Lei draconiana

Justiça dos EUA reavalia prisão perpétua para menores

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7 de abril de 2012, 8h52

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Quando tinha menos de 14 anos, o afro-americano Kuntrell Jackson foi vítima de uma lei que a Suprema Corte dos Estados Unidos considera, hoje, "draconiana" e quer reformular. Ele foi sentenciado à prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional, quando poderia ter sido condenado, se considerado culpado, a alguns anos de prisão, no máximo. A lei estabelece que essa sentença é compulsória — isto é, deve ser aplicada automaticamente, quando menores de idade são condenados por crimes graves, como assassinatos, assaltos à mão armada e estupros. 

Kuntrell caminhava pela calçada, em uma cidade de Arkansas, em companhia de dois amigos, também adolescentes e afro-americanos, que decidiram entrar em uma loja de vídeo. Kuntrell ficou do lado de fora, até que percebeu que alguma coisa séria estava ocorrendo dentro da loja e resolveu entrar. Nesse momento, uma funcionária da loja ameaçava chamar a Polícia porque os adolescentes teriam tentado roubar um vídeo. O adolescente mais velho sacou uma arma e matou a funcionária. 

No Tribunal do Júri, tudo que os jurados têm de fazer é decidir se o menor é culpado ou não — isso, sem serem informados das consequências da condenação. Se o veredito for "culpado", o processo subsequente, o de estabelecer a pena, não chega a acontecer, porque a pena já está prescrita pela lei: prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional. No caso, nem os jurados, nem o juiz podem intervir no processo, para examinar, por exemplo, a qualificação do crime ou a existência de fatores atenuantes. 

Foi isso que aconteceu com Kuntrell e outros 78 menores que estão cumprindo pena de prisão perpétua, atualmente, por crimes que cometeram antes de completar 14 anos. E cerca de 2.589 menores de 18 anos estão na mesma situação. Leis semelhantes existem, segundo a Wikipédia, na Argentina, Austrália, Cuba, Antígua e Barbuda, Belize, Brunei, Domínica, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Sri Lanka. Mas apenas os Estados Unidos teriam, no momento, prisioneiros que cometeram crimes quando tinham menos de 14 anos de idade. Quase dois terços são "crianças" negras e as restantes, brancas. A maioria foi envolvida em crimes cometidos por adolescentes mais velhos ou por adultos e não têm advogados, diz o site da Equal Justice Initiative

Muitos juízes reclamam dessa lei, nos Estados Unidos, por dois motivos. Um deles é o de que ele não dá uma oportunidade aos jurados ou aos juízes de qualificar o crime ou avaliar fatores atenuantes que poderiam mudar radicalmente a sentença, como, por exemplo, a de que eles mereceriam uma pena mais branda por causa de sua tenra idade ou por não terem antecedentes criminais. O outro é o de que, de certa forma, o poder de sentenciar é transferido, indiretamente, aos promotores públicos. Isso porque, uma vez que eles conseguem convencer o júri da culpa do menor, eles obtêm, automaticamente, a pena de prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional. 

Os ministros da Suprema Corte, bem como professores universitários, apresentaram suas razões para tentar colocar limites constitucionais a essa lei. No entanto, foi um leitor do The New York Times que, na seção de comentários, explicou melhor as razões, com exemplos: "Menores de 21 anos não podem consumir bebidas alcoólicas neste país; menores de 18 não podem votar; menores de 16 não podem dirigir; menores de 12 não podem caçar, em alguns estados; Menores de 16 não são legalmente capazes de dar consentimento sexual. Tudo porque se aceita, de uma maneira geral, que, nessa idade, eles não são suficiente responsáveis e maduros e sua capacidade de discernimento ainda não está desenvolvida. Mas, nos esquecemos dessa lógica, quando um menor de 14 anos é considerado culpado por um crime". 

Entretanto, a decisão dos ministros da Suprema Corte não deverá ser unânime. As indicações, pelas declarações dos nove ministros, são de que essa situação poderá mudar, dentro de algum tempo, por 5 a 4 votos — os três ministros "liberais" a favor, três dos quatro ministros "conservadores" contra, e o voto de minerva, a favor, do ministro conservador Anthony Kennedy. Em 2010, a Suprema Corte decidiu, graças ao voto de minerva do ministro Kennedy, que a sentença de prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional, para qualquer crime que não fosse o de homicídio em primeiro grau, viola a 8ª Emenda à Constituição, que bane a punição "cruel e incomum". 

Por isso, a Suprema Corte vai rever dois casos de uma vez: o de Kuntrell Jackson, de Arkansas, e o de Evan Miller, do Alabama. Com menos de 14 anos, Evan Miller fugiu de casa, porque era espancado pelos pais. Ele e outro adolescente, de 16 anos, foram morar em um trailer, com um adulto que, uma noite, lhes deu bebidas alcoólicas e drogas. Sob o efeito dessas substâncias, os adolescentes atearam fogo no trailer, o que resultou na morte do adulto, por inalação de fumaça. Evan Miller foi condenado por homicídio doloso e sentenciado à prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional.

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