Segunda Leitura

Aprimorar a Polícia Civil é dever do Estado

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

15 de abril de 2012, 12h49

Vladimir Passos de Freitas 2 [Spacca]Spacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">A segurança pública, dever do Estado, é direito e responsabilidade de todos (CF, art. 144). No entanto, é um direito só lembrado em momentos de crise, logo após um fato rumoroso. Entrevistam-se, então, grandes estudiosos, que têm soluções para tudo. A maioria nunca acompanhou um plantão em uma delegacia de Polícia.

Neste quadro, a Polícia Federal avançou muito, fruto de concursos disputados, vencimentos condignos e capacitação permanente. A Polícia Militar expandiu seu trabalho preventivo, com sucesso (p. ex., Polícia Ambiental). A Polícia Rodoviária Federal melhorou sua infraestrutura e conseguiu elevação dos vencimentos de seus membros. A Guarda Municipal ainda não teve definido o seu papel, mas vem se equipando e crescendo.

Todavia, a Polícia Civil, que é a responsável pela investigação da maioria dos crimes, segue com deficiências de estrutura e seus delegados, na maioria dos estados, recebem vencimentos inferiores à metade do que ganham juízes e promotores. Há tentativas legítimas de reverter-se a situação.

É preciso melhorar. É necessário que a Constituição seja cumprida, não apenas nos direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, mas também no direito à segurança do artigo 144.

Quem, como, o quê? Os pessimistas dirão: não adianta, está tudo perdido. Discordo. Há quadros novos, delegados, escrivães, investigadores e outros profissionais que optaram pela função policial por vocação. É preciso saber aproveitar esses novos talentos.

Mesmo que as dificuldades sejam enormes ─ e sempre são ─, um Secretário de Segurança ou um delegado-geral interessados, além de legítimas aspirações de reformas constitucionais (v.g., PEC/SP 19/2011), podem fazer a diferença, estimulando seus comandados, usando a criatividade dos jovens valores, aumentando-lhes a autoestima. Por exemplo:

1. Resgatar a história da instituição, a fim de que seus integrantes e a sociedade a conheçam melhor, saibam tudo o que ela realizou. Neste particular, serve de bom exemplo o trabalho do delegado Felipe Genovez , “História da Polícia Civil no Estado de Santa Catarina”, no site: http://www.webartigos.com/artigos/historia-da-policia-civil-no-estado-de-santa-catarina/67745/.

2. Dar nomes aos prédios das delegacias de Polícia, tal qual se faz nos Fóruns, valorizando os que prestaram bons serviços à instituição ou que faleceram em serviço. Mas a homenagem só deve ser feita aos aposentados ou mortos, para que não se transforme em política miúda.

3. Estimular o estudo (não apenas aos delegados, a todos) é essencial. A concessão de auxílio educação é o caminho. Assim faz a Justiça Federal (Lei 11.416/2006), com sucesso. Por exemplo, um curso de mestrado significa 10% sobre o vencimento básico (artigo 15, inciso II). Isso pode ser conseguido com lei estadual. Mas, mesmo sem a gratificação, devem facilitar-se cursos de mestrado e doutorado, principalmente aos delegados. Evidentemente, com um controle do percentual dos que podem licenciar-se ao mesmo tempo (p. ex., 3%). Cursos no exterior, intercâmbio de experiências com outras academias ou escolas de Polícia, da mesma forma devem ser incentivados.

4. A criação de uma revista eletrônica, com artigos de específico interesse policial, também é importante e não demanda gastos ou sacrifícios. Só boa vontade. A Ed. Fiúza, com o apoio do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal de SP, publica a excelente “Revista Criminal” (impressa), com sucesso. É preciso que os policiais preencham esse espaço vazio, escrevam sobre o que entendem, inclusive para sites ou jornais locais.

5. A abertura de concursos de artigos ou de boas práticas, com premiação e divulgação, também é estimulante. É algo simples e que pode ser promovido também por associações de classe. Os prêmios devem relacionar-se com a atividade (p. ex., participar de curso no exterior). As boas práticas podem ficar disponíveis no site da instituição.

6. Um centro de apoio institucional na DG ou na Corregedoria, com estrutura enxuta e servidores escolhidos a dedo, é essencial. Telefone e e-mail disponível para esclarecer dúvidas o tempo todo, na hora e informalmente. Neste mesmo setor pode haver um centro receptor de propostas de inovações. Boas ou não, devem ser respondidas no máximo em três dias.

7. Desburocratização administrativa é outro passo importante. Uma pessoa ou uma comissão de três pessoas objetivas e com bons conhecimentos, poderão permanecer à disposição da DG por seis meses e levantar todos os gargalos burocratizantes. Por exemplo, precatórias eletrônicas. Existe algo mais “old fashion” do que uma precatória impressa, mandada via correio? Isto sem falar das precatórias mandadas para outro estado (mesmo que só uma rua divida duas cidades) via Polinter, que nas duas capitais registrará o sacramental documento, retardando em meses seu cumprimento. Simplificar a comunicação interna, criar súmulas administrativas, tomar depoimentos por telefone (viva voz), a imaginação é livre e tudo deve ser tentado.

8. Aprimorar as decisões é indispensável. Não tem mais sentido inquéritos mal conduzidos. Depõem contra a Polícia. Neste particular, consulta pela internet ao “Roteiro de Decisões Policiais” será uma agradável surpresa, pois nele se encontrarão, pela ordem alfabética, centenas de comentários, modelos de despachos complexos, ofícios, informações e jurisprudência, divididos em três arquivos (www.ibrajus.org.br).

9. A falta de estrutura de trabalho, enquanto os governos estaduais não se animam a adquirir modernos equipamentos expostos em feiras (p. ex. http://mais.uol.com.br/view/99at89ajv6h1/9-feira-internacional-de-seguranca-publica-no-df-04023160E0811366?types=A), podem ser atenuada com solicitação à Receita Federal de doação de bens declarados perdidos (v.g., contrabandeados). Basta alguém se dispor a fazer os contatos, tomar a iniciativa.

10. Uma boa assessoria de imprensa e um marketing positivo são essenciais. O relacionamento com a mídia deve ser objeto de capacitação pela cúpula (v.g., elaborando uma cartilha). Por exemplo, um delegado não deve dar entrevista com a barba por fazer ou com uma camisa de malha. Deve estar trajado de forma adequada, de terno ou, se não for o hábito local, com camisa discreta e abotoada. E quem deve aparecer mais é o escudo da instituição e não o seu agente. As relações institucionais (v.g., com Judiciário, MP, OAB, Defensoria) devem ser otimizadas.

Aí estão, em breve síntese, dez boas práticas que podem ser tomadas para aprimorar a Polícia Judiciária Estadual. Muitas delas já existem em alguns estados, mas são pouco divulgadas. Dos que detêm o poder, espera-se que queiram mudar as coisas para melhor e não simplesmente enriquecer seus currículos. A população agradece.

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