Nova Justiça

O Judiciário já não é o mesmo, graças à atuação do CNJ

Autor

  • Pablo Cerdeira

    é advogado e professor de Evolução Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

28 de setembro de 2011, 11h45

Spacca
Hoje é assim. Se alguém quiser fazer uma denúncia contra um juiz ou um desembargador, pode procurar a Corregedoria do tribunal ao qual pertence o magistrado ou o CNJ. Qualquer um dos dois tem competência para julgar o caso. É a chamada competência concorrente. Mas isso pode mudar nesta semana. Pelo menos é o que pretende a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Esta questão já foi debatida ao extremo dentro do CNJ. Tanto que a expressão "competência concorrente" foi incluída no atual Regimento Interno: "Art. 4º Ao Plenário do CNJ compete (…) III — receber as reclamações, e delas conhecer, contra membros ou órgãos do Poder Judiciário (…) sem prejuízo da competência disciplinar e correicional concorrente dos tribunais (…)".

Esse entendimento não surgiu de um lampejo. Após quase quatro anos de sua instauração, o CNJ enfrentou diversos casos em que magistrados já estavam sob julgamento nos tribunais locais. Muitas vezes, ou as punições eram brandas, ou o processo não transcorria com a velocidade que a gravidade dos casos exigida.

Somou-se a isso o julgamento da ADI 3.367 pelo STF, em 2005, que considerou o CNJ constitucional. Nela, os ministros do Supremo deixaram claro que o Conselho precisava existir, inclusive com competência concorrente aos tribunais. As corregedorias locais não seriam eficientes. Disse o Ministro Peluso, atual presidente do STF e do CNJ:
"Entre nós, é coisa notória que os instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição, como já admitiram com louvável sinceridade os próprios magistrados, em conhecido estudo de Maria Tereza Sadek".

Da transcrição dos debates extrai-se, inclusive, a expressão "competência concorrente":
"O sr. ministro Carlos Velloso: Quer dizer, ministro Carlos Britto, que Vossa Excelência acaba entendendo que essas questões [correicionais] devem ser examinadas pelo Conselho [Nacional de Justiça]?
"O sr. ministro Carlos Britto: Concorrentemente, como, aliás, diz a Emenda [45/2004]"
.

Mas isso pode ser modificado agora, no julgamento da ADI 4.638. Pelo menos é o que pretende a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Novamente.

Novamente porque foi também a AMB quem propôs a ADI 3.367 citada acima, pretendendo que o CNJ fosse considerado inconstitucional. A ADI é nova, mas a tese é velha.

Agora, a pretexto de questionar a Resolução 135 do Conselho, que estabeleceu regras comuns para os processos disciplinares, a AMB alega:
"Com efeito, na parte que toca à competência disciplinar, restringiu-se o legislador constitucional derivado a conferir ao CNJ a competência para, em sede de processo "revisional", rever a decisão proferida pelo Tribunal ao qual estaria vinculado o magistrado punido ou absolvido ou mesmo, na hipótese excepcional do processo de "avocação" do processo disciplinar em curso, aplicar a sanção originariamente quando este não tiver sido julgado pelo tribunal."

Mas a Emenda 45/2004 é claríssima no artigo 103-B da Constituição:
"Art. 103-B.
§ 4º Compete ao Conselho (…)
III — receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, (…), sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;"

Onde estaria a competência "revisional" alegada pela AMB? Seja de uma simples interpretação do texto, seja da interpretação dada pelo STF, a competência do CNJ "não prejudica a competência dos tribunais". Ou seja, são concorrentes.

O Poder Judiciário antes do CNJ era um. Hoje é outro. E graças à atuação do CNJ. Foi através dele que se combateu o nepotismo — depois ampliado pelo STF para toda a administração pública —, que se instituiu o teto salarial, que se definiu metas de produtividade, que se determinou a transparência dos processos disciplinares, que se estabeleceu a obrigatoriedade da divulgação de estatísticas etc. Foi também apenas através do CNJ que diversos casos de corrupção dentro do Judiciário foram punidos. Foram 49 magistrados apenados, sendo 24 com pena máxima. Até a criação do CNJ, punição, especialmente de desembargadores, era algo raríssimo.

É preciso observar. Retirar — ou transformar em subsidiária — a capacidade do CNJ de aplicar penas a magistrados anula sua atuação correicional. Mas não só. Anula também sua atividade normativa. Qual tribunal ou magistrado seguirá normas do CNJ se para os casos de descumprimento não houver qualquer pena?

Transformar o CNJ em órgão revisional seria um retrocesso. Para o Poder Judiciário. Para a sociedade.

Com a Emenda 45 e o CNJ podendo punir atingimos um nível mais alto de cidadania. E nos acostumamos a ele. Com a Emenda 45 e o CNJ começamos a construir uma nova justiça. E uma nova justiça não se faz apenas com mudanças de leis ou melhorias de gestão. Uma nova e melhor justiça se faz, principalmente, com uma nova mentalidade.

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    é advogado e professor de Evolução, Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

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