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Ministério Público precisa de novos paradigmas

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16 de abril de 2012, 7h01

Nem todos os órgãos democráticos existentes em determinada ocasião são essenciais para a consecução dos objetivos democráticos. Não somente isto é exato como também, à medida que o tempo passa, aquilo que já constituiu meio para a consecução de objetivos democráticos se torna inteiramente obsoleto (Merriam, s/d, p.132).

Acredita-se, por outro lado, que as instituições são eternas, indispensáveis, racionais. E podem até ser, desde que estejam preparadas para mudar, aceitando novos encargos ou o expurgo de certas funções, de acordo com as exigências históricas e sociais. Ou seja, para não perecer e perder o rumo da história é necessário que a instituição seja flexível e capaz de mudar, num constante “vir a ser”.

Essas duas premissas (obsolescência democrática de uma instituição e a necessidade de mudar para continuar sendo útil aos objetivos democráticos) com a subsequente conclusão coloca o Ministério Público na contingência de buscar, continuamente, alinhar-se com as exigências atuais do ambiente democrático. A democracia e suas exigências avançam mais rápido que a capacidade das instituições para sustentá-las (e provê-las)[1].

Esse ambiente social cambiante requer um perfil diferenciado de Ministério Público, não mais meramente demandista ou parecerista, e sim dotado da capacidade de buscar resultados (estando aberto a inovações e aperfeiçoamentos) e de enfrentar, se necessário, o caudal dos interesses econômicos e políticos. E para nadar contra a corrente, como parece ser da natureza histórica da instituição, ela deve contar com bons nadadores, ágeis e resolutivos.

O objetivo, portanto, desse estudo, dadas as variáveis de análise, é perquirir se os atuais métodos de trabalhos, na primeira e na segunda instância, atendem a essas novas expectativas por eficiência e resultados.

Segunda onda: aperfeiçoamento da estrutura ministerial com vistas à eficiência, eficácia e efetividade

Com a Constituição de 88, o Ministério Público brasileiro entrou em estado de graças: as novas prerrogativas e garantias deixaram os antigos e novos membros perplexos e entusiasmados. Com a democracia reconquistada, a instituição ressurgia revigorada e devidamente aparelhada para fazer frente às duas décadas seguintes. Foi uma primeira onda arrebatadora e entusiástica, onde sob o ardor da paixão muitos pregavam a aparição de um novo poder político (Mazzilli, 1991, p. 39), apto a revolucionar a secular teoria de Montesquieu.

Passados mais de vinte anos da Constituição, a primeira onda de entusiasmo esvaiu-se, mas a missão foi cumprida. No entanto, todo o lastro teórico que serviu para impulsionar essa primeira vaga, defrontada com a nova realidade política, social e cultural, perdeu vigor e já não consegue atender às necessidades evolutivas da instituição. A ênfase dada à ação cobra sempre um preço: o da contínua elaboração teórica.

Surge um novo movimento, uma nova onda, que poderíamos denominar de a segunda onda da era contemporânea do Ministério Público. É o movimento da eficiência, da busca por resultados e legitimidade social, de um novo perfil institucional mais adequado à quadra histórica de aprofundamento e amadurecimento democrático: o perfil do Ministério Público resolutivo (conceito/representação e realidade observável em si mesma).

Esse movimento é simbolizado pela Emenda Constitucional n. 19 de 1998 que, dentre outras medidas, guindou a eficiência a princípio constitucional da Administração Pública, ao lado da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

As chaves para entender o perfil moderno do Ministério Público estão nos movimentos, nas contradições e nas lutas de que toda a sociedade é palco. Essa ligação íntima com as mudanças sociais, no claro objetivo de continuar a atender às expectativas de uma sociedade democrática, torna o Ministério Público uma instituição sempre inacabada, aberta e que tem na mudança um objeto de estudo, até porque as instituições não estão garantidas para a eternidade (Lapassade/Lourau, 1972, p. 156).

À medida que a sociedade democrática evolui, cresce também seu nível de exigência em relação ao MP. Se a instituição deixa de responder eficazmente às contínuas e cada vez mais complexas demandas sociais, corre o risco de, cedo ou tarde, ter sua legitimidade de defensora da sociedade questionada (Júnior, 2005, p. 714).

Dentre os fatores que ameaçam uma instituição como o Ministério Público destaca-se a ineficiência no desempenho de suas atribuições essenciais. Ao deixar um vazio no cumprimento funcional, a instituição abre espaço para que outros órgãos ou instituições, como verdadeiras contra-instituições (Lapassade/Lourau, 1972, p. 154 ss.), apoderem-se dessas funções ou quebrem a exclusividade institucional.

Definição de eficiência, eficácia e efetividade

 

A eficiência refere-se ao cumprimento de normas e à redução de custos. Sua utilidade é verificar se um programa público foi executado de maneira mais competente e segundo a melhor relação custo-resultado, ou seja, se foram obtidos máximos resultados com uma menor porção de recursos. A eficiência pode ser medida por meio dos resultados, da produtividade e dos custos.

Não é um conceito jurídico, mas econômico; não qualifica normas, quantifica atividades. O princípio da eficiência, introduzido no artigo 37 da Constituição Federal pela Emenda Constituição 19/98, orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que dispõe e a menor custo. Rege-se, pois, pela regra de consecução do maior benefício com o menor custo possível (Quintans, 2011).

Eficácia refere-se à obtenção de resultados e à qualidade dos serviços. Por esse elemento conceitual é verificado se os resultados previstos foram alcançados em termos de quantidade e qualidade (êxito do programa ou da política ou se os objetivos foram alcançados no nível de qualidade esperado).

A efetividade, por sua vez, refere-se ao efeito da decisão pública e sua utilidade, verificando se o programa responde adequadamente às demandas, aos apoios e às necessidades da comunidade. Em outras palavras, avaliar eficiência é saber como aconteceu; a eficácia, o que aconteceu; a efetividade, que diferença faz (MOTTA, 1990, p. 230; Caiden & Caiden, 2001, p. 82).

A diferenciação conceitual entre eficiência, eficácia e efetividade depende dos objetivos considerados e da instituição pública envolvida. Relativamente ao Ministério Público, como toda a atividade-fim institucional prende-se à realização de serviços, a eficácia será avaliada pela prestação física do serviço: atendimento ao público, realização de audiências, propositura de ações judiciais, etc. A eficiência, pelo cálculo da relação entre os recursos gastos e os serviços executados. A efetividade é avaliada pelo efeito que esses serviços trazem para a comunidade atendida, no que diz respeito às suas demandas e necessidades (pacificação social, direitos fundamentais preservados e respeitados, liberdade, segurança, cidadania plena etc).

Em relação ao Ministério Público, como sua função não se esgota na mera realização de audiências, no simples atendimento ao público ou no infecundo ajuizamento de ações judiciais, mas centra-se no objetivo maior de atingir elevados valores sociais (liberdade, segurança, pacificação social etc), a eficácia passa a ser a medida de um objetivo intermediário que visa atingir aquele resultado, a rigor, que visa a atingir a própria efetividade. O ajuizamento de ações, por exemplo, fica como apenas um serviço intermediário. Nesse caso, um ato ministerial (ou uma ação ministerial lato sensu) somente pode ser considerado eficiente se se referir à efetividade, ou seja, se alcançar aqueles valores sociais caros a uma democracia.


A verdade é que eficiência, eficácia e efetividade estão, essencialmente, interligadas. Não faz sentido dizer que uma ação não foi eficaz ou não foi efetiva, embora tenha sido eficiente. Isto implica em admitir que a ação não alcançou os serviços objetivados (eficácia) ou os resultados (efetividade), condição necessária para realizar o balanço com o conjunto de recursos utilizado, com o qual se calcula a própria eficiência. Assim ser eficiente e não ser eficaz ou efetivo constitui um ilogismo.

Desperdício de forças e energias institucionais

 

Há um modelo de Ministério Público que ainda age sob um viés processual e burocrático incapaz de atender plenamente aos desejos de eficiência e resultados impostos pela realidade moderna. A sua atuação é meramente mecânica (Júnior, 2005, p. 710), despachando processos, sem tempo nem disposição para se preocupar com o fundo substancial representado por eles. Todos os promotores podem até atuar dinamicamente, respeitando prazos e sendo pontuais em suas tarefas processuais, mas agem de maneira uniforme e sem qualquer preocupação com os problemas sociais que constituem o pano de fundo da atividade processual.

Agir de improviso ou mecanicamente, promovendo, denunciando ou dando pareceres, sem saber a que fim se dirige, é um desperdício de forças (e de dinheiro público). A organização racional das atribuições ministeriais deve fundar-se no princípio do emprego da menor quantidade de energia, ou seja, da economia de forças (Michels, 2001, p. 53), orientada por metas cientificamente traçadas.

O Ministério Público do Século XXI já não pode agir sob a fórmula antiga de “tentativas e erros” ou burocraticamente, numa preocupação apenas com números ou prazos. Impõe-se um paradigma científico a exigir a implementação de padrões de atuação. Se quer realmente obter resultados palpáveis para a comunidade onde atua na solução de seus problemas, deve fazer um diagnóstico o mais claro possível sobre os problemas comunitários e desenvolver, a partir disso, um projeto científico onde as possíveis soluções estejam indicadas.

O MP, como instituição (com métodos e princípios próprios, ou seja, com identidade própria), tem objetivos que diferem do Judiciário. O Judiciário deve ser visto pelo Ministério Público como um instrumento (no sentido técnico da palavra), o último instrumento para alcançar seus objetivos institucionais impostos pela Constituição. Dessa forma, não pode o Ministério Público montar sua estrutura de ação jurídico-social sobreposta à do Judiciário, como se atuasse, exclusivamente, perante este órgão. Se quiser perseguir, de forma eficiente, seus objetivos, precisa moldar métodos, estrutura e organização próprios, adequados aos objetivos que, constitucionalmente, está obrigado a alcançar.

Em que diferem os objetivos institucionais do Judiciário e do Ministério Público? O Judiciário, tradicionalmente (tanto que a Constituição de 1988 sequer giza os seus objetivos institucionais), predispõe-se a aplicar as leis do país. Já o Ministério Público tem o dever constitucional de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (artigo 127, Constituição). Aplicar a lei para solucionar os conflitos exige um padrão único de atuação: processo e julgamento. Já defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis admite e requer múltiplos padrões de atuação: atuação processual (ou judicial), extrajudicial, administrativa, social, política etc.

Montar uma estrutura de Ministério Público, portanto, tendo em vista apenas a atuação perante o Judiciário é reduzir a possibilidade dos membros do MP desincumbirem-se, com efetividade e resultados, das obrigações impostas pela Constituição.

Tal como estruturadas atualmente as diversas promotorias de Justiça de uma cidade com centenas de milhares ou milhões de pessoas, atreladas ao exercício junto às respectivas varas judiciais, é impossível ao promotor exercer com eficiência sua função, mesmo que cumpra todos os prazos processuais e tenha em dia todos os processos a seu cargo. E por quê?

Antes de respondermos a essa questão, passemos uma vista d’olhos sobre o que entendemos, em termos práticos, por efetividade da função ministerial. Peguemos como exemplo a função penal atribuída ao Ministério Público. Ao MP cabe promover com exclusividade a ação penal (artigo 129, inciso I, Constituição), cujo desdobramento judicial insere-se no esforço coletivo de luta contra a criminalidade e a violência. Portanto, o exercício da ação penal faz com que o Ministério Público seja inserido dentro do complexo público-securitário, tornando-o parte de uma estrutura institucional de segurança pública. Assim, a efetividade no desempenho da ação penal liga-se aos índices de criminalidade, violência e segurança pública. Como, então, um promotor de justiça vai saber se o seu trabalho silencioso e burocrático de impulsão penal está contribuindo para garantir segurança à população?

O serviço prestado pelo Ministério Público não se exaure na denúncia, na promoção, no parecer, na ação civil pública proposta ou no requerimento lançado nos autos. Esses mecanismos são meros instrumentos para alcançar valores caros à sociedade como: pacificação social, garantia dos direitos fundamentais, liberdade, segurança, cidadania plena etc. Esses valores alcançados respondem pela efetividade da atuação ministerial.

Nos moldes de hoje, o promotor não tem condições de aferir se o seu trabalho está ou não contribuindo para a segurança pública ou para a pacificação social. E como traçar ou planejar a atividade ministerial se não se sabe a que fins está atendendo? O problema é que o MP, montado como uma cópia do Judiciário, recebe os processos que são distribuídos às varas criminais de acordo com os critérios de competência (judicial) insculpidos na lei. Um promotor criminal recebe inquéritos de várias partes, bairros ou zonas da cidade. E com isso, não tem condições técnicas de afirmar se o seu trabalho está contribuindo ou não para a redução ou aumento da criminalidade e da segurança (ou insegurança) pública.

Por outro lado, também o cidadão vítima da insegurança, não sabe a quem recorrer, no seu bairro, para exigir providências contra a insegurança e a criminalidade que ultrapassam as atribuições da polícia. Ao fim, tudo acaba centralizado em políticas públicas elaboradas pelo poder executivo. Judiciário e Ministério Público por conta de suas estruturas hierarquizadas e burocráticas são alijados de tal processo.

O MP não define as atribuições de seus órgãos de execução (promotorias de justiça). São as competências judiciais (das varas junto às quais os promotores atuam) que definem ou atraem as atribuições ministeriais. Na verdade, as atribuições ministeriais “orbitam” nas varas judiciais. E com isso, os objetivos e os resultados de uma suposta política institucional do MP carecem de sentido, vez que a instituição não tem controle nem define suas atribuições. Falta à instituição uma identidade própria e uma concepção finalística de sua atividade.

Tal como as atribuições são exercidas hoje, o promotor além de não ter contado direto com o problema, não faz parte da força que move o mecanismo de pacificação social, sendo apenas um componente passivo, uma “correia de transmissão”, contemplando o cenário social numa imobilidade bizantina.

O MP, no que diz respeito ao sistema criminal, vincula-se a uma concepção mais finalística de sua atividade. Dada essa premissa, a instituição não pode manter uma postura meramente burocrática e contemplativa, como uma engrenagem supérflua no importante sistema securitário. Inserido neste sistema, a conduta institucional deve ser proativa, participativa, resolutiva e corretiva.


Como diz Sforza (1961, p. 17), muitas vezes a ideia pretende viver só de suas glórias passadas; as novas gerações continuam a venerá-la até o dia em que descobrem que ela já não é mais que uma fórmula. A divisão de atribuições do MP, nos mesmos moldes do Judiciário e sem atenção ao beneficiário final do serviço, é fruto de uma ideia válida no passado (em que o ambiente era pouco ou nada democrático), mas que se revela agora como uma mera fórmula inoperante e burocrática, inadequada a um perfil resolutivo e proativo do Ministério Público.

4.1- Divisão geodemográfica de atribuições

O ponto de partida para mudar esse panorama passa por uma reestruturação na forma como a divisão das atribuições é feita. Em vez de ser uma divisão com base na competência judicial, recebendo processos de todos os pontos da cidade, sugere-se uma divisão geodemográfica de atribuições, onde cada promotor passa a trabalhar sobre processos (inquéritos, reclamações, procedimentos etc.) de determinada área ou região da cidade (que pode ser um bairro ou uma zona territorial específica) de acordo com a concentração e segmentação demográfica. Teria também o promotor um contato direto e pessoal com o cidadão morador da sua circunscrição territorial. Haveria uma aproximação saudável entre Ministério Público e comunidade, em que o cidadão saberia exatamente qual o promotor atuante na área onde reside.

Além disso, o Ministério Público, através de seus órgãos específicos, teria condições de aferir a produtividade, qualitativa e quantitativa de seus membros, vez que cada um deles estaria ligado, umbilicalmente, aos problemas do cidadão morador da área territorial afeta. Essa nova divisão de atribuições tem a grande vantagem de por o promotor de justiça em contato direto com os problemas comunitários e lhe aguçar a responsabilidade pela solução dos mesmos. A própria comunidade teria melhores condições de exercer um controle sobre a atuação do Ministério Público, fator exigido pelos modernos mecanismos de accountability[2].

Não haveria a necessidade de alterar em nada a estrutura física da instituição. Os promotores continuariam onde estão, mas as suas atribuições seriam distribuídas por zonas geográficas ou demográficas da cidade. Exemplifiquemos: suponhamos que a cidade seja dividida em 15 zonas geodemográficas. Para cada zona destas poderíamos ter um promotor criminal; ou então cinco promotorias de família, onde cada promotor ficaria responsável por três zonas; ou três promotorias de infância e juventude responsáveis, cada uma, por cinco zonas. E assim por diante, de acordo com o volume de trabalho por cada zona demográfica.

A ideia básica é aproximar o cidadão e a comunidade do Ministério Público e vice-versa. E para isso o promotor precisa está ligado diretamente aos problemas locais.

Atuação coesa ou monolítica do Ministério Público: integração horizontal

No desafio de coordenação com órgãos e instituições externas de forma independente, o Ministério Público acaba esquecendo uma premissa básica: a cooperação interna é a primeira lei de competição externa. Afinal como enfrentar poderes políticos e econômicos bem organizados sem contar com uma estrutura sólida e coesa?

A Constituição ao dotar o Ministério Público de unidade e indivisibilidade (artigo 127, § 1º, CONSTITUIÇÃO)[3], possibilitou a qualquer agente ministerial que, ao atuar, impute sua vontade funcional à instituição (Carneiro, 1995, pp. 43-44). Qualquer ato praticado por um promotor ou procurador de justiça, no exercício de suas funções, automaticamente é atribuído ao Ministério Público. Não há dualidade de pessoas (ente curador dos direitos ou interesses – MP – e a pessoa que os exerce – membro) como na representação, legal ou voluntária. Há unidade: é uma só pessoa – a pessoa coletiva, a instituição – que persegue o seu interesse, mas mediante pessoas físicas – as que formam a vontade, as que são suportes ou titulares dos órgãos[4].

Diante disso, seria extremamente traumática para a instituição a existência de tantos interesses ou vontades quantos fossem o número de membros a compô-la. Ou ainda, a justaposição de promotorias mais ou menos especializadas, sem diálogo e sem cooperação entre si. Não haveria convergência de energias, mas o caos anárquico e improdutivo conducente a uma espécie de anomia institucional. Os múltiplos agentes independentes devem repousar suas individualidades e idiossincrasias sobre um núcleo irredutível que confira uma base segura para o desempenho linear das funções da instituição[5] e não sobre fatores irracionais que interferem no curso da ação individual. Esse núcleo não é outro senão a ordem jurídica e o diálogo institucional.

O diálogo institucional ou a solidariedade interna entre os agentes do Ministério Público, com delimitação precisa de atribuições, disposição de atuar em conjunto e uma interação funcional sujeita a princípios, normas e regras, onde cada órgão pode complementar a atividade do outro, é o passo decisivo para uma gestão fundada no resultado. Isso porque a reunião de uma série de energias (os diversos membros numa instituição) gera um somatório razoável, mas a multiplicação dessas energias reunidas só é possível se entre elas estabelece-se um diálogo ou uma forma de comunicação produtiva.

Como diz Recasens Siches (1943, p. 136), “toda realidad y toda fuerza del ente colectivo se compone exclusivamente de energías humanas enlazadas. Y, por ende, cuando faltan esas energías humanas se acabó el ente colectivo”.

As múltiplas promotorias especializadas com suas respectivas atribuições especializadas de uma grande comarca representam a expansão, por imperativo das dimensões demográficas, da promotoria solitária e conglobante de uma comarca pequena. A promotoria única com seu promotor titular engloba em si todas as especialidades de um grande centro: proteção ao idoso e às pessoas portadoras de deficiência, infância e juventude, criminal (acidentes de trânsito, drogas, Júri, violência doméstica, execução penal etc), família, meio ambiente e urbanismo, fazenda pública, proteção ao consumidor, patrimônio público, cidadania, registro público, acidente de trabalho etc.

Numa promotoria única todas essas atribuições são exercidas por um único agente. O diálogo e a intercomunicação entre elas (atribuições) é fundamental para aferir os resultados alcançados pelo Promotor de Justiça. E seria impensável, para o êxito funcional, que o promotor não vislumbrasse uma continuidade e uma interlocução entre suas diversas atribuições[6]. Nos grandes centros e comarcas a mesma questão é posta: necessidade de diálogo e intercomunicação entre as diversas atribuições. Mas em tal contexto especializado estabelecem-se espaços isolados infensos ao diálogo e ao cooperativismo (numa espécie de integração horizontal). A multiplicidade de agentes, de ideias e de percepções aliada a uma deficiente estruturação normativa resulta num caos funcional e em tremendo desperdício de energia e dinheiro público.

Esse caos ou anarquia funcional reduz a eficiência, a eficácia e a efetividade das funções ministeriais. As diversas forças e energias da instituição, que numa promotoria genérica são convergentes, nas diversas promotorias especializadas são divergentes e dissipadas em atuações estanques e sem solução de continuidade. As informações de uma promotoria não são acessíveis, em tempo real, por outra promotoria. E, com isso, muitas vezes, ocorrem conflitos positivos ou negativos de atribuições, cujo deslinde tardio representa pesado golpe no perfil resolutivo da instituição.


Com essa nova divisão geodemográfica de atribuições alcançam-se dois objetivos de uma só vez: unidade efetiva e eficiência na prestação dos serviços ministeriais. É a transmutação da unidade de ação de um agente único, com todo o diálogo e a interlocução entre as diversas atribuições que estão a seu cargo para o amplo cenário das promotorias especializadas de um grande centro urbano. De outro lado, teríamos um Ministério Público proativo, antecipando-se aos problemas e aproximando-se, vetorialmente, do “homem da rua”.

Há, em todas as instituições, muita coisa tradicional e habitual. Disposições que os homens jamais põem em dúvida, porque a elas estão habituados. Muito se pode dizer a favor dessas disposições – funcionam mais facilmente. Mas há épocas em que a necessidade determina uma orientação totalmente oposta. Os processos habituais, a máquina enferrujada, exigem um recondicionamento (Lindsay, 1962:140), um aperfeiçoamento em prol da eficiência, da eficácia e da efetividade.

Mas, como dizia Descartes (1961, p. 165), “é incômodo nos desfazermos prontamente duma opinião a que estamos acostumados desde longa data”. É a magia poderosa do passado que, mesmo quando um conceito se revela claramente inadmissível (MP demandista e reativo) – no caso, estreito demais para comportar toda a realidade – ele está sempre presente, embora alterado, quando não distorcido (Keller, 1967:67). Por outro lado, não podemos, de nenhum modo, manter construções que foram elaboradas para um período histórico específico e que só com ele têm sentido e fundamento.

A estrutura jurídica e institucional do Ministério Público foi montada e projetada para uma sociedade muito menos complexa que a de hoje. Os objetivos institucionais não foram cumpridos por conta de obstáculos que não estavam previstos ou que surgiram em decorrência das transformações da sociedade civil.

Diante de um Ministério Público resolutivo fundado na eficiência, eficácia e efetividade impõe-se como fundamental a busca por técnicas e ferramentas que possibilitem uma melhor gestão do resultado. Como determinar se a instituição, globalmente considerada, está indo bem e quais os aspectos poderiam ser melhorados? Os indicadores de desempenho são fundamentais por mensurar com medidas claras o desempenho da instituição de acordo com as exigências da sociedade.

Os indicadores e índices a serem elaborados dependerão sempre da natureza do problema considerado, mas sua utilidade metodológica terá de residir, em geral, no seguinte:

1- decompor o problema nos seus elementos fundamentais;

2- facilitar com isso o raciocínio e manejo dos elementos e por consequência do problema total;

3- mostrar mais concretamente ao não jurista as consequências e projeções fáticas de um problema;

4- permitir o processamento empírico dos dados jurídicos (Gordillo, 1977, p. 20).

Além disso, há uma necessidade visível em reestruturar a forma como a divisão das atribuições ministeriais é feita. Ao invés de ser uma divisão com base na competência judicial (permanência de uma posição orbitária do MP em relação ao Judiciário incompatível com o perfil resolutivo da instituição), recebendo processos de todos os pontos da cidade, sugere-se uma divisão geodemográfica de atribuições. Dessa forma, cada promotor passa a trabalhar sobre processos (inquéritos, reclamações, procedimentos etc.) de determinada área ou região da cidade (que pode ser um bairro ou uma zona territorial específica), de acordo com a concentração e segmentação demográfica. Teria também o promotor um contato direto e pessoal com o cidadão morador da sua circunscrição territorial. Haveria uma aproximação saudável entre Ministério Público e comunidade, em que o cidadão saberia exatamente qual o promotor atuante na área onde reside.

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[1] De acordo com N. Bobbio (1986, p. 36), a democracia tem a demanda fácil e a resposta difícil.

[2] Os verdadeiros fins da democracia não são atingidos por nenhum sistema que deposite um grande poder em mãos de pessoas que não estão sujeitas a nenhuma forma de controle popular (Russell, 2001, p. 51).

[3] Sobre os aludidos princípios e o alcance conceitual vide Nogueira, 1992, p. 81; Sauwen Filho, 1999, pp. 209-210; Donizetti, 2009, p. 152.

[4] Diante desses princípios, talvez não seja correto dizer que entre a instituição do MP e seus membros estabeleça-se uma relação metassociológica de todo e parte. Essas equações tendem a se confundir.

[5] Agindo conjuntamente sobre o mesmo objeto (defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis), os membros do MP coordenam as suas condutas e a conduta total passa a possuir uma unidade análoga à de um grupo de músculos num movimento coordenado (Siches, 1968, p. 427).

[6] Um único agente é capaz de ser mais unificado em seus atos do que um grupo, e muito mais unificado do que vários grupos cooperando uns com os outros (Keller, 1967:110).

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    é promotor de Justiça, mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ, membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas.

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