Posse da terra

Rosa Weber pede vista do julgamento dos quilombolas

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18 de abril de 2012, 21h19

O Supremo Tribunal Federal suspendeu, nesta quarta-feira (18/04), o julgamento sobre o caso das comunidades quilombolas depois que as sustentações orais e o voto do relator do processo, ministro Cezar Peluso, ocuparam praticamente o tempo de toda a sessão. Ao fim do voto de Peluso, a ministra Rosa Weber pediu vista do julgamento.

Iniciado com mais de uma hora de atraso e frente à ocorrência de seis sustentações orais, além do pronunciamento da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, o julgamento foi adiado em razão do pedido de vista de Rosa Weber, e também por conta do “adiantado da hora” e da posse da ministra Carmém Lúcia como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, marcada para o início da noite desta quarta-feira.

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239 lotou o Plenário do STF, por conta da presença de membros e representantes de comunidades quilombolas na audiência. Manifestantes favoráveis à improcedência da ação reuniram-se em frente à sede do STF, na Praça dos Três Poderes, onde organizaram uma pequena mobilização.

A ADI 3.239, ajuizada pelo partido Democratas em 2004, questiona o Decreto Regular 4.887, de 2003, que disciplina o reconhecimento e a titulação de terras pertencentes a comunidades de remanescentes de quilombos, reconhecidos como descendentes de escravos fugitivos do cativeiro, que fundaram comunidades clandestinas durante a vigência da escravidão no Brasil.

De acordo com a ação do DEM, que apresentou ainda pedido de medida cautelar, o decreto em discussão trata de matéria reservada à lei e distorce o que dispõe o artigo 68 da Constituição Federal, que trata do direito dos chamados quilombolas. Segundo o impetrante, a Constituição apenas reconhece a propriedade definitiva das terras já ocupadas por comunidades de remanescentes dos quilombos, não prevendo a desapropriação de áreas.

Sustentações orais
Primeiro a falar, o advogado Carlos Bastide Horbach, que representou o impetrante, lembrou que o decreto incorre em inconstitucionalidade por adulterar “as claras disposições do artigo 68 da Constituição” e por estabelecer o que chamou de “novas modalidades de desapropropriação de propriedade”.

Horbach disse que a Constituição é clara em reconhecer a propriedade de áreas ocupadas por membros de comunidades quilombolas a partir da data em que entrou em vigor, não prevendo desapropriações futuras. O argumento foi retomado pelo advogado que fez a sustentação oral em favor da Sociedade Rural Brasileira (SRB), que entrou como amicus curiae pela procedência da ADI, afirmando, para tanto, que a noção de “propriedade coletiva”, sugerida pelo Decreto 4.887, é incongruente com a ideia de propriedade privada e pública.

O advogado Gastão Alves de Toledo, que representou a Associação Brasileira de Celulose e Papel, também como amicus curiae pela procedência da ação, lembrou que, apesar da relevância das questões antropólogicas que envolvem o tema, o que pesa, ao se analisar o caso, é o mérito da lógica de separação de poderes e da hermenêutica constitucional. Toledo observou que a “integração infraconstitucional” das normas que orientam a matéria é imprescindível para se garantir a devida segurança jurídica sobre o tema. “A noção antropológica é muito importante, mas cabe a lei definir o que é uma comunidade quilombola”, disse Toledo ao criticar o mérito de “auto atribuir-se" como remanescente de comunidades quilombolas.

Antes de Toledo, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, em defesa do Decreto 4.887, afirmou que este é um caso de “recuperação material”, lembrando que coube à Constituição de 1988 tratar de forma pioneira da “questão negra”. Adams lembrou que, com base no decreto, 110 títulos definitivos de propriedade beneficiaram 11.289 famílias de quilombolas.

Relação com a terra
Dentre as sustentações orais pela improcedência da ação, destacou-se a do procurador-geral do Estado do Paraná, Carlos Frederico Marés de Souza Filho. Em meio a uma série de falas repetitivas e voltadas para aspectos ideológicos envolvendo o caso, Carlos Frederico, em sustentação breve e coesa, chamou a atenção para o fato de a Constituição dar margem para que os direitos dos remanescentes das comunidades quilombolas sejam assegurados por meio de políticas públicas.

“Mesmo com a Constituição criando direitos, esses direitos, por vezes, se tornam amortecidos”, disse o procurador ao defender que, aí então, entra o papel das políticas públicas.

“Povos invisiveis, como os remanescentes dos quilombos, têm na terra o fundamento de sua vida”, disse Carlos Frederico. “A terra para eles não significa mera propriedade, pois, nesse caso, representa um conceito anterior à noção de propriedade”, afirmou.

De acordo com o procurador, o estado do Paraná tem interesse no tema, porque transformou o reconhecimento do direito dos seus quilombolas em “política de Estado, não de governo”.

Os argumentos do procurador foram reiterados no parecer da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, pela procedência da ADI, que ponderou que comunidades com esse perfil “guardam uma relação transcendental com a terra”, materializada na “ocupação coletiva do espaço e no uso dos seus recursos.

Duprat disse ainda que o artigo da Constituição que trata do tema “é tudo, menos límpido”. De acordo com a vice-procuradora, a Constituição trata do tema a partir de uma “visão prospectiva e não meramente de compensação do passado”. A vice-procuradora mencionou que o direito à propriedade se estende também à “propriedade comunal”. Duprat, no entanto, reconheceu a necessidade de se estabelecer “ indenizações amplas e justas”.

Voto do relator
O relator da ação, ministro Cezar Peluso, optou por acolher, em seu voto derradeiro como presidente da corte, o pedido feito pelo DEM, reconhecendo que o decreto é inconstitucional por conta de seus vícios formais. Peluso lembrou que o dispositivo constitucional só pode ser regulamentado por meio de lei ordinária, via Congresso Federal.

“É farta a doutrina e a jurisprudência do STF no sentido de que a Administração Pública não pode, sem lei, criar ou restringir direitos”, afirmou. “Apesar de não ser o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição (ADCT) de aplicação imediata, não pode o presidente da República baixar decreto que ofenda o princípio da reserva de lei […]”, disse o relator.

Peluso contudo cuidou de modular os efeitos de seu voto a fim de não prejudicar quem se beneficou da aplicação do decreto até o momento. Ao fim do longo voto do relator, a ministra Rosa Weber pediu vista do julgamento, tendo como preocupação, avaliar melhor “a questão de fundo, ou seja, a questão de inconstitucionalidade formal e material” envolvendo o tema.

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