Motivo torpe

Júri condena homem que matou ex-mulher

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23 de setembro de 2011, 12h15

As três mulheres e os quatro homens sorteados para compor o conselho de sentença no júri popular na quinta-feira (22/9), no Fórum de Santos, condenaram um comerciante pelo assassinato a tiros da ex-mulher, que era secretária. O juiz Antonio Álvaro Castello fixou a pena em 14 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, sem o direito de apelar em liberdade. O crime aconteceu na frente da filha caçula do casal. No dia sessão, o réu completou 40 anos de idade.

Os jurados acolheram a tese do promotor Octávio Borba de Vasconcellos Filho, para quem o crime foi duplamente qualificado pelo motivo torpe e pelo emprego de meio que impossibilitou a defesa da vítima (pena de 12 a 30 anos). O advogado Eugênio Malavasi, defensor do comerciante, sustentou que houve um homicídio simples, cuja pena varia de 6 a 20 anos de reclusão. Cabe recurso.

O júri teve início às 9h30 e terminou às 19h50. Apenas duas testemunhas – a menina de 10 anos e a mãe da vítima – depuseram em plenário. Ambas foram indicadas pelo representante do Ministério Público. A criança chorou ao lembrar o crime. O comerciante relacionou cinco testemunhas para serem ouvidas no julgamento, mas desistiu de seus depoimentos com a anuência do promotor.

Diversos familiares e amigos da secretária acompanharam a sessão desde o começo. Boa parte deles vestia camiseta branca estampada com a fotografia da vítima e a palavra Justiça. Na frente do Fórum, foram afixados cartazes também com a foto da vítima e frases com o mesmo teor. O julgamento também atraiu desde as primeiras horas o interesse de estudantes de Direito e da comunidade em geral.

A morte da secretária, de 30 anos, ocorreu na noite de 27 de setembro de 2010. Ela chegava de carro ao prédio onde residia, na Avenida Washington Luiz, 245, na Encruzilhada, quando o réu se aproximou correndo armado com um revólver calibre 38. Após quebrar o vidro do motorista, ele disparou pelo menos três vezes contra a ex-mulher, de quem estava separado havia cerca de sete meses. No banco traseiro estava a filha caçula do casal.

Medo do pai
Além de confirmar em plenário o que já dissera ao depor no inquérito policial e em juízo, ou seja, de que o pai fora o autor da morte da mãe, a menina pediu a sua condenação. Ela disse que teme sofrer algum mal quando ele sair da cadeia. O réu, por sua vez, confessou o crime ao ser interrogado. Ele alegou que a vítima o traíra com um colega de trabalho dela.

O irmão da secretária, que acompanhou o júri desde o começo, ficou indignado com a declaração do ex-cunhado. “A história de traição não é verdadeira. A minha irmã sempre o respeitou. A vida dela era de casa para o trabalho, do trabalho para a faculdade e da faculdade para a casa. Revolta ouvir essa mentira”.

A vítima e o réu se conheceram quando a ela tinha apenas 13 anos, contou a mãe dela em plenário. O casal teve dois filhos. A menina tem 10 anos e o menino 15. Após o homicídio, eles passaram a morar com os avós maternos e guardam sequelas psicológicas do crime cometido pelo pai, segundo o tio deles.

“Os dois fazem tratamento com psicólogos e vivem assustados, cabisbaixos. Ela não dorme sozinha e sempre quer alguém por perto, porque tem medo que o pai venha matá-la. Ele sempre foi um menino alegre, mas está introspectivo. Não sai do quarto, cujas paredes quis pintar de preto”, diz o tio.

Acusação e defesa
Os debates entre Borba e Malavasi contaram com réplica e tréplica. Em busca de uma pena menor para o cliente, o advogado sustentou a tese de homicídio simples, argumentando que ela “não afronta a inteligência dos jurados e nem significa impunidade e liberdade imediata”.

O advogado leu acórdão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo que não considera torpe a conduta de quem mata por não concordar com a separação ou tenta a reconciliação. Ele também disse que a qualificadora do emprego de meio que impossibilitou a defesa da vítima é descabida.

Com base em depoimentos que constam no processo, segundo os quais o réu ameaçava a secretária de morte, Malavasi concluiu que a vítima não poderia ser por ele surpreendida. O representante do MP, no entanto, rebateu citando recente crime de repercussão nacional e outras jurisprudências.

“A juíza Patrícia Acioli, de São Gonçalo (RJ), sabia que era ameaçada de morte por condenar PMs envolvidos em grupos de extermínio. Mas no dia em que foi executada a tiros ao chegar em casa de carro, foi surpreendida pelos seus matadores e não teve como escapar”, afirmou ele.

Outras decisões do TJ-SP e entendimentos de juristas, como a advogada santista Renata Bonavides, autora do livro “Crimes Passionais ou Amor Patológico?”, foram mencionados pelo promotor para justificar a aplicação da qualificadora do motivo torpe no processo sob julgamento.

“O motivo torpe é aquele censurável. Majoritariamente, os nossos tribunais já decidiram que a torpeza ocorre quando o acusado, sentindo-se desprezado pela amada, decide se vingar, matando-a. Se o réu não agiu com torpeza, quando ela ficará caracterizada? Jurados, está se matando muito fácil hoje!”.

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