Intimidade pública

Biografia de pessoa pública não precisa de autorização

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16 de setembro de 2011, 7h32

A interpretação do Código Civil que permite a celebridades proibir a publicação de suas biografias pode ter bases inconstitucionais. Esse entendimento decorre dos artigos 20 e 21 do texto, que trata do direito à privacidade e da preservação da imagem. Mas, na opinião de especialistas, nada pode se sobrepor ao direito à informação e à liberdade de expressão, mesmo que isso signifique uma possível invasão à intimidade de uma personalidade.

De acordo com o advogado e doutor em Direito Público, Gustavo Binenbojm, a partir do momento em que a vida de uma pessoa sai do âmbito particular e vai para o público, dados de sua biografia também passam a ter interesse público. Esse, para ele, é o principal argumento para acabar com a interpretação vigente do Código Civil. “Quando o biografado faz algo que justifique a quebra de sua privacidade, não se pode mais falar em direito à intimidade”, argumenta.

No "Seminário Propriedade Intelectual em Foco", realizado nesta quinta-feira (15/9) na Universidade de São Paulo (USP), Binenbojm sustentou que, quando uma pessoa tem vida de grande relevância política, social, econômica e cultural, não podem mais ser aplicados os mesmos princípios de privacidade do que os aplicados aos cidadãos anônimos comuns. “Portanto, a autorização prévia [para publicação] é inexigível”, afirma. Ele se baseia no preceito de que a liberdade de expressão é uma garantia democrática, como afirmou o ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento que derrubou a Lei de Imprensa.

Para o professor, a possibilidade de se proibir a publicação de biografias tem efeitos nocivos tanto para o país quanto para o mercado editorial. Se por um lado permite-se que a liberdade de publicação seja tolhida, por outro os próprios autores começam a se sentir desencorajados a pesquisar e escrever. Consequentemente, explica, os escritores passam a barganhar informações com seus biografados, a fim de que seus livros possam ser publicados.

Arroubos totalitários
Já o professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), acredita que, além da questão inconstitucional da lei, o Brasil tem certa “herança cultural maldita”. “Não temos um passado que possa nos orgulhar quando falamos em liberdade de expressão, já houve gente que literalmente apanhou por suas ideias. À exceção do Supremo, o Judiciário brasileiro não tem nada a ver com a liberdade de expressão”, critica.

Ele cita a ONG britânica Artigo 19, ativista dos direitos ao acesso à informação. Segundo a entidade, o principal obstáculo para a liberdade de imprensa no Brasil é o Poder Judiciário, a não ser pelas “decisões acertadas do STF, em favor dos direitos democráticos constitucionais”. Ou, nas palavras do desembargador apostentado Luis Camargo Pinto de Carvalho, do TJ de São Paulo: “O Judiciário brasileiro tem um viés autoritário enorme!”

É essa a mentalidadedos juízes e desembargadores, segundo o professor Sarmento, ao conceder a biografados o direito de censurar um livro. Com isso, conclui, cria-se a possibilidade da censura privada — não é o Estado, ou uma política de governo, mas uma pessoa que se sente ofendida ou constrangida com a veiculação de informações.

Logo, explica, as livrarias e bancas “ficam cheias de biografias edulcorantes, dedicadas exclusivamente a falar bem dos entrevistados”. Sendo assim, o professor resume: “o artigo 20 do Código Civil é inconstitucional, e não vejo outra saída para ele”. 

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