Sintomas da anemia

Ética pública está impaciente com os três Poderes

Autor

  • Joaquim Falcão

    é professor de Direito Constitucional e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro vice-presidente do Instituto Itaú-cultural e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

19 de abril de 2012, 10h59

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta quarta-feira (18/4)

A ética pública está impaciente. Impaciência poderosa. Aqui e no exterior. Em relação ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Deverá ser fator importante nas nossas eleições. As vezes, a força política da ética tem se imposto à força normativa da lei.

O presidente da Alemanha não esperou a conclusão do processo sobre tráfico de influência. Renunciou. O rei Juan Carlos não esperou conclusões sobre o mal uso de recursos públicos por seu genro. Afastou-o da família real. A presidenta Dilma não esperou apurar denúncias contra ministros. Conduziu-os à demissão.

A ética pública está com pressa. Pressionou o Congresso para aprovar a Lei de Ficha Limpa. E ao Supremo também. Apoia a ministra Eliana Calmon em sua cruzada por uma administração judicial mais ética e transparente. Está impaciente com os resultados do foro privilegiado para políticos. Apoia exigência de contas aprovadas para candidatos. A Comissão de Ética Pública funciona.

A impaciência não é contra o presidente alemão, o genro espanhol, políticos e magistrados brasileiros. É maior. É com a necessidade das instituições do Estado democrático de Direito em controlar e punir.

Não se constrói instituições legítimas e eficientes em ambiente de anemia ética, de perda de legitimidade institucional.

Sintomas da anemia variam na história. O regime militar perdeu legitimidade porque não restaurou a liberdade e as eleições diretas. Aumentou a desigualdade social. O sintoma hoje é outro.

A plena liberdade de informação e a expansão da mídia tecnológica evidenciam que algumas instituições públicas estariam sendo apropriadas por corporativismos. O sintoma é a sua apropriação, aparelhamento, por alguns partidos, profissões, sindicatos, empresas, grupos ou indivíduos. Usam como seu algo que é da nação.

Seria a adesão de autoridades a princípios éticos sincera? Ou mera estratégia de prevenção de dano, cálculo custo-benefício? Diante da probabilidade de confirmação das denúncias agem logo. Os danos à legitimidade de sua autoridade serão menores agora do que mais tarde.

A democracia é um regime que exige recíprocas legitimações. Devemos ao outro o mesmo respeito que temos por nós mesmos. Se podemos ter princípios éticos, e defendê-los, por que as autoridades públicas não podem ter? Podem sim.

Combater a anemia do poder público implica restaurar o vigor de sua legitimidade. Este é, por exemplo, um desafio do Judiciário, maior do que a disputa entre associações de magistrados e o Conselho Nacional de Justiça. Ou de ministros do Supremo entre si. Trata-se de provar à opinião pública que algumas autoridades judiciais não usam a administração da justiça, que é bem público, como bem privado. Como provar?

Aplicar a força normativa da lei individualmente é necessário, mas insuficiente. A opinião pública está indignada é a com a cultura de pagamentos benevolentes, mesmo que aparentemente legais e de boa fé, das administrações passadas, por exemplo, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mais do que com magistrados determinados.

O desafio é maior do que controlar individualmente. É mudar a cultura da sangria ética. Rever leis, interpretações, práticas administrativas, processos decisórios. Reinventar a administração judiciária. Reconquistar a ética perdida não se sabe bem onde, como e quando.

Autores

  • é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

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