Custo do serviço

Inadimplência e gatos põem Light entre as mais litigantes

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15 de abril de 2012, 6h44

A Light, como esperado da maior concessionária de energia elétrica do Rio de Janeiro, enfrenta problemas de inadimplência com muitos de seus clientes. Somada aos chamados "gatos", desvio de fiações para roubar alimentação de energia, os calores provocam nos registros da empresa “perdas econômicas” ou “perdas comerciais” de até R$ 1 bilhão por ano.

O resultado são 36 mil ações judiciais tramitando hoje tanto nos Juizados Especiais quanto na Justiça comum. Só no Tribunal de Justiça do Rio, de fevereiro do ano passado a fevereiro deste ano, foram 6,6 mil processos novos. Os números colocam a companhia no 4º lugar do ranking das maiores litigantes da Justiça do estado.

Mas vem dos usuários a maioria das ações envolvendo a Light. São reclamações de cortes de energia, serviços mal prestados ou laudos técnicos parciais. A empresa não revela quanto gasta por ano com processos, mas um estudo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) afirma que as “perdas comerciais” fazem com que as distribuidoras de energia do país deixem de arrecadar R$ 8,1 bilhões por ano. 

Segundo Fabio Amorim da Rocha, superintendente jurídico da Light e presidente da Comissão de Energia da OAB do Rio, só o que a Light perde anualmente é equivalente à produção energética da usina nuclear Angra I, também no Rio, por um ano, e seria suficiente para abastecer todo o estado do Espírito Santo. Além disso, o estado do Rio deixa de arrecadar R$ 320 milhões em encargos e tributos por ano, diz o superintendente. "Se todos pagassem, as contas de energia no Rio poderiam ser até 17% mais baratas."

A recente experiência da criação das Unidades de Polícia Pacificadora nos morros do Rio revelou um dado interessante. Segundo o superintendente da Light, a inadimplência em favelas pacificadas já é de menos de 5%, bem menor do que em regiões de renda mais alta. "Em bairros mais nobres, a inadimplência chega a 15%", diz. "No Morro Dona Marta, até 2009, em um universo de 1.544 famílias, a arrecadação total era de R$ 650 por mês. Hoje, 95,6% das contas são pagas em dia."

Na comparação entre megawatts por hora que deixam de ser cobrados, a Light perde o dobro do que perde a Eletropaulo — concessionária de energia elétrica de São Paulo —, segundo as contas de Fabio Rocha. A companhia paulista tem mais que o dobro de clientes.

Constrangimento ilegal
A disputa começou a preocupar em 1990, com a edição da Lei 8.078, o Código de Defesa do Consumidor. O artigo 22 da lei prevê que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. Seu parágrafo único estabelece a obrigação de as empresas indenizarem os consumidores caso não cumpram suas obrigações.

Para o superintendente jurídico da Light, as empresas, além de terem de arcar com os custos da “perda comercial”, ficaram vulneráveis a interpretações que, na prática, as obrigam a indenizar por danos morais consumidores irregulares, por cortarem o fornecimento de energia tanto de inadimplentes quanto de "gatos". Atento ao problema, que já entupia os tribunais brasileiros, o Congresso editou as Leis 8.987/1995, que trata da prestação de serviços públicos, e 9.427/1996, que criou a Aneel.

A primeira lei estabelece, no artigo 6º, parágrafo 3º, que “não se caracteriza como descontinuidade do serviço” a interrupção por motivo de não pagamento ou de risco à segurança — caso dos gatos. A segunda, no artigo 17, dá às empresas a opção de cortar o fornecimento se a interrupção for comunicada com 15 dias de antecedência.

Mesmo assim, o TJ-RJ continou a favor dos usuários, considerando o fornecimento de energia um serviço essencial. Com isso, quaisquer cortes geravam, no entendimento da corte, constrangimento e dano moral.

Jurisprudência contrária
O tema, controverso em todo o país, ficou sem solução jurídica pacificada até 2004, quando o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência. No julgamento do Recurso Especial 363.943, impetrado pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), a 1ª Seção do STJ pacificou que o corte do fornecimento de energia é legal. Seguindo a jurisprudência do STJ, no mesmo ano o Tribunal de Justiça do Rio editou a Súmula 83, sedimentando o entendimento também na instância estadual.

Anos depois, em 2010, a Aneel baixou a Resolução 414, criando o Termo de Ocorrência de Inspeção (TOI) no lugar do Termo de Ocorrência de Irregularidade, que vigia desde 2000. O procedimento obriga as concessionárias de energia a inspecionar as áreas onde há indícios de irregularidades e apresentar soluções. Isso quer dizer que o consumidor, antes irregular, terá de regularizar sua situação junto à concessionária. Mais uma vez, o Judiciário foi chamado a intervir.

Segundo Fabio Amorim, a jurisprudência do TJ-RJ tem considerado os TOIs juridicamente nulos. Para a corte, trata-se de um laudo técnico parcial, feito pela parte interessada no pagamento das faturas. A conclusão ficou sedimentada pelo Enunciado 51 do tribunal, de 2011. Diz o texto que "o Termo de Ocorrência de Irregularidade, emanado de concessionária, não ostenta o atributo da presunção de legitimidade, ainda que subscrito pelo usuário".

Os desembargadores costumam exigir a apresentação de um laudo imparcial, feito por terceiro desinteressado. E, nos casos em que se discute o laudo TOI, a Light leva o caso à instância superior. O entendimento de Fabio Amorim é da necessidade de uma lei específica para tratar de termos de irregularidade, como foi feito com o corte de energia.

Indústria do dano moral
Uma possível indústria do dano moral envolvendo questões como essa já chamou a atenção do Judiciário fluminense. O Ato Executivo 4885/2011, do TJ-RJ, criou um grupo de trabalho para detectar ações idênticas assinadas pelos mesmos advogados. O resultado foi a prisão de nove advogados e um estagiário, acusados de formar um esquema para impetrar ações pedindo indenização por danos morais com procurações falsas.

Segundo Fábio Amorim, muitos advogados chegavam a oferecer serviços nas filas das agências da Light, procurando consumidores que pretendiam discutir suas dívidas ou tentar acordos para parcelá-las. "Eles convenciam as pessoas a entrar na Justiça", diz. O TJ identificou milhares de ações iguais, assinadas pelos mesmos dez advogados.

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