Justiça do Trabalho

Execução fiscal cobra tributo sem fato gerador

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18 de abril de 2012, 12h26

Originalmente, o tema foi objeto da Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998, alterada pela Emenda 45, de 8 de dezembro de 2004, encontrando-se cristalizada no artigo 114, inciso VIII, do Texto Excelso, cujo mandamento atribuiu poderes para que a Justiça do Trabalho, promova, de ofício, a execução das contribuições sociais previstas nos mandamentos insertos no artigo 195, item I, alínea a, e inciso II, da Carta da República.

No plano legal, a matéria foi disciplinada por meio da Lei 10.035, de 25 de outubro de 2000, a qual, esmiudando o assunto, reafirmou a aludida competência, instrumentado a Justiça do Trabalho a efetivar a execução das apontadas contribuições em decorrência de decisões condenatórias ou homologatórias de acordos celebrados naquele Foro.

Doutrina e jurisprudência
O problema tematizado tem ensejado divergências doutrinais e jurisprudenciais, uma vez que abalizados doutrinadores propugnam em prol da execução nos termos literais da legislação, a teor de Sérgio Pinto Martins que, dentre outros, adota posicionamento inteiramente favorável aos termos da positivação da matéria. Kiyoshi Harada, por seu turno, caminha, também, na mesma direção, embora com alguns temperamentos.

Por outro lado, contrapõem-se aquele ponto de vista um rol de festejados juristas, a exemplo de Leandro Paulsen, Schubert de Farias Machado, Eduardo Fortunado Bim e Ary Raguiant Neto.

Nos tribunais, o Superior Tribunal de Justiça encampou a tese favorável à Fazenda, fazendo-o por meio das primeiras decisões sobre o assunto exaradas por volta de 2001 e 2002. Em decisões mais recentes, aquela Corte se pronunciou no sentido de reconhecer a legitimidade da Justiça do Trabalho para promover a execução de contribuições sociais. Outrossim, remansosa jurisprudência do TST cristalizou entendimento no sentido em que não cabe a cobrança de contribuições do sistema “S”.

Conquanto a Justiça do Trabalho promova a execução das contribuições sociais, em todos os seus desdobres, o sujeito passivo encontra-se ao abrigo de orientação firmada pelo TST, segundo a qual estará a salvo da exigibilidade daquelas contidas no Sistema S, desde que bata às portas do Judiciário. Todavia, restará exigível o valor relativo às demais contribuições, remanescendo, pois, a controvérsia. O presente Estudo focalizará o tema em sua plenitude, mostrando a dissonância entre o referido procedimento previsto na literalidade pedestre da legislação e os postulados da teoria geral do direito, bem assim os direitos e garantias fundamentais que permeiam o plexo de limitações ao poder tributário do Estado, tendo na contrapartida as prerrogativas sacramentais do contribuinte.

Teoria geral do direito
A Execução sub examen se ressente de fato jurídico susceptível de tributação – fato gerador – pois a sentença, decididamente não o é, nem poderia sê-lo. Deveras, o fato gerador da contribuição social é o pagamento de salários e não a decisão que obriga ou declara o referido pagamento. Logo, trata-se da cobrança de tributo à míngua de fato gerador, o que compromete a validez da referida exigibilidade, máxime porque, não só em direito tributário, mas em consonância com a lógica jurídica e com a teoria geral do direito, a instalação de qualquer obrigação pressupõe necessariamente a ocorrência de um fato qualificado pelo direito como suscetível de gerar direitos e deveres.

Portanto, a ausência de fato gerador fulmina a validez da exigibilidade contida na execução de ofício efetuada pela Justiça do Trabalho, quer sob a óptica de postulados que presidem a tributação, quer sob o prisma da teoria geral do direito.

Contraste com princípios constitucionais
Em obséquio às argutas reflexões de Leandro Paulsen, cumpre frisar que o Magistrado não pode usurpar funções administrativas e efetivar a cobrança do tributo por meio de lançamento. Ora, esse procedimento destoa do primado da separação de Poderes, consoante proclamado no mandamento inserto no artigo 2º do Texto Supremo.

Nas dobras dessas considerações, ressalta à evidência que a quantificação da contribuição social afigura-se imprecisa, circunstância que também macula a suposta validade do tributo. Tanto assim é, que, a base de cálculo para a cobrança traduz o valor da condenação ou do acordo homologatório, o qual abriga componentes estranhos ao suposto fato gerador, a exemplo de multas, indenizações e outros elementos que não o salario ou o rendimento segundo as matrizes constitucionais do gravame.

Sobremais, na esteira de Leandro Paulsen, importa ressaltar que a aludida cobrança implica efeitos ultra petita à sentença trabalhista, pois a referida norma concreta e individual somente pode operar efeitos entre as partes, jamais em relação a terceiros, conforme decorre da questionada exigibilidade.

Não bastasse o alegado, não se pode olvidar que a execução de ofício, desde logo, significa supressão do direito a ampla defesa e ao devido processo legal a serem exercitados na esfera administrativa, ultrajando, assim, direitos e garantias fundamentais pétreos inscritos no artigo 5º, incisos LIV, LV e LXXVIII, da Constituição da República.

Outrossim, a inexistência de um prévio processo de conhecimento acutila também a ampla defesa e o devido processo legal no plano judicial, configurando-se, portanto, mais uma inconstitucionalidade.

A execução da sentença trabalhista de natureza condenatória revela flagrante descompasso com a tipologia do tributo, a qual, como sabido e ressabido, não constitui penalidade e, mais do que isso, não pode abrigar como pressuposto qualquer ilicitude. O asserto emerge de postulados implícitos contidos na Constituição Federal, cujo texto e contexto correlacionam a tributação a condutas lícitas. Ao demais, a regra reveste a dimensão de princípio subconstitucional, porquanto explicitada no artigo 3º do Código Tributário Nacional.

Por induvidoso, a sentença em questão hospeda como essência uma ilicitude, razão por que essa conduta jamais poderia representar fato gerador de tributos, conforme prelecionado à unanimidade pela doutrina, merecendo destaque as lições de Paulo de Barros Carvalho e Roque Carrazza, dentre outros.

Melhor sorte não cabe à decisão homologatória de acordo, pois o nascimento do tributo não se dá em consequência dá em virtude de um acordo de vontades, mas compulsoriamente, consoante a definição de Tributo contida no artigo 3º, do Código Tributário Nacional. Logo, resta evidente o desconcerto entre a sentença declaratória e a instauração do liame obrigacional na seara tributária. A exemplo do tópico precedente, trata-se de princípio constitucional inexpresso, devidamente explicitado no comando codificado ora mencionado.

A quantificação integra o campo da criação dos tributos, prerrogativa indeclinável da função legislativa, mercê do postulado da estrita legalidade tributária, conforme disposto no artigo 150, I, da Lex Legum.

Pois bem, inexiste quantificação ou base de cálculo ou valor tributável na legislação que determine a medida de tributação de contribuição decorrente de sentença trabalhista. Destarte, cumpre esclarecer que o valor da decisão envolve ou pode envolver indenizações, multas e outros componentes que a Carta da República não qualificou como pressuposto de incidência, tanto que a contribuição social in casu somente poderia recair sobre salários e demais rendimentos do trabalho, segundo a própria lei ora questionada, o que mostra, de modo inexorável, a impropriedade, ilegalidade e inconstitucionalidade das referida cobrança.

Juiz natural é o juízo ou tribunal investido de poderes de editar a norma concreta e individual pondo termo a um litígio, o qual desfruta de prerrogativas imanentes ao desempenho da função, inclusive capacitação jurídica que o qualifique para essa nobre missão. Segundo a lição de José Frederico Marques, a expressão juiz natural equivale a de juiz legal ou juiz competente, na trilha, aliás, de um dos primados constitucionais concernentes ao assunto, no caso o inciso LIII, do artigo 5º, cujo comando dispõe que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Outro mandamento relativo ao postulado constitucional do juiz natural encontra-se no inciso XXXVII, do artigo 5º, que torna defeso a existência de juízo ou tribunal de exceção.

Ora, o juízo trabalhista, altamente especializado nos conflitos laborais, não reveste competência formal para sentenciar sobre matéria tributária, a qual, diga-se de passo, configura-se, também, matéria especializada, daí a desarmonia entre o primado do juiz natural e o inadequado desdobre fiscal oriundo de decisões exaradas na Justiça do Trabalho.

Ante as considerações expostas, força é concluir que a execução fiscal efetuada de ofício pela Justiça do trabalho comete o equívoco de cobrar tributo sem fato gerador, além de exprimir indubitável usurpação de competência por parte do Judiciário ao exercer ato privativo de função administrativa, sobre afrontar um conjunto de direitos e garantias fundamentais, conforme estampados neste Estudo, donde, a cobrança imersa na aludida execução afigura-se manifestamente inconstitucional.

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