SEGUNDA LEITURA

As relações do jornalismo investigativo com a Justiça

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

4 de setembro de 2011, 8h13

Spacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">O Poder Judiciário mudou completamente nos últimos trinta anos. O juiz, outrora um ser sem convívio social, foi obrigado a sair de seu gabinete, a aprender a administrar, conciliar e resolver conflitos que extrapolam do processo. Tornou-se mais partícipe e menos expectador.

Entre as novas atribuições do magistrado surgiu o relacionamento com a mídia, atividade para a qual não foi preparado. A máxima repetida por séculos, “o juiz só fala debaixo da conclusão” cedeu lugar a um juiz que se vê impelido a interagir com os profissionais das comunicações. E se vier a recusar-se, poderá prejudicar o próprio Poder Judiciário, porque o repórter se limitará a dar a sua visão da realidade e esta nem sempre será verdadeira.

É óbvio que isto não significa que o juiz deve sair a falar sobre tudo e sobre todos, a dar entrevistas por qualquer decisão judicial, a antecipar julgamentos ou a criticar os representantes de outros Poderes. A entrevista será para casos de repercussão em que o interesse público a torne aconselhável. Juiz não é nem deve querer ser ator global.

Procurado por um repórter, o magistrado deve atendê-lo sempre que possível, comunicar-se em linguagem simples e direta, fornecer cópia das decisões, evitar opiniões polêmicas e, quando tiver dificuldades, solicitar auxílio do setor de comunicação social do Tribunal ou da Justiça.

Entre os profissionais da mídia uns, se dedicam ao chamado jornalismo investigativo. Esta atividade ganhou fama mundial com o chamado “Caso Watergate”, EUA, 1972. Os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, investigaram a invasão ao Complexo Watergate para fotografar documentos e instalar aparelhos de escuta na sede do Partido Democrata. O caso levou à renúncia do presidente Nixon, que sabia das operações ilegais.

No Brasil, segundo Leonel Vieira, “Dá-se o nome de Jornalismo Investigativo à prática de reportagem especializada em desvendar mistérios e fatos ocultos do conhecimento público, especialmente crimes e casos de corrupção, que podem eventualmente virar notícia.” [i]Apesar de alguns profissionais rejeitarem a expressão, ela se consolidou com a criação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, no ano de 2002.

O profissional do jornalismo investigativo age com base em fontes de informação, ou seja, tem que ter contatos nas mais diferentes áreas e conquistar a confiança do informante. Ele tem no art. 5º, XIV, da Constituição, o direito de preservar o sigilo da fonte. Além disto, poderá valer-se de pesquisas na internet, de relatórios de órgãos públicos e outros tipo de informações oficiais ou privadas.

O jornalismo investigativo é importante e, muitas vezes, auxilia na descoberta de graves crimes. Enfrenta, por vezes, instituições contra as quais poucos têm coragem de insurgir-se. Citam-se as reportagens “Promotores elevam vencimentos com “bolsa-aluguel” e estouram teto salarial” (O Estado de São Paulo, 8.5.2011, A4) e “Nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) é comum haver uma ou outra cadeira vazia. Em 2009, apenas um terço das sessões realizadas teve a presença de todos os ministros.”

Um bom exemplo de jornalismo investigativo é o trabalho desenvolvido pela repórter Daniela Arbex, em Juiz de Fora, Minas Gerais, cuja reportagem contra o presidente da Câmara Municipal resultou na sua renúncia após 20 anos de exercício do poder, tendo a profissional recebido o prêmio de melhor investigação da América Latina em 2009.[ii]

O jornalista investigativo tem no risco a sua rotina. Não apenas representado por uma vingança (a morte de Tim Lopes pelo crime organizado nos morros do Rio de Janeiro é o exemplo máximo), mas também por uma atribuição de responsabilidade administrativa, civil ou penal. A ampará-lo, além do sigilo de fonte, tem o direito à livre expressão e a garantia de que o veículo de comunicação não sofrerá repressão por qualquer forma (CF, art. 5º, IX e 220). A responsabilizá-lo, o dever de não violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (CF, art. 5º, X).

Mas então, o que lhe é permitido fazer? Pode investigar como e onde desejar, mas não pode invadir a vida privada das pessoas, a honra, a imagem. Por exemplo, não pode filmar o interior de uma residência.

Se, por entusiasmo juvenil ou outro sentimento menor, ele ultrapassar a linha limítrofe, a primeira consequência será a prova que colheu ser considerada nula, contaminando todas as demais dela decorrentes (CF, art. 5º, LVI c.c. CPP, art. 157). Daí todo o seu trabalho resultará em nada.

Além disto, ele poderá ser responsabilizado disciplinarmente por seu órgão de classe. Com efeito, aos 4.8.2007, a Federação Nacional dos Jornalistas criou o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. No entanto, consulta ao site da entidade não revela se existem ou não processos disciplinares. O fato desaponta àqueles que anseiam por transparência não apenas nos Tribunais (sempre cobrados), mas também nos órgãos de classe.

Os repórteres do jornalismo investigativo podem ser civilmente responsabilizados, com base no art. 5º, X da CF e art. 186 do C. Civil e, o jornal, na forma do art. 932, III. Todavia, esta responsabilidade só deve ser reconhecida se houver manifesta intenção de ofensa à honra, imagem ou intimidade da pessoa.

Nesta linha, há que se ter tolerância com o exercício da liberdade de manifestação de opinião do jornalista (TJSP, AC 9092837-82.2004.8.26.0000), com fato que já é do conhecimento público (TJSP, Ap. 990.10.319317-2) e que o conhecimento dos fatos pelo jornalista não é absoluto como o que se espera do juiz ao sentenciar (STJ – REsp 984803 / ES).

Do ponto de vista criminal, o jornalista responde, no caso de excesso, por crime de calúnia ou difamação, no Juizado Especial Criminal. Mas, como decidiu o STJ, é preciso que fique evidenciado que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima (Resp 719.592/AL).

O CPP, que tantas reformas recebe, neste particular continua totalmente afastado da realidade. Não há previsão para a forma e o valor das provas modernas, como filmagem, gravação, escuta telefônica. Apenas a Lei 9.296/96 trata da interceptação telefônica. Basicamente, é possível reconhecer como nula prova obtida com violação da privacidade, honra ou imagem. Mas será válida a obtida em via pública (STJ, HC 2008/0232194-0) ou mesmo em uma repartição pública (STF, HC 87.341/PR).

Finalmente, registre-se que o juiz deverá considerar como valiosa a descoberta de evidências do jornalismo investigativo. Mas sem perder a imparcialidade, pois, como alerta Sidnei Beneti, um dos defeitos do juiz é o “Temor diante da pressão da mídia e de forças sociais componentes da comunicação social”.[iii]


[i]www.editoracontextt.com.br/produtos.asp?cod=268

[ii]http://congressoabraji2010.wordpress.com/2010/07/30/o-fim-do-imperio-de-vicentao/

[iii]Da conduta do juiz, Saraiva, p. 176.

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