Desvio de foco

Deputados discutiram pontos menos importantes sobre a Copa

Autor

  • Jorge Luís Azevedo Nunes

    é advogado membro do núcleo de negócios em Direito Desportivo do MBAF Consultores e Advogados S/S. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito.

12 de abril de 2012, 10h00

Na noite da quarta-feira, dia 28 de março, foi aprovado o Projeto de Lei Geral da Copa (PL 2330/2011). Após aproximadamente seis meses de discussão, foram necessárias duas sessões extraordinárias para que o projeto fosse aprovado, havendo a inclusão de seis destaques e sessenta e seis emendas ao texto original. O projeto já foi enviado para apreciação do Senado.

No texto do projeto aprovado constam os mais variados temas, que norteiam a organização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e da Copa das Confederações de 2013. Temas como preços dos ingressos, férias escolares no período da Copa do Mundo, feriados em dias de jogos da seleção do Brasil, autorização do uso de aeroportos militares para embarque e desembarque de passageiros e cargas, flexibilização da emissão e concessão de vistos de entrada no período da Copa do Mundo, a criação de áreas de restrição comercial, nas quais apenas pessoas autorizadas pela FIFA poderiam realizar comércio e propaganda, ressalvando os estabelecimentos comerciais que já estavam funcionando regularmente nestas áreas, entre outros.

Contudo, de todos estes temas, três em especial estão gerando bastante polêmica e são apontados como responsáveis pelo atraso na tramitação do Projeto: a extensão da responsabilidade civil do Estado Brasileiro por danos resultantes de incidentes ou acidentes de segurança relacionados ao evento, a obrigatoriedade ou não de disponibilização de meia-entrada nos jogos e, principalmente, a liberação ou não de bebidas alcoólicas nos jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo.

Em relação à Responsabilidade Civil do Estado brasileiro, a Fédération Internationale de Football Association (FIFA), entidade organizadora do evento, quer que o Brasil arque com prejuízos oriundos de qualquer tipo de acidente ou incidente, incluindo situações como desastres naturais. Contudo, no texto do Projeto de Lei aprovado, consta que o País apenas será responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de sua “ação ou omissão” ou problemas de segurança, desde que a Fifa não tenha concorrido para essa situação.

O segundo ponto considerado polêmico é o da meia-entrada nos jogos da Copa do Mundo. O projeto de lei estabelece quatro categorias de ingressos, sendo que a categoria 01 é a mais cara e a categoria 04, conhecida como “cota social”, é a que possui os ingressos mais baratos. Os ingressos da categoria 04 custarão em torno de US$ 50,00(cinquenta dólares).

Estes ingressos da categoria 04 serão vendidos pela metade do valor para estudantes, idosos e beneficiários de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. No entanto, apenas os idosos teriam direito à meia-entrada em outras categorias que não a categoria 04, posto que o projeto de lei afasta a incidência de legislações estaduais e municipais que confiram qualquer benefício de meia-entrada ou gratuidade, mas não o Estatuto do Idoso, por tratar-se de legislação federal. Nos jogos da Seleção Brasileira, 10% dos ingressos serão reservados à Categoria 04.

A polêmica reside justamente na não concessão de meia-entrada para os estudantes em todas as categorias de ingresso, que constava no texto original do projeto. O Governo Brasileiro tinha o interesse de garantir a meia-entrada. Contudo, a FIFA foi intransigente na contrariedade à meia-entrada para os estudantes. Assim, a solução encontrada para solucionar esta divergência, segundo o relator do Projeto, Vicente Cândido (PT-SP), foi a concessão de meia-entrada para os estudantes apenas na categoria 04, para se tentar agradar tanto a FIFA quanto aos estudantes.

Porém, a polêmica pode não se encerrar, posto que está em tramitação o Projeto de Lei que criaria o Estatuto da Juventude. Este Estatuto, entre outras coisas, garantirá o direito à meia-entrada aos estudantes em todo o território nacional e, por tratar-se de uma Lei Federal, este direito deverá ser estendido aos eventos da FIFA.

Os dois temas anteriormente apontados causaram uma grande celeuma na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e foram bastante debatidos por juristas e pela imprensa especializada. Todavia, nenhum dos temas constantes no texto da futura Lei Geral da Copa foi tão discutido e gerou tanta polêmica quanto o da venda de bebidas alcoólicas nos estádios.

A venda e o consumo de bebidas alcoólicas em estádios no Brasil estão proibidos desde o ano de 2008 por uma decisão conjunta assinada pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e o Conselho Nacional de Procuradores – Gerais de Justiça do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG).

O próprio Estatuto do Torcedor, mais especificamente no inciso II do artigo 13-A, veta o ingresso e a permanência em estádios e ginásios de "bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência". Contrariando esta proibição, o artigo 67 do texto original do Projeto de Lei previa a suspensão do artigo 13-A do Estatuto do Torcedor.

A possibilidade de venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014 gerou grande celeuma, tanto é que este ponto do projeto foi votado em separado na Câmara dos Deputados, através de votação nominal.

O relator do projeto chegou a apresentar redação que previa expressamente a venda de bebidas alcoólicas. Contudo, mediante pressão de membros da oposição e até mesmo da bancada aliada, voltou atrás, mantendo o texto original do artigo 67 do Projeto de Lei.

O texto original do artigo 67 tinha a resistência de deputados das bancadas evangélica e da saúde, principalmente de membros de partidos como o PSDB, PPS, PV e PSC. Por esta razão, foram apresentados dois destaques ao texto original, sendo que um tentava evitar a suspensão do artigo 13A do Estatuto do Torcedor e o outro proibia explicitamente o comércio nos estádios durante o Mundial. Ambos foram derrotados, sendo mantido o texto original.

É sabido que uma cervejaria é uma das principais patrocinadores dos eventos da FIFA, especialmente da Copa do Mundo. Por esta razão, os Deputados contrários à liberação da venda de bebidas alcoólicas, a maioria de partidos da oposição, argumentam que o Governo Brasileiro está cedendo a pressão da patrocinadora e da FIFA para a liberação. Argumentam, ainda, que a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios brasileiros diminuiu a violência, citando pesquisas que comprovariam tais fatos. A liberação, que seria apenas para atender a interesses comerciais, impediria a criação de uma cultura de não se beber em estádios que está começando a ser criada no país.

Já os defensores da liberação argumentam que foi assumido um compromisso com a FIFA, sendo que em todas as Copas do Mundo houve consumo de bebidas alcoólicas e que haverá até no mundial do Catar, onde o álcool é proibido. Além disso, o relator do projeto declarou que “não podemos achar que proibir a bebida alcoólica nos estádios durante a Copa será a panaceia que vai resolver todos os males em relação ao consumo de bebida”.

No entanto, apesar de meses de discussões acerca da liberação ou não de bebidas nas Copas das Confederações e na Copa do Mundo, jamais houve um debate pormenorizado, apontando dados estatísticos sobre se a proibição de bebidas alcoólicas nos estádios do Brasil diminui a violência ou se a liberação das bebidas em copas anteriores gerou atos violentos. Perdeu-se uma grande oportunidade de realização de um debate qualificado sobre as causas da violência em jogos de futebol.

Polêmicas na aprovação das legislações locais que regem a Copa do Mundo ocorreram em todos os países que a realizaram recentemente. Na África do Sul, o ponto que gerou maiores discussões foi o da criação das chamadas “áreas de restrição comercial”, sendo adotada solução semelhante ao do Projeto de Lei brasileiro. Na Alemanha, a maior celeuma também teve relação com a comercialização de bebidas alcoólicas, só que lá a discordância era com a exclusividade da patrocinadora do evento. Com forte tradição na fabricação de cervejas, os alemães queriam que todas as sedes pudessem comercializar as suas cervejas regionais. No entanto, a exclusividade foi mantida, tendo algumas sedes conseguido comercializar cervejas locais através de decisões judiciais.

No entanto, no Brasil, houve um exagero. Muito se polemizou sobre alguns pontos, mas não houve uma discussão técnica qualificada na Câmara dos Deputados sobre qualquer dos temas. A longa tramitação da PL 2330/2011 até a sua aprovação desviou o foco de temas realmente importantes relacionados à Copa do Mundo, como a situação precária dos aeroportos, a utilização de dinheiro público nas obras dos Estádios, o superfaturamento destas obras e, principalmente, sobre o legado que a realização da Copa do Mundo deixará ao país.

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    é advogado membro do núcleo de negócios em Direito Desportivo do MBAF Consultores e Advogados S/S. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito.

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