À margem da lei

STJ derruba mais uma operação por ilegalidades da PF

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17 de setembro de 2011, 14h37

Mais uma operação da Polícia Federal deflagrada com um show de fogos de artifício se transformou em um traque. Por unanimidade, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu anular, na última quinta-feira (15/9), todas as provas colhidas pela PF e pelo Ministério Público na chamada operação Boi Barrica, que investigou negócios do empresário Fernando Sarney e de outras pessoas da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Os ministros consideraram que as quebras dos sigilos bancário, fiscal e telefônico dos investigados, e as escutas telefônicas que se seguiram a elas, foram feitas ao arrepio da lei e da Constituição Federal. Isso impediu que o mérito dos supostos crimes fosse sequer analisado. Com a decisão, já são três as operações espetaculares da Polícia Federal que não passam pelo crivo da legalidade no STJ, em um período de apenas cinco meses.

Em junho, a 5ª Turma do tribunal anulou as provas colhidas na operação Satiagraha. Os ministros entenderam que a participação oculta de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na investigação comandada pelo então delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal pelo PCdoB, foi ilegal. Dois meses antes, a 6ª Turma julgou ilegais as provas da operação Castelo de Areia, por ilegalidades semelhantes às que derrubaram, agora, a ação contra Fernando Sarney.

O STJ não reexamina provas nem entra no mérito do caso concreto, apenas verifica questões de direito. Mas em todos os casos os advogados apresentam evidências para desqualificar as investigações. No caso da Satiagraha, por exemplo, o que se sustenta é que a operação foi conduzida pela iniciativa privada. Tanto Protógenes Queiroz quanto Paulo Lacerda, ex-diretor da Abin, respondem a inquérito por corrupção passiva, interceptação ilegal de telefones e prevaricação.

O que motivou a investigação contra o filho do presidente do Senado foi uma comunicação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre uma movimentação atípica nas contas bancárias de Fernando Sarney e de sua mulher. O Coaf faz notificações sempre que detecta movimentações atípicas acima de R$ 100 mil. No caso do empresário, o Conselho chamou a atenção para uma movimentação de R$ 2 milhões.

Na própria notificação, o Coaf registrou que o fato não caracterizava necessariamente crime, mas que havia a necessidade de apurações complementares sobre a origem do dinheiro. De acordo com a decisão do STJ, a PF e o Ministério Público, diante da comunicação, pediram diretamente a quebra dos sigilos bancários, dados telefônicos e fiscais, sem qualquer fundamentação, exceto a comunicação de movimentação atípica.

Quebra irregular
Em sua decisão que autorizou a quebra dos sigilos, o juiz de primeira instância também não fundamentou os motivos das quebras. Segundo a decisão dos ministros do STJ, ele se limitou a reproduzir os argumentos do Ministério Público e afirmou supor que, com base em sua experiência, a notificação sugeria a ocorrência de crime. E determinou a abertura dos sigilos.

Diversas decisões do STJ e do Supremo Tribunal Federal já pacificaram o entendimento de que a quebra de sigilo tem de ter fortes motivos para ser decretada. Não pode ser o primeiro ato de uma investigação diante de uma denúncia anônima ou da comunicação de um fato estranho. Trocando em miúdos, sem investigações preliminares sobre um possível crime, não é legal quebrar o sigilo de investigados.

Ainda segundo a decisão do STJ, a Polícia Federal fez o pedido de quebra de sigilos cinco meses depois da notificação do Coaf, sem que tenha feito qualquer diligência para apurar mais indícios de crime neste período ou procurado ouvir explicações dos investigados. O MP ratificou o pedido e o juiz concedeu a quebra dos sigilos. Tudo diante da notificação do Coaf.

“A primeira ação de uma investigação não pode ser a quebra de sigilos ficais, bancários e telefônicos. Os sigilos têm proteção constitucional e sua quebra é medida excepcional, que deve ser tomada apenas quando não há outros meios possíveis para investigar um fato”, afirmou à revista Consultor Jurídico um ministro do STJ. E completou: “Ninguém está dizendo que não se pode investigar. A Polícia pode e deve investigar. Mas se a Constituição Federal exige fundamentação para a quebra de sigilos, não podemos aceitar essas quebras como a primeira medida das investigações”.

Ao decidir anular as provas, os ministros do STJ anotaram ainda o fato de a decisão de grampear os investigados, tomada depois da quebra dos sigilos por outro juiz, ter fundamentação idêntica à da que determinou a quebra de sigilos. O segundo juiz copiou até as virgulas da decisão do primeiro, que era baseada exclusivamente na notificação do Coaf.

O pedido de Habeas Corpus que gerou a anulação das provas foi feito por João Odilon Soares, funcionário de uma das empresas da família Sarney e sócio de outra, que também foi investigado pela PF. De acordo com as investigações, as escutas revelaram que Fernando Sarney tinha influência sobre a agenda do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, o que caracterizaria tráfico de influência. Segundo a PF, também foram encontrados indícios de desvio de dinheiro público.

O advogado Eduardo Ferrão, que defende Soares, afirmou que as investigações foram suspensas porque as decisões judiciais não estavam fundamentadas de acordo com os preceitos constitucionais. Logo, violaram a privacidade das partes envolvidas. “A simples comunicação do Coaf não justifica quebra de sigilo”, afirmou. De acordo com Ferrão, foram feitos 18 pedidos de prorrogação de grampo, o que deixou os investigados sob escuta por cerca de 7 meses sem que houvesse prova concreta do crime, o que caracteriza os grampos como invasão de privacidade. Ferrão ainda lembrou que o STJ anulou as provas, mas fez a ressalva de que as investigações teriam que continuar.

Preço dos erros
Os erros em investigações da Policia Federal já começaram render prejuízos à União. Reportagem da Folha de S.Paulo publicada na semana passada revelou que, desde 2007, o governo federal foi condenado a pagar pelo menos R$ 1,6 milhão em indenizações por danos morais ou materiais a pessoas que foram presas por engano, ilegalmente ou que foram submetidas a exposição midiática excessiva pela atuação da PF.

A mesma reportagem revelou que nas dez mais escandalosas operações patrocinadas pelo governo, a PF e o Ministério Público Federal colocaram 841 pessoas no banco dos réus, mas apenas nove (1,1%) foram condenadas definitivamente. Do total, só 55 (6,5%) sofreram algum tipo de condenação — a maioria teve a pena anulada ou recorre em liberdade.

Há vários exemplos de excessos que geraram indenizações. Reportagem da ConJur publicada em abril também mostrou que a Justiça Federal de Santa Catarina condenou a União a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais a um empresário, preso e acusado injustamente de lavagem de dinheiro e associação para o tráfico de drogas em 2006.

Na sentença que condenou a União, o juiz federal Nelson Gustavo Mesquita Ribeiro Alves observou que depois da exposição do acusado na imprensa, o Ministério Público pediu sua absolvição. “Apesar de toda a exposição midiática negativa sofrida pelo autor, o Ministério Público Federal não encontrou elementos probatórios da prática do crime de lavagem de dinheiro e pugnou pela sua absolvição”.

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