-SP, concluído em 1975. Além disso, foi professor regente de Direito Processual Civil, na Faculdade Paulista de Direito da PUC-SP, de agosto de 1975 até agosto de 2003; professor instrutor de Direito Civil, por designação da Vice-Reitoria, na Faculdade Paulista de Direito da PUC-SP, no período de agosto de 1974 a julho de 1975, além de haver exercido diversas funções de realce dentro e fora da Magistratura.

A vocação de ser juiz integra a sua personalidade multiforme e vem acompanhada do seu testemunho de homem notável a servir de exemplo para todas as gerações de magistrados. Aprendi e proclamei com a preocupação de vivenciá-la a seguinte verdade: o que vale é a pessoa; cargo é atributo. Mais do que nunca essa verdade se impõe, de modo particular, ao magistrado que está, a todo instante, no cumprimento de sua missão, recordando que o homem é uma pessoa. Aliás, a grande lição do Cristianismo é o exemplo do respeito de Cristo pela integridade da pessoa humana. Só o homem é importante no Evangelho que, em sua mensagem de Salvação, abarca todos os homens, cuja soma é o mundo. De nada vale o Juiz que exerce o seu cargo, se antes de ser Magistrado não seja for verdadeiro homem e exemplo para seus jurisdicionados.

Marcou sua passagem de excelso juiz na 7ª Vara da Família e Sucessões da Comarca da Capital de São Paulo, onde se notabilizou por sentenças brilhantes, humanas, justas, estando o testemunho desta verdade retratado no primoroso livro Código da Vida, escrito por Saulo Ramos. Como juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo continuou a sua trajetória e ali muito contribuiu, especialmente para o avanço do Direito Processual Civil. Em voto primoroso, posso citar como exemplo aquele em que, como mestre, faz a distinção entre pressupostos processuais e condições da ação.

Por todos os seus méritos, chegou ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça de São Pauto no ano de 1986, onde continuou a empregar o seu talento de juiz vocacionado e de sua imensa cultura jurídica e humanística. Seus votos se inscrevem nos anais daquela Corte como lições imorredouras na arte de julgar. Nunca deixou de ser um homem bom, tendo a sabedoria de entender que “na imagem de Deus, a Justiça e a Bondade estão inseparáveis” e sua educação de berço a todos encanta.

Encontrava-se pronto – como homem e juiz – a integrar o nosso Supremo Tribunal Federal, o que veio a acontecer no ano de 2003. Acompanhei com viva esperança a sua chegada à nossa Suprema Corte.

Posso afirmar, sem medo de erro, que o Ministro Peluso ao chegar à nossa Suprema Corte deixou escrita página imorredoura de um dos juízes mais vocacionados que ali tiveram assento em toda a sua história, fazendo companhia aos saudosos ministros Costa Manso e Laudo de Camargo, paulistas como ele, entre outros.

Aliás, o saudoso Rodrigues de Alckmin com rara felicidade ensinava: “Sem vocação não há magistrado”. “Sem verdadeiro amor à Justiça não há juiz. Não é bastante o conhecimento das regras do direito positivo, que estas são na imagem carnelutiana simples moedas cunhadas com o ouro da Justiça, tanto mais valiosas quanto mais puro o metal. Se o juiz não tem amor pela função que exerce; se não sente que, ao decidir a causa, está realizando pragmaticamente e em modestíssimas proporções embora, um ato daquela grande Justiça que deve estabelecer o equilíbrio social, poderá ser um correto funcionário público, um técnico, um cientista. Falta-lhe, porém, alguma coisa, para ser juiz. Falta-lhe a vocação do justo”. (Discurso do desembargador José Geraldo Rodrigues de Alckmin, em sua posse no TJSP em setembro de 1964).

Em sugestiva passagem, escreve Piero Calamandrei: “O juiz que se habitua a fazer justiça é como o sacerdote que se habitua dizer missa”. E completa: “Feliz o pároco de província que até o último dia sente, ao dirigir-se ao altar com vacilante passo senil, aquela perturbação que, jovem padre, sentiu quando da sua primeira missa. Feliz o magistrado que até ao dia que precede o limite de idade sente, ao julgar, aquela consternação que o fez tremer, cinqüenta anos atrás, quando teve de dar a sua primeira sentença”.

Em seus votos no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Cezar Peluso por meio do seu exemplo, de suas virtudes, de sua coragem cívica e profissional, se impõe diante da sociedade e contribui para a evolução do Direito e inspira, em suas decisões, os legisladores para que boas leis sejam promulgadas.

A coragem cívica sempre foi atributo de sua missão de magistrado. Jamais teve medo em decidir, estando certo de que, como observa o notável Eduardo Couture: “El dia en que los jueces tienem miedo, ningún ciudadano puede dormir tranquilo”. Ruy Barbosa, de seu turno, na Oração aos Moços, com absoluta razão, ensinou: “A ninguém importa mais do que à Magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer cobardia”.

De igual forma, nunca se deixou seduzir pelo “politicamente correto”, tão em voga na época atual. O notável e saudoso ministro Franciulli Netto lembra que o professor Paulo Ferreira Cunha, conceituado catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, em feliz síntese, diz que o “politicamente correto que pretende elevar-se a pensamento único, é uma nova ideologia totalitária. E mais perigosa e sutil, porque não se afirma e nem se pretende como tal. Não tem sede, nem partido, nem líder. É difusa, e todos sempre de algum modo vergam numa plenamente colonização cultural, impondo silêncio do que passa por inconveniente, criando tiques e reflexos condicionados que nos levarão a todos a dizer o mesmo…” (A prestação jurisdicional. Ed. Millennium, Campinas, 2004, pgs. 25 e 26.

Muito menos se deixou levar pelo “clamor público” ou “clamor das ruas”, pressão tão perigosa que há dois mil anos absolveu o facínora Barrabás e condenou o inocente Nosso Senhor Jesus Cristo à morte de Cruz e que no ano de 1933 levou Hitler ao poder, para causar tanto mal e destruição à humanidade.

O Ministro Cezar Peluso, em sua vida, sempre teve presentes as seguintes palavras de Rui Barbosa: "Uns plantam a semente da couve para o prato do amanhã, outros a semente do carvalho para o abrigo do futuro. Aqueles cavam para si mesmos. Estes lavram para a felicidade dos seus descendentes, para o benefício do gênero humano".

Poucos são aqueles, como o Ministro Cezar Peluso, que conseguem exprimir o anseio expresso por Piero Calamandrei: “O juiz é o direito tornado homem” e “na vida prática, só desse homem posso esperar a proteção prometida pela lei sob uma forma abstrata”. (Eles, os Juízes visto por Nós, os Advogados. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1971).

Ao exercer a sua autoridade como juiz sempre teve presente a lição imorredoura do saudoso e notável desembargador Marcos Nogueira Garcez: “Independência não se confunde com a arrogância dos pretensiosos ou com a ostentação vaidosa dos imaturos. Mas que a exerce com a simplicidade dos fortes e com a profunda convicção de que, em todas as situações que nos apresentarem, haveremos de decidir exclusivamente de acordo com a nossa consciência reta e bem formulada, com olhos postos no mandamento do livro da Sabedoria: Amai a Justiça vós que sois os juízes da terra (Livro da Sabedoria, 1,1)”.

Na Presidência do Supremo Tribunal Federal, como anunciou em seu discurso de posse, sempre se portou como defensor do Poder Judiciário e da Magistratura.

O Ministro Cezar Peluso na Presidência do STF em época tão difícil, quando o órgão administrativo Conselho Nacional de Justiça procura se arvorar em “legislador” e “censor da Magistratura”, rompendo com os limites de atuação a ele outorgados pela Constituição, portou-se sobranceiro em defesa do Poder Judiciário e da Magistratura à semelhança da advertência feita pelo notável e inesquecível Presidente Ribeiro da Costa, quando sombras negras pairavam sobre o Supremo Tribunal Federal, logo após a eclosão do Movimento Militar de 1964: “Nosso poder de independência há de manter-se impermeável às injustiças do momento, e acima dos seus objetivos, quaisquer que se apresentem suas possibilidades de desafio às nossas resistências morais” e a Justiça “quaisquer que sejam as circunstâncias políticas, não toma partido, não é a favor ou contra, não aplaude nem censura” (O Supremo Tribunal Federal, Ed. Civilização Brasileira, 1976, pg. 26).

Com todas essas primaciais virtudes, o Ministro Cezar Peluso não poderia deixar de ser o que sempre foi. Homem notável e juiz fantástico, tendo consciência de que o magistrado ”é uma partícula de substância humana que vive e se move dentro do direito; e se esta partícula de substância humana tem dignidade e elevação espiritual, o direito terá dignidade e elevação espiritual”. (Eduardo Couture. Introducción al Estudio del Proceso Civil. Buenos Aires, Ed. Arayú, 1953.)

Sumamente honrado em participar dessa justa homenagem, termino por dizer que o excelso Ministro Cezar Peluso é o exemplo perene de homem inteligente, culto, digno e que muito ama a Magistratura e o Poder Judiciário, além de haver constituído uma linda família ao lado de sua querida Lúcia, com a ventura de ter dois filhos juízes e bons para continuar sua trajetória na Magistratura que tanto ama.

Deus seja louvado, meu querido amigo, que deixa um exemplo perene de como deve agir quem ama a Magistratura e tem consciência do valor que representa o Estado Democrático de Direito.

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