Eleições MP-SP

Integrantes questionam forma de escolha do chefe do MP

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9 de abril de 2012, 13h46

Depois da nomeação do procurador de Justiça Márcio Elias Rosa para comandar o Ministério Público do Estado de São Paulo, publicada na quinta-feira (5/4) no Diário Oficial, promotores e procuradores de Justiça começam a questionar o modo de escolha do titular da função. O Executivo estadual, usando de prerrogativa que lhe é conferida por lei, nomeou o segundo mais votado na eleição interna — e não o primeiro, como era aguardado pelos integrantes do MP.

Elias Rosa toma posse administrativa às 14 horas desta segunda-feira (9/4), perante o Órgão Especial do MP-SP. A cerimônia será seguida pela posse dos promotores substitutos. A posse solene ainda não foi agendada.

Como é de praxe em todas as renovações do cargo, o MP realizou, no dia 24 de março, uma eleição, na qual votam compulsoriamente promotores e procuradores, para a formação de uma lista tríplice. O resultado é enviado ao governador do estado. Dessa vez, Geraldo Alckmin nomeou Elias Rosa para a chefia do Ministério Público paulista. 

Embora a tendência seja o chefe do Executivo ratificar o primeiro lugar na lista tríplice, a movimentação dos promotores e procuradores de direcionar a escolha do Executivo não rendeu frutos neste ano, provocando descontentamento com o sistema. Para fazer com que a eleição tenha papel central na escolha, membros do MP pedem alteração na legislação. Projeto já existe.

Autor do Blog do Promotor, o promotor Saad Mazloum, que atua na Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da capital, disse não entender a escolha do governador, “já que o próprio Alckmin disse que os três candidatos têm currículos excelentes”. “O governador aguardou a véspera da Sexta Feira da Paixão para nomear o Elias Rosa”, reclama.

Às vésperas da nomeação, Locke Cavalcanti deu indicações de que pudesse conceder auxílio-alimentação para a classe. Caso o benefício fosse pago a todos os procuradores e promotores, o Ministério Público paulista teria de desembolsar mais R$ 80 milhões em valores nominais, que chegariam a R$ 105 milhões, após correção.

Mazloum refutou o interesse dos eleitores pelo tíquete. “Nós não queremos auxílio-alimentação. O mais votado era o que tinha um programa de gestão mais direcionado para o promotor. Hoje, a burocracia atrapalha”, explicou. “Lamento a nomeação do segundo colocado para o cargo de procurador-geral de Justiça, muito embora respeite as prerrogativas constitucionais do senhor governador de São Paulo”, disse. 

Em seu blog, Mazloum escreveu: “É uma enorme bobagem essa história de ‘auxílio-alimentação’, justificativa esfarrapada utilizada para preterir o candidato vencedor das eleições, sabido que tal gratificação não carece de lei a ser aprovada pela Assembleia Legislativa e por ninguém menos que ele mesmo, o governador do estado”.

Os comentários dos leitores da página demonstram o descontentamento de parte dos procuradores e promotores. “A verdade é que nós nos acomodamos com a tradição da nomeação do mais votado e nada temos feito para mudar esse absurdo que é o direito do governador de escolher o PGJ, bem como do presidente de escolher o PGR. O MP nunca vai ser independente para fiscalizar o Poder Executivo enquanto a regra do jogo for ridícula como essa”, escreveu o promotor Luciano Coutinho, que atua em Jaú.

Já o promotor Tomás Ramadan entende que “a nomeação do doutor Márcio não é menos legítima”. “Sugiro mais reflexão sobre o nosso pleito. Não é porque a lista é tríplice que o voto deve ser múltiplo”, disse, em referência ao modo como a lista é formada.

Para o promotor Avelino Grota, que atua em Ribeirão Preto, “todos os candidatos, quando se dispuseram a concorrer, sabiam perfeitamente das regras do jogo — aliás, absolutamente democráticas, porque subordinam os interesses individuais dos promotores e procuradores ao escrutínio do interesse público, representado pelo governador eleito pelos cidadãos de São Paulo”.

“Já o pretenso desprezo à vontade da maioria da classe, com todo o respeito a seu entendimento, parece-me que não ocorreu — já que a classe entendeu que os três mereceriam integrar a lista tríplice, uma vez que não se entusiasmou em apresentar outros candidatos”, diz. De acordo com ele “não há recado das urnas, porque somente poderá concorrer ao segundo turno quem passar pelo primeiro”.

Concorriam ao cargo três candidatos. O novo procurador-geral de Justiça do Estado havia sido o segundo colocado, com 838 votos. Em primeiro, ficou Felipe Locke Cavalcanti, com 894 votos. Mário Papaterra ficou em terceiro, com 445 votos. Cada eleitor podia votar em até três nomes. Entre os eleitores que decidiram votar em apenas um nome, Elias Rosa teve 641 votos, contra os 528 votos a favor de Felipe Locke e 127 a Mário Papaterra.

A escolha do segundo colocado não é inédita no Ministério Público de São Paulo. Em 1996, o então governador Mario Covas escolheu o segundo na lista tríplice: Luiz Antonio Marrey. Na época, o procurador José Emmanuel Burle Filho havia vencido a eleição interna no MP.

Votos nos três
Diferentemente dos promotores, a entidades de classe procuram amenizar a escolha do segundo colocado na votação do órgão. Nenhuma delas quis falar sobre a existência de um racha interno em virtude da indicação de Elias Rosa, embora o descontentamento seja visível.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), logo após a votação da lista tríplice, enviou ofício ao governo do estado pedindo a nomeação de Felipe Locke. “A Conamp, balizada pela missão constitucional de velar pelo regime democrático, inclusive dentro da instituição, assumiu o compromisso histórico de defender a nomeação do mais votado na lista tríplice para o cargo de procurador-geral de Justiça”, dizia o documento.

No sábado (8/4), a Conamp se limitou a se pronunciar por meio de nota assinada pelo presidente da entidade, César Mattar Jr. “Aliada a Associação Paulista do MP, a Conamp, respeitando a faculdade constitucional atribuída ao governador do Estado e a capacidade de todos os candidatos ao cargo, requereu ao chefe do executivo estadual a nomeação do primeiro da lista”, declarou.

“Lamentamos que tal não tenha ocorrido, da forma como recorrente em vários estados da federação. Desejamos, contudo, sorte na empreitada ao PGJ nomeado, augurando que ele consiga unir as correntes políticas do maior Ministério Público do país, em torno dos valores clamados pela classe e dos princípios que sempre balizaram a atuação dos membro do MP e da instituição", diz.

Dois dias antes das eleições, em 22 de março, a Associação Paulista do Ministério Público (APMP) promoveu um debate entre os três candidatos no próprio MP paulista, na rua Riachuelo. Em conversa com a ConJur, o presidente da instituição, Washington Epaminondas Medeiros Barra apenas lamentou que a escolha da maior parte dos eleitores não tenha sido observada pelo governador. “Represento uma instituição que tem membros que votaram nos três sentidos, por isso só posso fazer essa declaração”, frisou.

Críticas à burocracia
Como publicou a ConJur, em série sobre as eleições, Locke Cavalcanti e Papaterra criticam a gestão atual do MP paulista, que qualificaram como “burocratizada”.

“O Ministério Público de São Paulo não tem participado das grandes questões nacionais”, criticou Locke Cavalcanti. Para ele, isso é prejudicial, já que ausência do MP na mídia diminui a interação entre o órgão e a sociedade.

Seu programa de gestão tinha cinco metas principais: estrutura física básica que permitisse o adequado atendimento à população, aprimoramento dos concursos para funções auxiliares e estagiários, desburocratização das rotinas de trabalho que impedem o exercício pleno da atividade fim, melhor estrutura de carreira, com a colocação em concurso de vários cargos na capital e interior e maior presença junto à sociedade, mídia e órgãos do Executivo e do Legislativo.

Para Papaterra, "o Ministério Público perdeu o protagonismo e o espaço externo por conta de uma política de ensimesmamento. Ele está voltado para dentro”, argumentou, em entrevista.

“Há um ato que regulamenta o atendimento público. O promotor precisa preencher uma ficha para dizer o que aconteceu naquela ocasião. Isso é absolutamente sem sentido. O bom promotor atende o público andando, na fila, conversando. Não precisa preencher ficha. Nós temos uma série de atos que torna difícil a vida do promotor”, disse, criticando o “engessamento” da atividade.

Em entrevista concedida à ConJur, por email, Elias Rosa prometeu “uma gestão que não privilegia a atuação midiática, mas presta contas, garante absoluta transparência de seus atos e respeita a todos os membros e servidores do Ministério Público de São Paulo”.

O novo procurador-geral de Justiça garantiu que “serão implementadas inovações que valorizem as Promotorias e Procuradorias de Justiça, idealizadas formas de atuação que garantam a concretização de direitos sociais e o aperfeiçoamento da relevante atuação criminal”.

Mudança na lei
Como é prerrogativa constitucional do governador do estado nomear o ocupante do cargo de procurador-geral de Justiça, apenas uma proposta de emenda à Constituição é capaz de conferir poder taxativo à votação interna do Ministério Público.

É o que pretende a PEC 31, de 2009, que dá nova redação ao parágrafo 3º do artigo 128 da Constituição, para dispor que os procuradores-gerais dos estados e do Distrito Federal sejam escolhidos pelos integrantes dos respectivos Ministérios Públicos.

O autor da proposta, o senador Expedito Júnior, justificou a iniciativa lembrando que “o Ministério Público representa, no modelo constitucional inaugurado em 1988, instituição fundamental, com uma independência funcional e uma autonomia administrativa sem precedentes na história brasileira”.

“Acreditamos que a melhor solução seria afastar qualquer possibilidade de escolha por parte dos governantes de estado, os quais deveriam limitar-se a proceder à nomeação do concorrente mais votado nas eleições que hoje resultam na formação da lista tríplice”, argumenta.

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