Visão social

Boa-fé em pagar dívidas mantém arrendatário em imóvel

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13 de abril de 2012, 7h51

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve decisão que negou à Caixa Econômica Federal a reintegração de posse de uma área localizada em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Os desembargadores entenderam que os sucessores do arrendatário da área residencial, que cometeu suicídio, simplesmente não tiveram condições de arcar com as taxas de condomínio, diante do momento difícil pelo qual passam.

Tal como o juízo de origem, se convenceram que os contratos do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), instituído pela Lei 10.188/2001, são de cunho eminentemente social e se destinam a auxiliar pessoas de baixa renda a adquirirem sua casa. Para os magistrados, retirá-los do imóvel neste momento seria negar o caráter social deste tipo de contrato, ainda mais que estes conseguiram reconhecimento da Justiça estadual para que o seguro quite as obrigações do arrendamento. A decisão é do dia 3 de abril.

A Caixa ajuizou Ação de Reintegração de Posse, com pedido de liminar, contra a Sucessão de Mauro Aires Rodrigues e Cleusa Maria Delgado Carpes Rodrigues, referente a dívidas não adimplidas desde a assinatura do contrato de arrendamento residencial. Disse que fez as notificações de praxe, alertando-os para os riscos da rescisão contratual, execução do débito e necessidade de devolução do imóvel. Na fase de instrução, a CEF foi consultada sobre o interesse em fazer um acordo com os sucessores dos arrendatários, descartando a possibilidade.

Os sucessores foram intimados e apresentaram sua defesa. Argumentaram que deixaram de pagar as obrigações em face do suicídio de Mauro Rodrigues, bem como da lesão sofrida por Cleusa, ao ser atingida por uma bala disparada pelo marido. Afirmaram que após a tragédia familiar a mulher ficou impossibilitada de trabalhar, diante das sequelas do tiro, recebendo uma minguada pensão de R$ 197,46 do Estado do Rio Grande do Sul. Por fim, sustentaram que, por haver seguro, a morte e a invalidez permanente dos arrendatários promoveu a quitação das obrigações decorrentes do contrato de arrendamento. Por isso, não se poderia falar em esbulho sucessório, ou seja, invasão de imóvel alheio.

Nos lances processuais que antecederam a decisão de primeiro grau, os sucessores afirmaram que buscaram a cobertura securitária. Como a Caixa Seguros não se manifestou, os sucessores ingressaram na Justiça estadual. A CEF, de outra parte, reiterou que as dívidas não se restringem às parcelas e obrigações do contrato de arrendamento, mas também das taxas de condomínio. E que só cogitaria em fazer um acordo após a quitação deste débito.

O juiz federal em regime de mutirão Narciso Leandro Xavier Baez, ao proferir a sentença, lembrou que a CEF, em momento algum, contestou o direito dos sucessores à quitação das parcelas relativas ao seguro. E que a Justiça, em primeiro grau, julgou procedente a demanda ajuizada pelo espólio, determinando à CEF a quitação do contrato de arrendamento residencial. As taxas de arrendamento, portanto, se encontram cobertas pelo seguro pactuado entre as partes, conforme cláusula sétima do contrato — logo, inexiste inadimplemento.

Com relação às taxas de condomínio, destacou que os sucessores propuseram a quitação da dívida com o saldo do PIS do falecido, o que não foi aceito pela Caixa, com a justificativa de que o valor seria insuficiente. Para o magistrado, embora haja previsão contratual no sentido de que o não-pagamento das taxas condominiais também possa ensejar o vencimento antecipado do contrato e a reintegração de posse [cláusula sétima], verifica-se que o valor destas em relação ao total do imóvel, que será quitado pelo seguro, é irrisório. O juiz entendeu que não houve descaso dos autores com o pagamento, já que buscaram efetuar parte deste por meio do saldo do PIS, o que evitaria o despejo de Cleusa e de seu filho.

‘‘Como explanado longa e belamente pela CEF em sua inicial, os contratos do PAR são de cunho eminentemente social, destinam-se a auxiliar pessoas de baixa renda a adquirirem um imóvel para residir e acabar com o grave problema de moradia destas. É totalmente contrária aos fins sociais afirmados pela autora a negativa insistente desta em não efetuar nenhuma acordo com os requeridos, mesmo após várias investidas do Juízo e mesmo sabendo da tragédia que se abateu sobre a família e que desestruturaria qualquer pessoa’’, acrescentou o julgador.

Assim, levando em conta a inexistência de inadimplemento das taxas de arrendamento, bem como a desconsideração da cláusula que estabelece a reintegração em caos de não-pagamento das taxas de condomínio, e o caráter social do contrato firmado, o juiz federal Leandro Xavier Baez indeferiu o pedido de reintegração de posse. Nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, extinguiu o processo com julgamento de mérito.

Visão social reconhecida
Derrotada, a CEF interpôs Apelação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável pelo julgamento, em nível de recurso, das demandas da casa própria com linhas federais de financiamento. Perante a 4ª Turma, alegou ter havido esbulho possessório. Afinal, o seguro cobre apenas as obrigações com as parcelas de arrendamento, e não com as taxas condominiais, comprometendo o Fundo como um todo.

O relator do recurso, desembargador federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, concordou integralmente com a primeira instância. Ressaltou que, embora vivendo em dificuldades, os sucessores tentaram por várias vezes fazer um acordo, sem sucesso. ‘‘Dessa forma, comprovada a ausência de má-fé da parte apelada (a viúva e seu filho) e enquadrando-se o feito nos termos e objetivos sociais do PAR, tenho que deva ser mantida a sentença por seus próprios fundamentos’’, afirmou o desembargador Aurvalle.

A Apelação também foi negada, por unanimidade, pelo desembargador Jorge Antônio Maurique e pelo juiz federal convocado João Pedro Gebran Neto.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

 

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