Justiça Tributária

Reforma tributária não é só reduzir impostos

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

2 de abril de 2012, 14h38

Spacca
A presidente Dilma já reconheceu a necessidade de uma reforma tributária e anunciou que pretende reduzir impostos. Ótimo! É isso que todos queremos e tais mudanças são urgentes. Redução de impostos em vários casos se faz com uma canetada. Para reduzir o IPI, por exemplo, não há necessidade de consulta ao Congresso, bastando simples portaria ministerial. O imposto de importação também. Mas reforma tributária não é só reduzir este ou aquele imposto. Trata-se de dar novas regras a todo o sistema tributário, corrigindo os defeitos que nele hoje encontramos.

Em todas as pesquisas já feitas sobre a questão tributária constata-se que os três maiores problemas são: a) carga tributária elevada; b) burocracia excessiva; e c) insegurança jurídica inclusive nas questões já julgadas.

Claro está que uma redução em todos os impostos ainda que seja viável pode gerar injustiças e criar problemas especialmente para os municípios e mesmo para os estados. Tal questão — carga tributária — deve levar em conta o quadro atual de arrecadação, onde se verifica que a União recebe quase 60% dos impostos, ficando cerca de 25% com os Estados e mais ou menos 15% com os municípios. A arrecadação deve ser proporcional às necessidades de cada entre tributante. A União arrecada mais porque tem a seu cargo um volume maior de responsabilidades.

Apesar disso, na prática verifica-se que Estados e Municípios dependem cada vez mais do repasse de verbas federais para fazer funcionar os serviços que lhes estão afetos. Cortar impostos no nível federal é realmente fundamental e fica evidente que já passou da hora de fundir o IPI com o ICMS, transformando-se num IVA de competência estadual. Ou seja: é necessário acabar com o IPI, o que implicaria em tirar cerca de 20 bilhões de reais da receita federal ou um pouco menos, se considerarmos de quase metade do IPI é distribuído entre estados e municípios.

A lei de responsabilidade fiscal deve também ser revista, para criminalizar o uso indevido de verbas públicas, com mais rigor. Por exemplo: recentemente discutia-se proibição de custeio público de bandas musicais cujo repertório contivesse músicas pornográficas. Parece-nos que essa não é a questão. Deve-se, pura e simplesmente, proibir que dinheiro público, que falta na saúde, na educação, na segurança, etc., seja utilizado em festas ditas populares, onde o povo se dedica quase sempre a bebedeiras e coisas piores.

Se a festa é folclórica, que a comunidade cuide de festejar com a ajuda da população. Se é religiosa, que a igreja arrecade recursos junto aos fiéis. Dinheiro público que vem de impostos só pode ser usado no que estiver no orçamento. E este não pode desviá-lo para o que não seja de interesse de todos, mediante aprovação pelo legislativo. Neste momento da nossa história, a reforma tributária é fundamental. Nosso sistema está ruim e cria inúmeros problemas para a economia. Examinando-se os artigos 170 a 181 da Constituição vemos uma boa indicação do caminho a seguir.

No artigo 170 determina-se a valorização do trabalho e da livre iniciativa. Mas é evidente que com uma carga tributária próxima de 40% do PIB, não existe livre iniciativa que sobreviva, pois nada sobra para investir.

Fala-se em desindustrialização , apontando-se a redução da atividade fabril no país. Mas se as pessoas continuam consumindo, em algum lugar o bem consumido está sendo produzido. Ainda recentemente comentamos neste espaço que uma empresa de alimentos resolveu criar nova fabrica no Uruguai, pois os custos diretos e indiretos no Brasil impediriam a lucratividade desejada. Assim, se não houver queda na carga tributária, a reforma anunciada será apenas mais uma boa conversa. Se isso já funcionou no passado, hoje não funciona mais, pois a economia está internacionalizada. Aqueles industriais que insistem em manter fábricas obsoletas enquanto investem nas suas mansões, iates ou jatinhos, não podem continuar sendo subsidiados com taxas protecionistas que protegem agiotas acomodados.

Se a presidente quer mesmo falar em reforma, que mande preparar um bom projeto de racionalização e simplificação de obrigações acessórias, inclusive eliminando exigências descabidas de agências reguladoras que inventam normas novas a cada minuto. Precisamos também de uma estabilidade nas regras do jogo. Não se pode aceitar que decisões judiciais sejam ignoradas por qualquer burocrata. Quando o Judiciário decide de forma reiterada, chegando mesmo a questão a ser decidida pelo STF, não é razoável que a repartição ignore o fato, pois se trata de verdadeiro desprezo.

O ministro Marco Aurélio (STF) em entrevista ao ConJur registrou a perplexidade de todo operador do direito quando se constata a inobservância dos posicionamentos adotados pacificamente pelo Judiciário, afirmando:

“A ausência de respeito às decisões do Supremo revela a quadra do nosso Estado, que talvez não seja, como se diz na nomenclatura, um Estado Democrático de Direito. É inconcebível que o Supremo decida, e decida de forma reiterada, e o Poder Público — gênero, estados, municípios ou a União — ignore a decisão. O que nós precisamos no Brasil é de ética. É de homens, principalmente homens públicos, que observem a ordem jurídica constitucional.”

Vamos esperar que se promova um reforma tributária de verdade. E que ela não sirva apenas para dar cinco minutos de holofote a ilustres figuras das nossas academias que não fazem a mínima idéia do que seja o problema tributário, mais preocupados em dar palestras e promover seus infladíssimos egos.

Autores

  • é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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