Castigo sem juízo

Ministério do Trabalho atropela combate ao trabalho escravo

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10 de setembro de 2011, 6h21

A recente notícia sobre as condições de trabalho de um grupo de bolivianos que prestavam serviço para uma empresa terceirizada de conhecidas marcas de confecção, reacendeu a discussão sobre as atribuições de quem deve enfrentar o trabalho escravo. O Código Penal, em seu artigo 149 tipifica como crime reduzir alguém a condição análoga a de escravo. O Brasil ratificou as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho, ambas versando sobre a matéria. Essas normas que judicializam o tema acabou também por criar um conflito de competência entre os dois ramos da Justiça no Brasil. 

Como se já não bastasse, o Ministério do Trabalho e Emprego, amparado na Portaria 2/2011 também entrou na luta de boas intenções e passou a incluir empresas que efetuam essa prática em uma “lista suja”, que acarreta sanções administrativas como impossibilidade de obter financiamentos junto ao governo. Para alguns especialistas, mesmo que a atuação do MTE em casos de escravidão fosse legal, haveria falhas na forma como o Ministério conduz o procedimento.

De acordo com a advogada Márcia Pozzelli Hernadez, mestre em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mesquita Barros Advogados, o MTE não pode agir da forma como vem atuando, pois se ampara em uma Portaria, quando somente lei pode determinar o que é crime ou não. Além disso, o procedimento adotado pelo Ministério não age de acordo com as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. “Quando o fiscal entende que ali existe situação análoga à de escravo, ele lavra uma autuação que, se mantida, irá gerar o cadastro na “lista suja”. Ao fim do procedimento administrativo o nome da empresa é inserido sem prévio aviso, ou seja, não é dada oportunidade para a empresa recorrer judicialmente antes da inclusão que, certamente, acarretará danos para a imagem dela”, diz a advogada.

De acordo com a especialista, os agentes do Ministério do Trabalho não podem declarar, nem tampouco impor penalidades decorrentes da existência de suposto crime, pois cabe privativamente à Justiça Criminal fazê-lo, ainda assim respeitados o direito ao contraditório e a ampla defesa, e somente após o trânsito em julgado de eventual ação penal.

A advogada criminalista Camila Mesquita, do escritório Mesquita Pereira Advogados, também vê inconstitucionalidade na Portarias do MTE. “Se a inclusão na lista traz prejuízos para a empresa e é aplicada em caráter de punição, claro que deve abrir espaço para o contraditório e a ampla defesa, de outra forma, estará descumprindo os preceitos constitucionais". Ela ressalta que, entende ser cabível uma atuação conjunta entre o Judiciário e o Executivo.

Camila Mesquita refuta os argumentos daqueles que entendem que, em alguns casos se caracteriza a relação do trabalho – assim devendo ser tratada naquela esfera – por que o trabalhador se propõe àquela situação. “Não importa se ele está por espontânea vontade, a situação é degradante, atenta contra a dignidade humana e o poder público deve agir, até porque, às vezes o que temos é uma aparente espontaneidade, ou seja, embora não seja obrigado, o indivíduo permanece naquela situação porque precisa sobreviver”.

A advogada Márcia Pozzelli argumenta que o Ministério do Trabalho, deve tão somente, quando constatada a situação análoga à de escravidão, acionar o Ministério Público para que este tome as devidas providencias na esfera criminal. “Como se admitir que por meio de simples Portaria, sem o devido processo penal, seja imputada à empresa que contratou serviços de outra empresa, a pecha da prática de crime com conseqüências de toda ordem”, questiona Márcia Pozelli.

Marcia Pozzelli afirma que não vê a competência para atuação em casos análogos ao de escravidão como algo distante do Ministério do Trabalho, isto até poderia ocorrer e ser considerado legal e aceitável, desde que houvesse uma lei assim determinando, não uma portaria.

Mas, mesmo que esta possibilidade se confirmasse, para a especialista, o MTE deveria mudar o procedimento. Uma das maiores falhas do procedimento atual seria que o julgador do processo administrativo, ao concluir pela culpabilidade da empresa, determina a inclusão do nome dela na "lista suja" sem a comunicação do ato, ou seja, a aplicação da pena se dá sem prévio aviso, o que atentaria contra a ampla defesa, explica Márcia Pozzelli.

"Ao decidir pela culpa da empresa, o MTE deveria comunicá-la, até para que ela pudesse recorrer da decisão na Justiça se fosse o caso." afirma Marcia Pozzelli. A advogada traça uma analogia deste caso com o da inclusão de pesoas físicas em órgãos de restrição ao crédito, pois para ela o príncipio é o mesmo. "Qualquer empresa que pretenda incluir o nome de alguém em um cadastro de restrição ao crédito deve antes comunicá-la, isto porque a inclusão indevida nesse tipo de lista pode macular a imagem daquele que foi inserido. A comunicação abre a possibilidade de recurso", disse Marcia Pozelli.

Caso Zara
O MTE investiga a maior varejista de vestuário do mundo, a espanhola Zara, por denúncias de utilização de mão de obra escrava. A investigação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, inspecionou quatro oficinas clandestinas na capital paulista e no interior do Estado no final de junho.  

Segundo o MTE a fiscalização encontrou em oficinas de empresas terceirizadas da Zara, bolivianos que foram contratados ilegalmente. Além disso teria sido constatado trabalho infantil, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16 horas diárias e cerceamento de liberdade.  

A Inditex, dona da Zara e de outras marcas de roupas, afirmou que o caso envolve "terceirização não autorizada" de oficinas de costura por parte de um fornecedor brasileiro da companhia.  

A Inditex confirmou que foram encontrados 16 trabalhadores não regularizados, uma ação que contraria seu código de conduta e que o grupo Inditex repudia absolutamente. Segundo a Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, durante a vistoria, cerca de 20 vítimas foram entrevistadas, mas nenhuma aceitou acolhimento. 

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