Assinatura pós-morte

Fraude em contrato gera disputa pela CTIS Tecnologia

Autor

13 de abril de 2012, 7h38

Um tio que se apropriou da milionária herança de seus sobrinhos ou uma família que resolveu pegar carona no sucesso de um empresário? Com traços hollywoodianos, tramita há oito anos nos tribunais uma disputa entre familiares pela gigante CTIS Tecnologia, que em 2010 teve faturamento de R$ 722 milhões e exibe em sua carteira de clientes nomes como Infraero, Petrobrás e o Superior Tribunal de Justiça — para onde seguem agora, inclusive, sete recursos.

A disputa, que começou judicialmente em 2004, diz respeito ao possível direito dos herdeiros e da viúva de Elias Alves da Rocha, uma das 99 vítimas do acidente do vôo 402 da TAM, no qual um avião Fokker 100 caiu logo após decolar, no Aeroporto Internacional de Congonhas, em São Paulo. Rocha, que morreu a caminho do Rio de Janeiro, era sócio fundador das empresas CTIS Empreendimentos (H & B Incorporadora de Imóveis) e CTIS Informática e Sistemas.

A ele pertenciam 50% de cada uma das companhias. A outra metade era de seu concunhado, Avaldir da Silva Oliveira — cuja mulher é irmã da viúva de Rocha. Na abertura do inventário do empresário, porém, foram exibidos documentos nos quais ele vendia a sua parte das empresas ao seu sócio e concunhado. Anos depois, porém, comprovou-se, na Justiça, que tais documentos foram fraudados, tendo sido forjados depois da morte do empresário.

A legitimidade da venda das cotas da empresa foi questionada pela viúva e pelos dois herdeiros, que ingressaram com ações (uma relativa a cada empresa) cobrando do cunhado e tio a participação em 50% do valor da empresa e a anulação de todas as alterações contratuais da companhia feitas após o acidente que matou o chefe da família, uma vez que tal contrato seria falso e deveria ser anulado.

A análise da documentação demonstrou que houve falsificação de assinaturas, que os documentos mesclavam papéis de origens e datas diferentes e que, apesar de constar na papelada que Elias Rocha havia cedido R$ 18 mil em cotas ao sócio Avaldir, foi verificado na Declaração de Imposto de Renda de Rocha que ele havia apenas adquirido mais R$ 22,5 mil em cotas de capital de um ex-sócio da empresa.

Após afirmar que a especialista apontada pela Justiça “analisou com profundidade todos os documentos necessários, inferindo com absoluta segurança a respeito da falsificação documental”, a sentença de primeira instância mantida por desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal deu a razão à família do morto.

A decisão dá à viúva e aos herdeiros, representados pelo advogado Paulo Roque Khouri, o direito à apuração de haveres relativa à participação de Rocha, que representa 50% de todo o valor da CTIS Informática, principal empresa do grupo. Segundo a família, o valor corresponde, atualmente, a mais de R$ 1 bilhão, informação que não é confirmada pela companhia. Também foi decidido que todas as alterações contratuais realizadas desde o acidente que matou o empresário, bem como atos de alienação de bens da sociedade, são nulas e não produzem qualquer efeito.

Versão contestada
O acórdão da 6ª Turma Cível do TJ-DF, datado de fevereiro de 2011, cuja relatora é a desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, diz que a defesa de Avaldir Oliveira concentra-se em afirmar que as alterações falsificadas refletem “apenas aspectos formais de uma negociação que efetivamente existiu entre Elias e os demais sócios das empresas”. A desembargadora aponta que a defesa aduz, ainda, que “mesmo que se reconhecesse eventual falsidade de assinaturas nas ditas alterações contratuais, não restariam para os autores haveres a serem apurados, face à precariedade das finanças das empresas à época em que ocorreram as alterações societárias inquinadas de falsidade”.

O atual dono da CTIS sustenta que a viúva e seus filhos, em Termo de Reconhecimento e Compromisso assinado em 1997, assumiram a obrigação de transferir para o sócio as quotas sociais pertencentes ao falecido. Porém, tal decisão foi feita, segundo o voto da relatora, para reconhecer a transferência aparentemente concretizada pelo empresário morto, apresentada no documento fraudado.

A defesa de Avaldir Oliveira pediu também, em recurso, o reconhecimento da litigância de má-fé dos familiares de Elias Rocha, “por deduzirem pretensão contra fato incontroverso e por alterarem a verdade dos fatos, alterando o pedido deduzido na inicial”, pois, a princípio, haviam pedido as cotas da empresa à época da morte de seu sócio, mas, depois, mudaram o pedido para a apuração de bens no trânsito em julgado da ação.

A defesa do atual dono da empresa juntou jurisprudência que mostra o não acolhimento de recursos que mudam o que é pedido na inicial. Ela alega que “o provimento judicial está adstrito não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial”.

Negócios em família
Em dado momento, porém, a defesa de Avaldir Oliveira, mudou de rumo. O sócio acusado de fraudar os documentos passou a admitir que a falsificação foi realmente feita, mas acusou a família do morto de participar de toda a trama. Segundo ele, a viúva e os herdeiros sabiam da falsificação e toparam participar do esquema para que as companhias, à época deficitárias, não atravancassem, com suas dívidas trabalhistas e fiscais, o andamento do inventário. 

Balancetes de outubro de 1996, quando o empresário morreu, obtidos pela ConJur, mostram que a empresa CTIS Informática e Sistemas acumulava prejuízos, com patrimônio líquido negativo de R$ 372 mil, e que a CTIS Empreendimentos também não estava saudável, com patrimônio líquido negativo de R$ 28,5 mil.

A participação da viúva na fraude é confirmada em outra ação, julgada pela 1ª Turma Cível do TJ-DF em maio de 2011, na qual foram ouvidos Dário Franco Filho e João Tibúrcio, irmãos da viúva — e obviamente tios dos herdeiros. Apesar de o artigo 405 do Código de Processo Civil impedir que parentes de até terceiro grau deponham como testemunhas, o tribunal entendeu que ambos poderiam ser ouvidos como informantes, ressaltando que “o suposto negócio jurídico ocorreu em família, e o conhecimento de seus detalhes ficou restrito ao âmbito familiar”.

Segundo o voto do desembargador Sandoval Oliveira, relator no caso, “restou comprovado, por todos os depoimentos prestados, que os réus tinham pleno conhecimento da fraude que seria efetivada em relação à transferência das quotas sociais do sócio Elias, em data retroativa à sua morte, para que não houvesse interferência nos bens do inventário, tendo em vista que as empresas estavam passando por dificuldades financeiras, com dívidas trabalhistas e tributárias.”

O advogado de Avaldir Oliveira e diretor executivo da CTIS, Alexandre Rocha Pinheiro, alega também que causa estranhamento que a cobrança judicial só tenha começado depois que o empresário pagou a seus sobrinhos o valor de R$ 1,412 milhão pela aquisição do nome CTIS, que passaria a ser sua exclusiva propriedade. O valor foi pago com uma entrada de R$ 250 mil e dez parcelas de R$ 116,2 mil.

Sem resposta
Atualmente, sete recursos rumam ao STJ,  dos quais alguns já foram inadmitidos pelo juízo de admissibilidade da presidência do TJ-DF e seguem como Agravo de Instrumento, todos por parte de Avaldir Oliveira. Se ficar comprovada a tese defendida pelo atual dono da CTIS, a decisão dos ministros do STJ vai ser difícil, uma vez que, em tese, as duas partes participaram da fraude e tanto a anulação como a não anulação do contrato privilegiariam um dos envolvidos.

Como no Direito há o princípio de que ninguém pode alegar a própria torpeza, ou seja, ninguém pode ter um benefício por ter agido errado, qualquer uma das decisões privilegiaria uma das partes que, segundo a defesa de Oliveira, estaria envolvida no esquema.

O advogado da família do morto diz que essa tese não pode ser levada em conta, uma vez que, mesmo se for comprovada a tese apontada pela defesa do atual proprietário da CTIS, apenas a viúva teria participado do conluio e seus filhos não poderiam ser privados de seus direitos. Por ser fruto de fraude, o contrato seria totalmente nulo. Os tios que deram depoimentos à Justiça, diz Paulo Roque Khoury, não têm qualquer contato com a família.

Já o advogado da CTIS diz acreditar que não haverá qualquer benefício para seu cliente com a possível manutenção do contrato, pois ele não teria utilizado qualquer instrumento para obter vantagem com o contrato em discussão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!