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Só não há MP no Tribunal de Contas de São Paulo

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16 de setembro de 2011, 19h20

Em pleno século XXI, após mais de 22 anos da promulgação da Constituição de 1988, as normas constitucionais ainda são frequentemente descumpridas em nosso país. Esse descaso com as leis parece ser quase um traço cultural do Brasil, mas é inconcebível quando o descumprimento parte de órgãos que deveriam dar o exemplo. Refiro-me aos tribunais de contas (TCs) e à obrigatoriedade de contarem com o Ministério Público de Contas (MPC) em sua estrutura.

Até 2007, muitos TCs atuavam com membros “emprestados” dos MPs estaduais. Até que, em agosto daquele ano, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) obrigou os tribunais a criarem, em um prazo de até um ano e meio, leis instituindo a carreira interna nos órgãos, com a realização de concursos públicos.

O prazo terminou em fevereiro de 2009. Depois desse período, de acordo com a resolução, os TCs estariam obrigados a afastar os procuradores cedidos pelos MPs estaduais. O prazo expirou e não houve a implementação da carreira nos tribunais de Alagoas, Amapá, Bahia (TCM) e São Paulo (TCM e TCE). A Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon) denunciou o fato em fevereiro deste ano, alertando que, sem a presença de um membro do MP de Contas, todos os atos e pronunciamentos de controle externo da Administração Pública praticados por esses tribunais poderiam ser considerados nulos.

O Tribunal de Contas de Alagoas havia realizado concurso para preenchimento de sete vagas de procurador, em 2008, mas só nomeou os aprovados recentemente, após decisão judicial. O do Amapá, em situação similar, apenas em junho deste ano nomeou a primeira aprovada no concurso. Os Tribunais de Contas do Estado de São Paulo e dos Municípios da Bahia estão realizando concurso público. Agora, só falta o Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

Nunca é demais lembrar que, nas Cortes de Contas, as competências e processos envolvem matéria de direito público, e a atuação do procurador de Contas como fiscal da lei é indispensável. Em contrariedade aos ditames legais e constitucionais, o TCM/SP é o único que ainda não criou a carreira. Essa atitude pode eivar de nulidade todos os seus pronunciamentos, gerando insegurança e ineficácia de sua produção.

Em 2005, na gestão do conselheiro Antonio Caruso, foi enviado projeto de lei à Câmara Municipal de São Paulo criando a carreira, contudo, tal projeto foi rejeitado e arquivado em fevereiro de 2010. Inobstante ter o TCM/SP, após discussão suscitada pelo conselheiro Maurício Farias, solicitado exame constitucional da matéria pelo setor jurídico, até o momento nenhum resultado foi obtido.

A atuação do MPC tem sido essencial no combate à corrupção e malversação na aplicação de recursos públicos. Apenas para citar alguns exemplos mais recentes, em Roraima, a ação conjunta intitulada Operação Mácula (MPC, MPE, MPF, CGU e PF) detectou esquema de fraudes em licitações da Secretaria Estadual da Saúde, com indícios de operação criminosa há pelo menos 10 anos, estimando-se o desvio de verbas em mais de R$ 30 milhões. No Rio Grande do Sul, o MPC foi o primeiro órgão a investigar o Detran, alvo da Operação Rodin, que apurou o desvio de mais de R$ 44 milhões da autarquia, resultando em ação penal na Justiça Federal, em que foram denunciados ex-presidentes do departamento, um deputado federal e um ex-presidente do TCE/RS.

Apenas o MP de Contas tem legitimidade para atuar junto aos Tribunais de Contas; a organização e a composição das Cortes estaduais e municipais estão sujeitas ao modelo jurídico próprio estabelecido pela Constituição. |Ao examinar vício de inconstitucionalidade em decisão do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia por ausência de membros do MPC, o Supremo Tribunal Federal menciona ser o caso de omissão inconstitucional, mas suspendeu a liminar pelo fato de o presidente do TCM/BA ter adotado medidas para adaptar a Corte ao modelo federal, após aprovação de lei instituidora do MPC pela Assembleia Legislativa baiana, realidade não observada no âmbito do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

A sociedade como um todo precisa e quer combater a impunidade dos maus gestores, mas em São Paulo essa tarefa é prejudicada pela omissão do TCM paulista frente à Constituição Federal. Devido à ausência de procuradores de Contas, os atos do TCM-SP podem ser anulados por qualquer gestor que se sinta contrariado por decisões do colegiado. A responsabilidade é da Corte de Contas, que não providencia a criação e o provimento dos cargos de procurador.

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