Cezar Peluso, o juiz

A mais longa trajetória de um magistrado brasileiro

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14 de abril de 2012, 9h14

Spacca
Cesar Peluso - SELO - 13/04/2012 [Spacca]A caminho dos 45 anos como magistrado e setenta anos de existência, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Antônio Cezar Peluso deixa o comando da Corte na semana que vem e, no segundo semestre, o mais experiente julgador do país aposenta-se. O tribunal e o Judiciário brasileiro ficam mais pobres.

Na próxima semana, começam as homenagens. Na segunda-feira (16/4), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo lhe outorga sua mais alta condecoração. Na terça-feira (17/4), um jantar será oferecido pelo vice-presidente Michel Temer, em Brasília. Até o fim do ano será publicado livro com os mais importantes votos de Peluso no tribunal, produzido por assessores e ex-assessores do ministro. A revista eletrônica Consultor Jurídico começa a publicar neste domingo (15/4) uma série de textos — entrevistas, depoimentos e artigos — para mostrar o significado da passagem de Peluso pelo STF.

Nas entrevistas, feitas pelo professor de jornalismo e colunista deste site, Carlos Costa, o ministro Peluso faz revelações inéditas sobre seus nove anos no Supremo. Ele fala do papel decisivo do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns na sua nomeação. Outra informação inédita mostra sua participação, até então desconhecida, na demissão do delegado Paulo Lacerda do comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Dirigindo-se a Lula e ao general Jorge Félix, Peluso afirmou que a única alternativa possível diante dos abusos policiais verificados no auge da operação satiagraha era repetir o general Ernesto Geisel que, diante das insubordinações do ministro do Exército, Sílvio Frota, demitiu-o sumariamente. O encontro no Palácio do Planalto ocorreu pela manhã. À tarde, o secretário da Presidência, Gilberto Carvalho, telefonou para comunicar que Lacerda fora afastado da Abin.

Na entrevista, que será publicada em quatro blocos, a partir deste domingo (15/4), Cezar Peluso manifesta sua preocupação com um Supremo Tribunal Federal que se alinhe cada vez mais com a opinião pública — e menos com os direitos e garantias fundamentais. Fala sobre o Mensalão e do medo dos seus colegas dos ataques da imprensa.

Narra sua experiência como juiz de Família, sua ligação íntima com a fé cristã e de lembranças fortes de seu itinerário, como a rebelião do presídio do Hipódromo, em 1979, quando se conseguiu evitar um desfecho que caminhava para ser algo parecido com o que sucederia anos mais tarde no Carandiru.

Em um paralelo com a ação do Conselho Nacional de Justiça de hoje, o ministro relembra sua ação rigorosa quando atuou na Corregedoria da Justiça paulista e as muitas condenações contra colegas que infringiram as normas da magistratura. “Nunca fizemos escarcéu com esses casos. Não jogamos para a plateia ou para a mídia”, comenta. “Agora vêm me dizer que eu sou corporativista? Tenha a santa paciência! Isso é conversa fiada”, desabafa.

Dono de convicções pessoais sólidas e profundas, Peluso, como juiz, raramente permite que sua opinião pessoal interfira nos temas julgados. Assim, se por um lado foi muitas vezes ácido em relação ao Conselho Nacional de Justiça, que presidiu concomitantemente com o Supremo, foi ele quem, ainda no nascedouro do CNJ, o defendeu numa histórica decisão da ADI 3.367. Nesse documento (de abril de 2005) revelador de uma densa cultura jurídica, Cezar Peluso, no papel de relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), se posicionou a favor do Conselho, encerrando uma longa polêmica ao declarar a constitucionalidade da criação do órgão, com a composição e funções que o constituinte derivado lhe deu. Chega a ser irônico que ele seja acusado hoje de ser contrário ao CNJ. “Não sei se o consegui sempre, mas minha postura permanente foi e é de não permitir que opiniões puramente pessoais, isto é, onde são abstraídos seus aspectos jurídicos, interferissem nos meus julgamentos”, diz.

Sua forte ligação com a igreja tampouco costuma transbordar para seus votos. “Minhas convicções religiosas jamais influíram em minhas sentenças, votos ou acórdãos, e lembro minha posição no caso das células-tronco embrionárias, em que tomei posição absolutamente contrária à da Igreja”, reitera.

O ministro se situa confortavelmente no trecho do arco chamado "conservador", mas no STF seus votos são sistematicamente vanguardistas — principalmente nas questões que envolvem direitos fundamentais e garantias individuais. A essa afirmação ele responde: “Não sei se pertenço, ou não, a ‘arco conservador’, mas orgulho-me de ser vigoroso defensor dos direitos humanos e das garantias individuais, que são características de um Estado liberal que se vão diluindo, infelizmente, no curso do tempo, em favor de uma visão de defesa dos chamados ‘interesses da sociedade’, concebida esta como entidade vazia, onde parece não haver lugar para pessoas humanas que a integrem e constituam. Lopez de Oñate, talvez um dos mais jovens e iluminados jusfilósofos italianos, morto muito cedo, dizia (e costumo citá-lo sempre): ‘Salvar a sociedade sem salvar as pessoas é salvar coisa nenhuma’”.

Leia, a partir de amanhã, a primeira parte desta grande reportagem.

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