Agrado aos eleitores

Câmara aprova leis sem analisar constitucionalidade

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7 de abril de 2012, 9h48

O Judiciário tem feito o papel de vilão ao declarar inconstitucionais as leis feitas pelo Legislativo, muitas vezes, com base no clamor popular. Em 2011, 3.268 projetos de lei foram apresentados na Câmara dos Deputados, o que significa 5,5 projetos para cada um dos parlamentares ativos (81 senadores e 513 deputados). A casa aprovou, no mesmo ano, 337 projetos de lei que classificou como aptos para serem somados aos códigos vigentes no país.

Pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, que tem a função de analisar a constitucionalidade dos projetos de lei, passaram 376 dessas propostas. Todas aprovadas. A comissão tem seguido o caminho apontado por aqueles que dependem de votos (e apresentam 3.268 projetos em um ano), aprovando 100% do que chega para sua análise.

Das 1.174 ações questionando a constitucionalidade de leis que foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal, de 1988 a janeiro de 2012 (cerca de 50 por ano), 83% foram consideradas inconstitucionais. Se somadas àquelas que não foram conhecidas pela corte (não chegaram a ser analisadas), o total de leis questionadas no STF passa para 4.665. A maior parte vem da esfera estadual, o que pode ser comprovado pela origem de tais ações: 23,9% das ADIs são oriundas de governadores estaduais. Isso, porém, não torna menor o problema das leis criadas no Congresso.

Na esfera federal, “o calor da irracionalidade prevalece na hora de aprovar uma legislação”, nas palavras do ex-presidente da CCJ da Câmara, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que esteve à frente da comissão em 2011. O político afirma que a análise é feita, muitas vezes, com base em pressões de aliados ou por suas bases eleitorais.

Segundo Cunha, há uma cobrança demasiada para que deputados apresentem projetos. Em um momento que ele classifica como “conservador e deseducador”, 1.500 propostas de emenda à Constituição tramitam no Congresso. “Qualquer acidente que aconteça no Brasil, por uma coisa singular, vira três ou quatro projetos de lei”, diz o deputado. Ele deu como exemplo o acidente com um Jet Ski que matou uma criança no litoral paulista em fevereiro.

O processo legislativo movido pela pressão popular, segundo o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, faz com que projetos de lei desrespeitem claramente a Constituição por serem focados apenas no aspecto político em vez de técnico. A CCJ, por exemplo, que deveria ser um filtro de análise dos projetos sob o ângulo constitucional, relega a parte técnica. Para saber o que é levado em conta no momento da análise, brinca Marco Aurélio, “só colocando os deputados e senadores em um divã”.

Muitos políticos, afirma o ministro, apostam na morosidade da Justiça para analisar a inconstitucionalidade das leis para se beneficiarem no contexto político em que a lei é aprovada. “Depois, quando o projeto chega ao STF e é declarado inconstitucional, acabam colocando panos quentes, para não haver uma conseqüência social mais drástica, [contra aquele que criou a lei inconstitucional]”. Ele diz que, para não beneficiar quem aposta na morosidade da Justiça, é contrário a modular decisões do STF, declarando sempre que uma lei inconstitucional é inconstitucional desde a sua criação.

O papel de algoz, complementa o ministro, é o preço módico a ser pago para viver na Democracia. “Para nós, o que tem valor maior não é conveniência política, mas a Constituição Federal, da qual somos guardiões.”

A diferença de entendimentos entre Judiciário e Legislativo, porém, não se dá somente pelo fator político que movimenta as decisões de parlamentares, diz Flávio Dino, que tem vivência nas duas esferas. Deputado federal, de 2007 a 2011, e juiz convocado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 2004 e 2005, Dino diz que há uma zona cinzenta “em que tudo é razoável”, ou seja, são possíveis diferentes interpretações sobre a constitucionalidade da mesma lei.

Segundo ele, figura nos tribunais um “ativismo judicial” que pode ser responsabilizado pelas divergências entre as duas esferas. “Crescentemente, o STF e os juízes vêm exercendo papel mais ativo na interpretação da lei. Ampliam intervenção do Judiciário em temas políticos econômicos e sociais, fazendo com que muitas questões sejam interpretadas de modo diferente”, diz o ex-deputado.

Para exemplificar seu ponto de vista, Dino usa a questão da pesquisa com células-tronco embrionárias. “O Congresso discutiu durante anos a questão, mas muitos ministros do Supremo, por motivos até religiosos, consideraram que isso seria inconstitucional”, diz o advogado. Segundo ele, a zona de transição entre constitucionalidade clara e inconstitucionalidade clara serve como campo para o jogo de aprovações e negações entre Congresso e Supremo.

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