Ideias do Milênio

"Nova York não mudou por conta do 11 de setembro"

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16 de setembro de 2011, 12h52

Equipe Milênio/GloboNews
Entrevista de Jonathan Foer, jovem escritor, autor do Extremamente alto e incrivelmente perto, que faz referências ao 11 de setembro, ao jornalista Jorge Pontual para o programa Milênio, da Globo News, transmitido em 5 de setembro. A entrevista faz parte de uma série que marca os 10 anos dos ataques terroristas de 11 de setembro. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30 de terça; 5h30 de quarta; e 7h05 de domingo. Leia, a seguir, a transcrição da entrevista:

Os atentados de 11 de Setembro inspiraram muitos escritores, uma safra de romances ligados de alguma forma ao fato definidor da última década. Pelo menos dois desses autores partiram da imagem dilacerante de um homem que se jogou como muitos do alto de uma das torres em chamas. Fotos consideradas chocantes demais, agora à distância, ajudam a refletir sobre a dimensão humana da tragédia. Foi o que fez o jovem escritor Jonathan Safran Foer, uma das estrelas do novo romance americano do livro Extremamente alto e incrivelmente perto, a história do menino Oskar que perdeu o pai na queda das torres.

Jorge Pontual — Você estava em Nova York durante os atentados de 11 de setembro? O que aconteceu com você?
Jonathan Foer —
Eu estava, sim. Passei uns três meses morando na Espanha e voltei aos EUA no dia 8 ou 7 de setembro. Pouco antes. Na mesma semana. Como de costume depois de uma longa viagem, eu estava bastante ansioso para chegar em casa, tomar café na minha lanchonete favorita, comer comida chinesa no meu restaurante chinês predileto e dormir na minha cama. Naquela manhã, eu tinha dormido até tarde por causa da diferença de fuso horário, de ter acabado de voltar. E um amigo me telefonou dizendo para eu ligar a TV. É incrível como são muito parecidas as histórias sobre aquele dia. Foi sempre alguém que ligou, falando para ligar a TV ou o rádio. Como a maioria das pessoas eu passei o dia vendo TV. Foi o acontecimento mais visto da História. De certa forma, foi o primeiro verdadeiramente global, porque as distâncias, como as conhecemos foram suprimidas. Para alguém no centro de Manhattan, a experiência foi qualitativamente diferente do que para alguém que estava na Islândia. Na época, eu morava no Queens e podia ver a fumaça da minha janela. Mas isso era o único sinal de proximidade com o evento. Minha experiência provavelmente não foi muito diferente da experiência de alguém no Brasil.

Jorge Pontual — E os dias seguintes?
Jonathan Foer —
É difícil lembrar agora a confusão que se instalou. Ninguém sabia bem o que sentir. Lembro que, naquela tarde, eu ia encontrar um colega da época da faculdade, que eu não via há anos. Ao telefone, por volta de 16h, nós dissemos: “A gente ainda vai se ver, ou as pessoas não devem se encontrar hoje?” Nós não sabíamos o que se fazia naquela situação. Nos dias seguintes, eu fui ao centro, e ainda parecia uma zona de guerra: havia escombros, papéis e poeira por toda parte, policiais isolando diversas áreas. Ao sul de Canal Street você não podia passar sem alguns documentos. Na verdade, podia. Não havia barreiras de fato. Acho que eles tentavam dar a impressão de uma barreira. Em toda a cidade, havia cartazes. Na Union Square, no Armory, no Upper East Side… As pessoas ainda não sabiam o que ia acontecer. A pista de patinação no gelo no West Side tinha sido fechada, para que os corpos encontrados fossem levados para lá.

Jorge Pontual — E não havia corpos…
Jonathan Foer —
É. E nenhuma das pessoas dos cartazes foi encontrada. Demorou bastante para aceitarmos a realidade, sem falar do alcance da tragédia, somente do que ela foi, e de como nós deveríamos lidar com ela. Uma das maneiras como isso se manifestou foi na pergunta: “Quando podemos ser engraçados de novo?” Os comediantes fizeram muito essa pergunta. Rudy Giuliani, o prefeito de NY na época, foi ao “Saturday Night Live” e disse: “Ok, podemos ser engraçados de novo.” Ele estava brincando com aquela pergunta. Mas aquela pergunta simbolizava toda uma série de questões: “Como vivemos nessa cidade agora?” “Exatamente como antes?” “A ironia morreu?” Alguns deram a entender que sim. “O capitalismo selvagem morreu?” É claro que, depois de um período tentando resolver essas questões, Nova York voltou a ser o que era. Acho que houve um período de cerca de três meses durante o qual as pessoas estavam realmente diferentes, talvez mais gentis no metrô, provavelmente mais amedrontadas. E então tudo voltou a ser o que era. Não acho que NY hoje seja diferente da NY de antes do 11 de setembro. Não por causa dos atentados. Acho que a cidade mudou em muitos aspectos, mas não acho que foi por causa do 11 de setembro.

Jorge Pontual — Quando você começou os planos de escrever algo sobre o 11 de setembro?
Jonathan Foer —
Eu nunca planejei. Eu faço muitos planos quando escrevo, mas quase nunca os realizo. Não consigo. Nesse caso, eu não pretendia escrever sobre esse assunto. Eu estava escrevendo sobre um menino que experimentava uma espécie de sofrimento e a perda do pai. Há uma versão do livro em que o pai havia morrido do coração. Eu mostrei ao meu irmão caçula, e ele disse: “É a história de um menino cujo pai morre tragicamente, o garoto tem medo de avião, fica inquieto na presença de árabes, tem medo de altura. Me parece que você está escrevendo sobre o 11 de setembro.” Para ser sincero, eu nunca tinha imaginado aquilo, mas ele tinha razão, obviamente. Acho que eu frequentemente escrevo coisas sem saber que estou escrevendo sobre elas. Isso nos oferece uma espécie de autorretrato que não conseguimos em nenhum outro lugar, ou um reflexo que você não vê em nenhum outro lugar. No meu primeiro livro, minha identidade judaica foi que me surpreendeu. Eu não planejei escrever um livro judeu. Na verdade, se você descrevesse para mim meu primeiro livro, Tudo Se Ilumina, eu provavelmente não teria tanto interesse em lê-lo, muito menos em escrevê-lo! Mas eu o escrevi e tive que admitir que algumas coisas eram muito importantes para mim sem eu nunca ter percebido. Inconscientemente, eram importantes. Foi a mesma coisa com Extremamente Alto e Incrivelmente Perto. É claro que o 11 de setembro foi importante para todos em NY, mas acho que eu ainda não havia entendido como aqueles acontecimentos estavam presentes na minha mente, como era impossível ignorá-los.

Jorge Pontual — Quando criou o menino Oskar, você se inspirou em algo da sua própria infância? Eu me identifico bastante com ele. E você?
Jonathan Foer —
Eu acho que ele tem características que as pessoas reconhecem, como a insatisfação com o mundo, uma espécie de insatisfação romântica. Ele quer que tudo seja mais feliz, melhor, mais gentil ou mais justo. E sua curiosidade, a força da sua imaginação… Provavelmente, eu tinha alguns desses traços, mas, se alguém me disser que o Oskar não é um personagem verossímil…

Jorge Pontual — Alguém disse isso?
Jonathan Foer —
As pessoas geralmente dizem: “Uma criança de 9 anos poderia mesmo saber isso?” Isso não é importante para mim. Romances não são o lugar certo para um autor ser tão exato nesse sentido. Podemos ser exatos de outra forma, no sentido da experiência, para dar a sensação de ser verdadeiro, autêntico. Às vezes, para fazer isso, você deve cometer uma série de “erros jornalísticos”. Você deve se afastar de um tipo de verdade para se aproximar de outro. Então, eu queria que o Oskar passasse essa sensação de autenticidade, queria que ele fosse o instrumento de uma experiência autentica para o leitor. Mas isso não significa que você possa encontrar alguém como ele no mundo.

Jorge Pontual — Já que você mencionou o lado jornalístico, o que você achou da cobertura que a mídia fez do 11 de setembro?
Jonathan Foer —
É claro que foi alarmista, e muitas vezes não foi fiel aos fatos. Além disso, não podemos esquecer que os jornais e os telejornais são empresas com fins lucrativos. O que importa para eles é o número de leitores ou telespectadores que eles têm. Então, conscientemente ou não, elas têm motivos muito fortes para fazer com que as pessoas leiam e vejam seus programas. E não há estímulo melhor para isso do que o medo, muito mais do que a curiosidade ou outra emoção positiva. Eu acho que eles apelaram para o medo. Mas até que ponto podemos condená-los? Como eu disse, todo mundo estava confuso. Ninguém sabia bem como reagir. Um jornalista não tem a opção de dizer: “Preciso de uns meses para digerir tudo e depois vou saber o que acho do assunto.”

Jorge Pontual — Só se for para a New Yorker. Se não, é impossível.
Jonathan Foer —
O interessante foi que, quando os artistas começaram a abordar o tema, as pessoas disseram: “Será que é muito cedo?” “É muito cedo para escrever um livro ou para fazer uma escultura sobre o tema?” “É cedo para compor uma música ou uma coreografia sobre o assunto?” Eu não entendo essa pergunta. Não entendo porque pedir isso aos artistas e não aos jornalistas. Jornalistas e artistas fazem coisas muito diferentes. Ou melhor, eles usam meios diferentes para fazer algo parecido: tentar entender como é a vida. Eles têm olhares e ferramentas muito diferentes, o que não significa que eles façam algo diferente no fim das contas. Então, para mim, fazer essa pergunta a um artista é tão sem sentido quanto questionar o NY Times. No dia seguinte, com a manchete “EUA sob ataque”, ninguém perguntou: “É muito cedo?”

Jorge Pontual — Que obras de arte sobre o 11 de setembro você citaria como bons exemplos?
Jonathan Foer —
Não sei se gostei de algo em especial, mas eu não costumo gostar muito de nada. Isso não diz nada sobre… Acho ótimo que as pessoas tentem… Não é “ótimo”, e sim “inevitável”, que as pessoas tentem usar o tema.

Jorge Pontual — Mas você abordou o tema sob um ângulo específico, e outros escritórios e artistas usaram outros ângulos. Você poderia descrever alguns desses olhares sobre o assunto?
Jonathan Foer —
Não acho que tenham tentado adotar um olhar específico. Às vezes, me dizem: “O seu segundo romance trata do 11 de setembro.” Isso não faz sentido. Primeiro, por não ser possível dar conta totalmente de um evento histórico. Não é algo que exija ou mesmo permita uma versão definitiva. Em segundo lugar, eu nunca achei que estivesse escrevendo sobre isso. Eu estava escrevendo sobre os personagens e uma certa situação de sofrimento. É claro que o 11 de setembro era o pano de fundo e que o livro não teria sido o mesmo com um outro pano de fundo. Mas eu nunca me sento escrevendo sobre o 11 de setembro, e sim que estava por trás do que eu escrevia.

Jorge Pontual — Que tipo de pesquisa você fez? Você ouviu os telefonemas das pessoas que estavam nas torres? Conversou com alguma criança que poderia ajudar a construir o personagem?
Jonathan Foer —
Eu não fiz nenhuma pesquisa para o Oskar e seu pai. Com relação aos telefonemas, estavam tão em evidência na mídia que não precisei ir à procura deles. Durante pelo menos um ano depois do 11 de setembro, os meios de comunicação estiveram inundados com informações sobre o acontecimento. Os telefonemas eram veiculados constantemente na TV, o NY Times publicou algumas ligações. Então, eu nunca me senti tendo que procurar algo, e sim tendo que escolher se veria ou não aquilo que era colocado na minha frente.

Jorge Pontual — Fale sobre as escolhas que você fez sobre como o menino lida com os telefonemas das vítimas… Eu não quero adiantar para os leitores o que está no livro, mas como ele lida com o fato de que esses telefonemas foram feitos?
Jonathan Foer —
Como posso falar disso sem ser estraga-prazeres? Como muita gente, ele fica dividido entre dois impulsos na hora de enfrentar algum tipo de dor ou trama: querer se aproximar e se afastar ao máximo do problema. Não sei qual é a porcentagem de engarrafamento causados pelo que chamamos nos EUA de rubbernecking, que é quando há um acidente na estrada, e todo mundo passa olhando, e é quase impossível não olhar. Porque nós queremos. Bom, há muitas razões. Uma delas é que talvez haja em nós um instinto sombrio, um instinto violento, um instinto grotesco que quer testemunhar o acidente, mas não acho que isso explique tudo. Acho que queremos também estar em segurança, e ‘estar em segurança’ também significa conhecer e saber a distância entre nós e o que identificamos como ameaça. Então, em parte, acho que o Oskar quer conhecer essas coisas porque envolve o pai dele e também porque ele quer saber a distância que o separa daquilo. As últimas linhas do livro são: “E então estaremos seguros.” Essa é a obsessão dominante não só dele, mas também nossa, da sua família. Por outro lado, aquilo é tão assustador, tão indescritível e inalcançável que ele, literalmente, se isola do problema. Há conversas com o pai que ele não queria ter, e, depois da morte do pai, que ele não quer ter com a mãe. Há uma certa ironia no título Extremamente Alto…. Essas coisas são muito difíceis de ignorar, mas ele consegue encontrar formas de “tirar o som” e se isolar.

Jorge Pontual — No Brasil, seu livro se chama Extremamente Alto e Incrivelmente Perto. “Alto” serve tanto para sons quanto para prédios.
Jonathan Foer —
Que sorte! Normalmente, as traduções costumam dar um sentido inadequado, mas esse é bom.

Jorge Pontual — Você menciona Hiroshima brevemente. O Oskar fala disso com seus colegas de classe. Além disso, dois personagens são sobreviventes do bombardeio de Dresden. Por que você introduz isso no livro?
Jonathan Foer —
O Oskar é, por natureza, obcecado com esse tipo de evento histórico traumático. Ele é intelectualmente atraído por eles. E isso me pareceu muito natural. Isso nunca foi algo que eu… Ao escrever, há algumas coisas que concebemos antes, e coisas que acontecem porque é o que teria acontecido. Talvez seja a diferença entre a escrita utilizada e escrita que se revela. E foi como se isso tivesse se revelado, é o que o Oskar teria feito. Eu não tentei fazer uma analogia histórica entre três acontecimentos. Eles são totalmente distintos. Não digo que não haja maneiras interessantes de falar sobre eles juntos, como o que acontece quando populações inocentes sofrem as consequências dos atos de seus governantes. Mas isso não é o essencial, e não foi por isso que introduzi o tema no livro.

Jorge Pontual — É um livro sobre a relação entre pai e filho. Eu me identifico bastante com isso no livro. É o que você tinha em mente?
Jonathan Foer —
Na verdade, a maioria dos livros fala sobre pais, mães e filhos. E foi o caso do meu primeiro livro, desse livro agora, e imagino que será assim enquanto eu escrever. É uma espécie de… Para mim, parece tão evidente que é até difícil de explicar. É como dizer: “Por que usar linguagem para escrever um livro?” É assim que os livros são feitos. Com linguagem. Para mim, a ideia de um livro sobre uma família é tão óbvia quanto a ideia de um livro feito com palavras. Talvez para mim a família seja especialmente importante, devido ao forte sentimento de ausência da família, por causa desses ramos que foram cortados da minha árvore genealógica na Segunda Guerra Mundial. Ou devido a essa ênfase à família que é tão forte na cultura judaica. Não tenho certeza.

Jorge Pontual — Há um momento em que o Oskar fica muito triste. É quando ele examina os arquivos de um jornalista e vê que o nome do pai não está lá. Mas o de Mohamed Atta está.
Jonathan Foer —
O pensamento do Oskar é que a bondade deveria ser reconhecida. Mas é claro que o mundo não é assim. O que é reconhecido é o ruído. É o tamanho das suas ações, não a qualidade delas. Essa é uma das formas de… Antes, eu tinha descrito o Oskar como um romântico. Ele se importa com a justiça de forma romântica. E, para ele, a justiça seria seu pai, a pessoa que ele considera a mais incrível da História, ser reconhecido como tal.

Jorge Pontual — Seu livro termina com uma série dramática de 15 fotos de um homem caindo, mas na ordem contrária. É como se o Oskar imaginasse que seu pai iria voltar para ele. Como você chegou a essa ideia?
Jonathan Foer —
É a continuação do que acabo de dizer, que o Oskar tem uma ideia romântica sobre como o mundo deveria ser, e o final é a manifestação mais intensa disso. Como seria o mundo ideal? No mundo ideal, isso não teria acontecido. Então, é um final ambíguo, porque há algo nele que é quase esperançoso… “Redenção” talvez seja a palavra certa. Mas não é um final redentor. Porque nada fará voltar o tempo, nada vai trazer seu pai de volta. E eu acho que, no fim do livro, não sabemos exatamente qual é a situação mental do Oskar: se ele foi encarar o mundo, o mundo real, não o mundo da sua imaginação, do pensamento mágico, e sim o mundo das pessoas, com as quais ele terá que interagir, uma realidade que ele terá que enfrentar; ou se ele está negando a existência desse mundo…

Jorge Pontual — Pode ser pensamento mágico, mas eu acho que é uma cura, mesmo que… Eu acho que não é uma fuga, não sei… Você acha?
Jonathan Foer —
Não acho que ele pense literalmente que isso poderia acontecer.

Jorge Pontual — Mas é uma cura.
Jonathan Foer —
Para mim, é um tipo de… É ao mesmo tempo uma afirmação sobre o poder e a importância da imaginação. De certa forma, é do que trata o livro, é a busca do Oskar. É sua própria imaginação que o salva, mas ela não pode salvar o seu pai.

Jorge Pontual — Obrigado.
Jonathan Foer —
Obrigado a você.

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