Expansão geográfica

Bancas americanas enfrentam ceticismo em Hong Kong

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24 de setembro de 2011, 9h25

O mercado jurídico de Hong Kong vive atualmente sua própria versão da corrida do ouro a exemplo do que aconteceu na Califórnia do século XIX. Só que, neste caso, as personagens são as bancas estrangeiras — isto é, americanas e inglesas — que disputam, sem tréguas, o astronômico mercado local de capitais e aquisições. Nesta semana, o sócio Peter Charlton, chefão na Ásia da banca inglesa Clifford Chance, declarou ao site The Asian Lawyer que, apesar da crescente invasão americana, ele acredita que o fenômeno é passageiro. Charlton afirmou que os americanos são ágeis quando resolvem se instalar em outros países, mas são mais rápidos ainda ao irem embora quando “percebem que não estão tendo o retorno esperado”.

A declaração do sócio da base asiática da Clifford Chance não é apenas mera provocação. Os próprios analistas americanos reconhecem a diferença de perfil entre bancas americanas e inglesas quando o assunto é a expansão em jurisdições estrangeiras. A The Asian Lawyer, uma publicação americana, reconheceu que os ingleses têm razão para encontrar conforto na ideia de que seus concorrentes do outro lado do Atlântico são mais sensíveis à instabilidade financeira e à demora em recuperar o investimento. Em crises anteriores, as bancas americanas foram as primeiras a sair.

A publicação lembra que, nos anos que seguiram à crise dos tigres asiáticos de 1997, bancas como Chadbourne & Parke e Gibson Dunn & Crutcher fecharam seus postos em Hong Kong. O mesmo ocorreu em 2002 quando uma recessão seguiu a epidemia de gripe SARS. Foi a vez, então, do Cravath, Swaine & Moore e do Kelley Drye & Warren se despedirem do polo financeiro de Hong Kong.

Hong Kong, um centro administrativo que dispõe de considerável grau de autonomia em relação ao governo chinês, foi colônia britânica até 1997. Apesar de reintegrada à China, a “cidade” tem um sistema legal distinto do resto do país e também conta com moeda própria.

Porém, os americanos voltaram e não parecem dispostos a desistir tão fácil das oportunidades de negócios que surgem no fervilhante mercado local. Com a economia da China também no topo, Hong Kong é um ponto fundamental para qualquer política de expansão geográfica de bancas com ambições globais. Os ingleses e os próprios americanos perguntam se agora será diferente com as bancas americanas.

“Todo o modelo de bancas globais era diferente naquela época. Aquilo aconteceu três vidas atrás”, disse, ao correspondente local da The Asian Lawyer, Joseph Barbeau, sócio responsável pela recém-inaugurada sede da Gibson Dunn & Crutcher, que volta há Hong Kong mais de 10 anos depois de se despedir do mercado local.

Ainda de acordo com Barbeau, a decisão de fechar as portas em 1997 ocorreu mais por conta da necessidade de replanejamento da agenda global da banca do que por conta da crise financeira em si.

Segundo analistas do mercado jurídico no Oriente (muitos deles americanos que vivem na Ásia), a volta das bancas dos EUA a Hong Kong começou, furtivamente, por outras cidades da China. Nos anos 1990, Hong Kong era o único ponto do país capaz de polarizar a atenção das megabancas. Quando a situação no país começou a mudar, muitas das empresas que fecharam em Hong Kong abriram escritórios em Xangai. Contudo, o interesse em ter sedes também Hong Kong permanece porque, atualmente, a cidade é o principal ponto de canalização de capital internacional para a China, dada sua legislação mais flexível e sua economia extremamente liberal.

Gafes culturais
No entanto, a imprensa especializada observa que as bancas americanas lutam para se estabelecer no local, um processo complexo de retorno à cidade que deixaram há 10 anos. A reinserção no mercado não seria tão difícil, observam analistas, se as mesmas tivessem mantido seus postos desde os anos 1990. Parte do problema no novo cenário, são seus concorrentes britânicos, que assistem agora, entre o ceticismo e a cautela, a volta dos norte-americanos a Hong Kong.

A debandada de bancas americanas deixou marcas. Algumas delas, frutos de gafes culturais. De acordo com o recrutador de sócios Carl Hopkins, que opera em Hong Kong para a butique de recrutamento Major, Lindsey & Africa, o mercado local não se importa se as bancas que voltam agora são as mesmas que deixaram o posto há alguns anos. Porém, admite que a forma como “a luz foi apagada” e “a porta, fechada” há mais de 10 anos pode criar dificuldades.

A banca Dewey Ballantine, de Nova York, fechou sua sede em Hong Kong em 2003. No jantar da firma de encerramento de ano, os péssimos resultados financeiros obtidos pela unidade foram parodiados em uma canção chamada “O gong”, considerada pelos colegas em Hong Kong “racialmente insensível” e de mau gosto. Gong é o prato gigante disposto verticalmente, tocado justamente para anunciar a entrada e a saída de alguém.

Na época, o incidente foi amplamente repercutido pela imprensa americana e mais ainda pelos jornais de Hong Kong. Hopkins contou à Anthony Lyn, correspondente da revista mensal The American Lawyer, na China, que embora ninguém ligue para o fato da Dewey Ballantine fechar as portas em 2003, o mercado ainda não esqueceu a piada infame.

A razão de o incidente ser lembrado ainda hoje é que os então sócios da Dewey são considerados os melhores advogados estrangeiros operando na cidade. A banca foi embora, mas os sócios, David Zhang e John Otoshi, ficaram. Foram trabalhar na sede da Latham & Watkins. Finalmente, neste ano, conforme noticiou a Consultor Jurídico, ambos foram recrutados, em agosto, para o dream team da banca Kirkland & Ellis, que tem investido pesado para tomar de assalto o mercado chinês de advocacia.

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