Entre a lei e o verso

Ayres Britto será o primeiro sergipano à frente do STF

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4 de abril de 2012, 7h00

“Em tudo que faço, já não faço questão de ser reconhecido. O que eu faço questão é de me reconhecer”. É com foco nesse curto verso — um entre tantos que cunha com frequência inimaginável — que o ministro Ayres Britto tomará posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal no próximo dia 19 de abril. Reconhecido por brincar com as palavras em conversas, nos muitos livros e em seus votos, a ascensão do ministro à direção do tribunal marcará também uma importante mudança na gestão.

Entusiasta do Conselho Nacional de Justiça, Britto deve dar mais espaço à corregedora nacional Eliana Calmon, cujas divergências com o atual presidente, ministro Cezar Peluso, são públicas. O novo presidente também deve deixar marcas de um relacionamento mais próximo com a imprensa e com entidades de representação classista e social, como a Ordem dos Advogados do Brasil, entidade que já visitou, e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que tem no ministro um de seus principais expoentes.

Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, nascido em Propriá, cidade da região do Baixo São Francisco sergipano, assume a direção da corte constitucional brasileira na mesma data em que o atual titular do posto, ministro Cezar Peluso, completa dois anos à frente do Supremo Tribunal Federal. Britto é vice-presidente na gestão que iniciou em abril de 2010 sob o comando de Peluso. O ministro integra o Supremo há nove anos, quando foi indicado por Lula ainda no primeiro mandato de seu governo. Em agosto de 2010, depois de sete anos integrando a 1ª Turma do Supremo, transferiu-se para a 2ª Turma.

Ayres Britto será o primeiro sergipano da história a ocupar a Presidência da mais alta corte de Justiça do país. Foi o quinto ministro do estado na Corte, mas o primeiro a sair diretamente de Sergipe. Os demais eram radicados em outras unidades da federação. Seu mandato, no entanto, será curto, uma vez que se aposenta compulsoriamente em 18 de novembro, quando completa 70 anos. Às vesperas de assumir a Presidência do Supremo e a sete meses da aposentadoria, o ministro, contudo, não engrossa o coro dos que defendem a chamada PEC da Bengala, que estende para 75 anos o limite etário para permanência ativa no serviço público. “Chega um tempo em que o cargo quer nos ver pelas costas”, justifica.

Embora breve, a passagem de Britto pela Presidência da corte não estará entre as mais curtas da história do tribunal. O recorde é do ministro Carolino de Leone Ramos, eleito em 25 de fevereiro de 1931 e morto em 29 de março daquele ano. Foram apenas 23 dias. A segunda gestão mais breve foi a do ministro Gonçalves de Oliveira, presidente por 38 dias. A terceira, de Aldir Passarinho, por 39 dias.

A posse de Britto abre a série de alterações que ocorrerão no Supremo Tribunal Federal neste ano. Em 8 de maio, o ministro Ricardo Lewandowski assume a Presidência da 2ª Turma, que Cezar Peluso também passa a integrar, substituindo Britto. Então, em 3 de setembro, Peluso deixa o tribunal ao completar 70 anos. Em novembro, é a vez de Ayres Britto, já na condição de presidente, despedir-se da corte e, dessa forma, manter a tradição de passar o bastão ao ministro de maior tempo de casa que ainda não ocupou a Presidência. Será a vez de Joaquim Barbosa presidir o STF. Joaquim Barbosa abriu mão de presidir a 2ª Turma do tribunal em razão de problemas de saúde.

Marcas históricas
Em sua quase década na condição de membro da Corte Suprema brasileira, Britto foi relator de ações que geraram intensa repercussão junto à opinião pública, algumas delas decisões ainda recentes, como a que legalizou a pesquisa científica com células-tronco no Brasil e a que a envolvia a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Foi com a relatoria da ação que tratou do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, entretanto, que Britto pode ressaltar ainda mais sua reputação como a de um juiz ocupado das questões essenciais envolvendo a dignidade do ser humano e das causas de apelo social, papel que demonstra desempenhar com satisfação.

Ayres Britto também marcou história no tribunal ao relatar a primeira condenação criminal de um parlamentar pelo STF. Em maio de 2010, o tribunal condenou a dois anos e dois meses de prisão o deputado federal José Gerardo Arruda (PMDB-CE) por desvio de finalidade de recursos federais. Outra decisão recente sua, de ampla repercussão, foi a suspensão da norma que proibia piadas com candidatos políticos durante período eleitoral. Em decisão monocrática submetida depois ao Plenário, Britto consolidou o entendimento de que uma “imprensa plenamente livre” tem o humor como forma de exercê-la, “sobretudo no plano crítico”.

Para discursar na solenidade que marca o início de sua gestão no comando do Judiciário nacional, o ministro convidou o colega Celso de Mello. E fez questão de ressaltar que o convite não foi feito pelo simples fato de que Celso é o decano do tribunal, mas sim pela admiração, inclusive nas divergências, que não foram poucas. Das sete transições presidenciais ocorridas no Supremo neste século 21, Celso de Mello fez as honras da Casa para cinco empossandos: Marco Aurélio, Ellen Grace, Gilmar Mendes e Cezar Peluso.

A posse de Britto já havia sido decidida em reunião administrativa em fevereiro, sendo oficializada em sessão ordinária ocorrida no dia 14 deste mês. Na corte e fora dela, Ayres Britto cultiva a reputação de humanista, literato e boa praça, por vezes referido como “jurista e poeta”. Além de obras de conteúdo jurídico, o ministro tem alguns volumes com poemas publicados e procura editora para um original inédito, com o título de “DNAlma”.

Saboreia trocadilhos e inversões semânticas. Não se priva delas mesmo em Plenário. “Há quem chegue às maiores alturas para fazer as maiores baixezas” (sobre corrupção); “Quem se empenha em fazer sucessor, quer suceder a ele (sobre o marketing político do presidente Lula); “O aparelho genital de cada pessoa é um plus, um superávit de uma vida (…) Corresponde a um ganho, um bônus, um regalo da natureza” (no julgamento da união estável entre homossexuais). É ainda membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e da Academia Sergipana de Letras.

No plano da atuação como magistrado, o ministro é dos que pensam que cabe também ao Judiciário não só interferir, mas estabelecer políticas públicas. Para ele, esta é “uma das mais novas e importantes fronteiras a se abrir no âmbito do Direito Constitucional”. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, sua gestão foi marcada pelo aumento no número de mandatos de políticos cassados e por multar duas vezes o então presidente Lula por propaganda eleitoral antecipada.

Depois de ser o ministro-relator de casos de forte impacto junto à opinião pública, como o da união estável homoafetiva, o ministro teve reforçada a imagem de um jurista humanista e sensível ao drama humano, perfil que provavelmente não deixará de intensificar à frente do STF. Nos dias que antecedem sua posse, Britto fez questão de demonstrar que pretende manter um franco canal de relacionamento com a mídia. Esta semana, ele visitou a direção das Organizações Globo e já tem programadas visitas às direções da Editora abril e da Folha de S.Paulo.

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe em 1966, obteve, pela PUC de São Paulo, o título de mestre em Direito do Estado (1982) e o doutoramento em Direito Constitucional (1988). Já em 1967, passou a exercer a advocacia, alternado a prática, em alguns períodos de sua vida profissional, com os cargos públicos, como os de consultor-geral do estado do Sergipe (1975-1979), procurador-geral de Justiça (1983-1984), procurador do Tribunal de Contas (1978 a 1990) e chefe do Departamento Jurídico do Conselho de Desenvolvimento Econômico, todos em seu estado natal. Dedicou-se também à docência universitária, tendo lecionado em faculdades de Direito de São Paulo, Brasília e Sergipe.

A experiência diária em política, Justiça e na academia forjaram o próximo presidente do Supremo. Muitos apenas lamentam que Britto demorou a chegar ao comando da Corte, já que não terá tempo nem mesmo de exercer os dois anos de comando do tribunal. Mas, como diz o próprio ministro, o tempo sabe das coisas. Citando Eduardo Couture, Britto costuma repetir: “O tempo se vinga das coisas feitas sem a colaboração dele”.

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