Contraindicações éticas

Nos EUA, condenados à morte não podem doar órgãos

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16 de abril de 2012, 7h14

Existem mais de 113 mil americanos na lista de espera de transplantes, segundo a United Network for Organ Sharing (Rede Unida para Doação de Órgãos). Desse grupo, 19 morrem todos os dias, por falta de doador. Muitos dos mais de 3 mil prisioneiros no corredor da morte no país gostariam, por razões que lhes são próprias, que seus órgãos fossem doados, depois de executados. Mas o sistema penitenciário americano não permite. 

Na verdade, não há lei, em nenhum dos 50 estados americanos, nem no Distrito de Colúmbia, que autorize a doação de órgãos por prisioneiros condenados à pena de morte, diz o Jornal da ABA (American Bar Association – a ordem dos advogados dos EUA). 

"Os órgãos de apenas um prisioneiro poderiam salvar até oito vidas, com a doação de coração, pulmões, rins, fígados e outros tecidos transplantáveis", escreveu em um artigo publicado no jornal The New York Times, o prisioneiro de "37 anos e saudável" Christian Longo. No corredor da morte, ele encontrou motivação para viver até sua execução na cruzada que empreende para evitar o "desperdício" de seus órgãos. "Apenas os meus órgãos poderiam salvar 1% dos pacientes na lista de espera no estado de Oregon", ele escreveu em seu artigo. 

A luta de Christian Longo para determinar em vida se, depois de executado, seus órgãos vão ser enterrados ou se servirão para salvar a vida de outras pessoas reacendeu o debate nos EUA sobre o aproveitamento ou não de órgãos dos prisioneiros em transplantes. 

"A falta de órgãos para transplantes é real e crescente, mas há questões éticas e obstáculos práticos", diz o diretor do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia, Arthur Caplan. "Eu não acredito que um prisioneiro faça isso por altruísmo. Ele faz isso porque quer salvar sua reputação ou quer receber melhor tratamento antes da execução", afirma. De fato, a Lei Nacional de Transplante de Órgãos, de 1984, proíbe a doação de órgãos feita por "consideração de valor" tal como abrandamento de pena. 

O diretor do Centro de Informações sobre a Pena de Morte, Richard Dieter, de Washington D.C., não acredita que um prisioneiro no corredor da morte, que decide doar seus órgãos após a execução, faça isso de livre e espontânea vontade, sem coerções externas. "Os Estados Unidos não querem ser como a China, onde dois terços dos órgãos doados vêm de prisioneiros", ele declarou aos jornais. 

Para ele, essa é uma decisão perigosa. "Quem sabe o Estado vai se sentir encorajado a tirar uma vida para salvar outra", ele diz. Mas Caplan tem um outro ponto de vista: "Muita gente pensa que a doação de órgãos por prisioneiros deveria ser compulsória, como uma forma de punição", afirmou. Para as pessoas que necessitam de um doador de órgão para salvar suas vidas, a decisão é fácil, diz o jornal da ABA: "permitam a doação". 

"Se um prisioneiro, no corredor da morte, quer doar um órgão ou alguns órgãos, em vez de levá-los para o túmulo, sou inteiramente a favor da doação", disse ao jornal o vendedor de computadores Scott King, de 46 anos, que sobreviveu graças à doação de um rim, em 2001. 

O estado de Oregon e os demais estados americanos dão várias explicações para a rejeição de órgãos de condenados à morte. Nenhuma se justifica, diz o prisioneiro Christian Longo. A principal razão apresentada por Oregon é a de que o estado, como outros, usa uma sequência de três drogas nas injeções letais, que danificam os órgãos. No entanto, os estados de Ohio e Washington usam uma dose maior de apenas uma droga, um barbiturato de ação rápida, que não destrói os órgãos. Bastaria que todos os estados fizessem a mesma coisa para salvar todos os órgãos dos executados. 

Outra preocupação comum é a de que órgãos de prisioneiros podem estar contaminados por infecções, HIV ou hepatite. Esse é um problema proporcionalmente comum entre a população carcerária e a de todo o país, diz Christian Longo. Bastaria um teste para determinar se os órgãos dos prisioneiros são saudáveis ou não. Os testes seriam mais confiáveis do que os feitos, por exemplo, com vítimas de acidente de carro, que se declaram doadores na carteira de motorista. Na pressa de disponibilizar o órgão para transplante, há menos tempo para um exame completo de riscos. 

Também há receios quanto à segurança. A quem imagine que prisioneiros podem se tornar doadores de órgãos, como parte de um esquema bem elaborado de fuga. No entanto, prisioneiros em todo o país são levados a hospitais para tratamento médico, todos os dias. E, de qualquer forma, as execuções são realizadas dentro do presídio, de forma que a remoção dos órgãos pode ser feita no mesmo local. 

À parte dessas considerações logísticas e de saúde, o país tem um razão moral para justificar a relutância em permitir a doação de órgãos por prisioneiros, diz Christian Longo. "Os Estados Unidos têm uma história vergonhosa de usar prisioneiros em experimentos médicos", ele diz. No estado de Oregon, por exemplo, de 1963 a 1973, muitos prisioneiros foram pagos para servir de cobaia em uma pesquisa para avaliar os efeitos da radiação em células testiculares. 

Alguns oponentes à doação de órgãos por prisioneiros consideram o lado ético da questão: se for aberta uma porta para a doação, será aberta outra porta para o abuso. Nem sempre os prisioneiros têm plena capacidade para oferecer um consentimento voluntariamente, dizem.

No outro lado da moeda, os americanos debatem se prisioneiros, no corredor da morte, poderiam ser receptores de órgãos, quando precisam de transplantes. Talvez devessem ser mantidos vivos, para que o sistema se certifique de que vão comparecer à própria execução.

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