Fraude eleitoral

STF condena deputado que trocou laqueaduras por votos

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8 de setembro de 2011, 21h24

stf.jus.br
O deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), acusado de negociar votos em troca de cirurgia para esterilização de mulheres no Pará, foi condenado nesta quinta-feira (8/9) a três anos, um mês e 10 dias de prisão em regime aberto, além de pagamento de multa de R$ 7,5 mil. Apesar de a maioria dos ministros entender que houve prática do crime de esterilização cirúrgica irregular (8 votos contra 1), previsto na Lei de Planejamento Familiar (artigo 15 da Lei 9.263/1996), eles divergiram sobre a aplicação da pena. O relator do caso, ministro Dias Toffoli, queria substituir a pena por pagamento de multa de 100 salários mínimos. No entanto, a maioria dos ministros optou por manter a pena privativa de liberdade devido à gravidade da situação. Ainda cabe recurso da decisão.

A condenação do político, que está em sua sexta legislatura na Câmara dos Deputados, não implicará cassação automática de seu mandato. Alguns ministros chegaram a defender a suspensão da atividade legislativa do deputado enquanto durar a pena, mas a maioria entendeu que apenas o Congresso pode impedir o exercício do mandato.

Os ministros entenderam que, ao STF, só caberá enviar um comunicado à Câmara dos Deputados informado sobre a condenação quando a sentença transitar em julgado.

De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal, o parlamentar ofereceu laqueaduras tubárias a eleitoras quando estava fazendo a pré-campanha para a prefeitura de Marabá, em 2004. Segundo o MPF, embora não aparecesse diretamente nas ações de recrutamento das mulheres, Bentes coordenava toda a ação por meio do escritório do PMDB Mulher. O político ainda teria contado com o auxílio de sua companheira e sua enteada.

Ainda conforme o MPF, as eleitoras teriam sido aliciadas, cadastradas e encaminhadas ao Hospital Santa Terezinha, naquela cidade paraense, onde teriam se submetido à laqueadura tubária, sem a observância das cautelas estabelecidas para o período pré e pós-operatório, tanto no que diz respeito a cuidados médicos quanto àqueles referentes ao planejamento familiar.

Da denúncia consta também que, como o hospital não era credenciado ao SUS para fazer a laqueadura tubária, foram lançados dados falsos nos laudos exigidos para a emissão de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), nos quais constavam intervenções cirúrgicas de outra espécie, para cuja realização o hospital era autorizado pelo SUS. Posteriormente, preenchidos os documentos ideologicamente falsos, o referido hospital teria recebido verba do SUS correspondente ao pagamento dos serviços supostamente prestados.

A defesa
A defesa do parlamentar, afirmou que a denúncia do MPF se baseou unicamente em "inquérito policial caricato", cujo caráter, segundo ele, é "meramente informativo", uma vez que conduzido sem contraditório.

Segundo o advogado, não há o crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral, porquanto os fatos narrados na denúncia se referem ao período pré-eleitoral, de janeiro a março de 2004, quando Bentes sequer era candidato. Isto porque, prossegue o advogado, o crime de aliciamento de votos somente pode ocorrer no período que vai do registro da candidatura até a data da eleição, inclusive. E, no caso, o suposto crime descrito na denúncia se refere ao período ocorrido entre janeiro e março de 2004, sendo que o registro da candidatura somente se deu em junho daquele ano.

Segundo o defensor do deputado, o que se aplica ao caso é o princípio da verdade real, que só admite prova material de autoria. E esta, observou, não existe relativamente aos crimes imputados ao deputado. "Indícios não são suficientes para presumir consumado o crime do artigo 299 do Código Eleitoral", afirmou ele.

A sentença
Em seu voto, o decano da Corte, Celso de Mello, classificou a atuação de Bentes como "extremamente grave". "A conduta do réu assume uma gravidade intensa se nós discutirmos a questão da esterilização feminina sob a perspectiva dos direitos reprodutivos e do direito de natalidade."

O relator, ministro Dias Toffoli, considerou caracterizada a participação indireta de Bentes no crime de esterilização cirúrgica irregular previsto na Lei 9.263/1996 por cinco vezes, já que as testemunhas afirmaram que não foram orientadas sobre métodos alternativos de contracepção nem sobre os riscos do procedimento. A lei prevê um prazo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o procedimento cirúrgico, período em que a mulher interessada terá acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce.

Embora o relator Dias Toffoli tenha concluído pela materialidade do crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal), com o agravante de ter sido cometido contra a entidade de direito público (SUS), foi declarada a prescrição da pretensão punitiva deste delito, pelo fato de Asdrúbal Bentes ter mais de 70 anos. O ministro salientou que, como o Hospital Santa Terezinha não era credenciado pelo SUS para fazer laqueadura de trompas, as Autorizações para Internação Hospitalar (AIH) eram fraudadas de modo a permitir o reembolso dos procedimentos. Para o ministro Dias Toffoli, ficou claro a "economia" feita pelo político, que comprou votos com dinheiro público. À época dos fatos, o reembolso de cada laqueadura variava entre R$ 200 a R$ 369.

Segundo o ministro Fux, o delito foi praticado com uma "significativa interferência na higidez física das mulheres", tanto que duas delas depois se arrependeram no sentido de que pretendiam ter filhos. Fux classificou o crime como um "artifício extremamente danoso", entendendo que, "exemplarmente, deve merecer a reprimenda da Corte porque ultrapassou os limites imaginários do ser humano, essa forma de corrupção eleitoral".

Voto Contrário
O ministro Marco Aurélio abriu divergência, ao votar pela absolvição do réu. Em relação ao artigo 15 da Lei 9.263, o ministro observou que o crime previsto nesse dispositivo refere-se ao desrespeito quanto à necessidade de o corpo médico do hospital alertar a destinatária da laqueadura sobre os efeitos e aguardar o prazo de 60 dias para a realização da cirurgia. "Não se pode dizer que ele não observou o prazo entre a busca da cirurgia e a feitura da cirurgia e que também não observou a lei quanto a não se tratar de um hospital credenciado", salientou, ressaltando não imaginar que o acusado tivesse domínio sobre tais situações.

Quanto ao crime de estelionato, o ministro Marco Aurélio afirmou que não pode concordar que o acusado tinha conhecimento que o hospital, para obter o reembolso, utilizava uma fraude ao não ser credenciado para a intervenção cirúrgica. Ele ressaltou que a prática criminosa não se presume, "mas tem que ser demonstrada de forma cabal".

Parlamentares condenados
Essa é a quinta vez, em menos de dois anos, que o STF condena parlamentares após a Constituição de 1988. Em maio do ano passado José Gerardo foi condenado pelo emprego indevido de recursos, mas a pena foi convertida em prestação de serviços e multa. Sete dias depois, o STF condenou Cássio Taniguchi pelo mesmo crime, que acabou prescrito.

O deputado federal José Tatico foi condenado a sete anos de prisão em regime semiaberto e multa no dia 27 de setembro, mas a decisão ainda não transitou em julgado. O mesmo ocorreu com o deputado Natan Donadon, condenado a 13 anos de prisão em regime fechado por formação de quadrilha e peculato em outubro do ano passado. A ação ainda aguarda decisão de recurso ajuizado pela defesa. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal. 

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