A defesa dos pobres

“Advocacia dativa em Santa Catarina é uma caixa preta”

Autor

3 de setembro de 2011, 9h41

Spacca
A Constituição Federal determina que o Estado tem o dever de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos cidadãos que não têm dinheiro para pagar advogados. E afirma que essa assistência tem de ser feita pela Defensoria Pública, classificada como “instituição essencial à função jurisdicional do Estado”. Mas quase 23 anos depois de promulgada a Constituição, essa obrigação ainda é negligenciada por alguns estados brasileiros.

Santa Catarina, Goiás e Paraná não contam com defensorias públicas em funcionamento. Em Goiás e no Paraná, contudo, ao menos já foram sancionadas leis que criam a instituição. Faltam concursos para contratar defensores e estruturar o sistema público de assistência jurídica. Já em Santa Catarina, a criação da Defensoria Pública está longe de se tornar realidade.

De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), André Luís Machado de Castro, essa falha faz com que o cidadão pobre catarinense tenha negado seu direito de acesso à Justiça. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Castro disse que a defesa dos carentes em Santa Catarina é feita por meio de um convênio muito pouco transparente com a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.

O estado transfere recursos para a OAB, que paga os advogados com critérios que ninguém conhece e a seccional retém 10% do dinheiro repassado a título de taxa de administração”, afirmou o defensor público. Funciona lá o sistema chamado de advocacia dativa, por meio do qual o advogado é nomeado pelo Estado para fazer a defesa de um cidadão pobre.

André Castro classifica o sistema catarinense como uma “verdadeira caixa preta”. Para o defensor, “é algo absolutamente inconstitucional, que não tem nenhum controle de eficiência, qualidade, seleção de profissionais ou de como se remunera os advogados”. De acordo com o presidente da Anadep, na falta de vontade política para resolver o problema, os defensores entraram com ação no Supremo Tribunal Federal para fazer valer a Constituição Federal. A ação está sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa e já conta com pareceres favoráveis da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República.

Na entrevista, André Castro falou sobre a evolução da Defensoria Pública nos últimos anos no Brasil, suas atribuições, os estados que servem de exemplo para os demais e informou que apenas 42% das comarcas brasileiras contam com defensores públicos, de acordo com diagnóstico feito em 2009 pelo Ministério da Justiça. O defensor também afirmou que a Defensoria vem trabalhando cada vez mais na solução extrajudicial de conflitos e usando ações coletivas para garantir direitos de cidadãos hipossuficientes.

Ao comparar a experiência da Defensoria Pública no Brasil com a de outros países, o defensor citou uma pesquisa feita nos Estados Unidos que chegou à conclusão de que os processos nos quais o defensor público atua acabam mais rápido e geram penas menores para os réus do que naqueles em que trabalham advogados dativos.

Aos 38 anos de idade, Castro é defensor público desde 1998 e está em seu segundo mandato à frente da Anadep. Comandará a entidade até março de 2013. Antes disso, trabalhou como oficial de Justiça e advogado, por um curto período de tempo depois de se formar em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj. Iniciou a carreira na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, a primeira implantada no país e uma das mais bem estruturadas.

Leia a entrevista

ConJur — Quais estados brasileiros ainda não têm Defensoria Pública?
André Luís Machado de Castro O único estado que insiste em não criar a Defensoria Pública é Santa Catarina. E não cria por falta de vontade política. A Constituição Federal de 1988 determina que a Defensoria Pública seja criada em todo o país. Muitos estados tinham Defensoria antes de 1988 e vários a instituíram com a promulgação da Constituição. Os poucos que não tinham, criaram depois da Emenda Constitucional 45 (a Reforma do Judiciário), que trouxe autonomia para a Defensoria Pública. Neste último caso, estão os estados de São Paulo, Rio Grande do Norte, Goiás e Paraná. Em Goiás e no Paraná as defensorias ainda estão em fase de instalação.

ConJur — Ou seja, são três os estados que não têm, efetivamente, Defensoria Pública?
Castro Sim. Mas, ao menos, Goiás e Paraná já a criaram. O Paraná sancionou a lei que cria a Defensoria estadual em 19 de maio passado. Estamos acompanhando o processo de instalação com a expectativa de que o primeiro concurso seja aberto ainda este mês. Acreditamos que no Paraná o processo de instalação será rápido. O estado de Goiás criou a Defensoria em 2005, mas desde então o concurso para defensor vinha se arrastando. Quando o governador Marconi Perillo (PSDB) tomou posse, em janeiro, baixou um decreto suspendendo todos os concursos em andamento no estado alegando razões orçamentárias. Mas, depois, abriu uma exceção para o concurso de defensor público. A primeira fase do concurso, inclusive, já foi feita. A segunda fase será em outubro. Enviamos nota de aplauso ao governador pelo ato.

ConJur Então, Santa Catarina é o único estado que não tem Defensoria Pública.
Castro  E cobrança para a criação não falta. A sociedade civil catarinense se organizou e formou um grupo chamado “Movimento pela Criação da Defensoria Pública de Santa Catarina”. É um movimento articulado que, de maneira democrática, elaborou um projeto de lei de iniciativa popular que cria a Defensoria Pública. Ao longo de mais de um ano, esse movimento colheu mais de 50 mil assinaturas e, em maio do ano passado, apresentou o projeto para a Assembléia Legislativa de Santa Catarina. É o segundo projeto de lei de iniciativa popular da história de Santa Catarina, mas está parado desde então. E sabemos que a apresentação de um projeto de iniciativa popular demanda uma mobilização grande. Não são três pessoas que conseguem fazer isso.

ConJur — Como funciona a assistência jurídica aos carentes em Santa Catarina?
Castro A situação de Santa Catarina é inusitada e, digo mais, absolutamente inconstitucional. A Constituição do estado de Santa Catarina, ao invés de ter disciplinado e regulamentado o acesso à Justiça como manda a Constituição Federal, constituindo a Defensoria Pública com quadros contratados por meio de rigorosos concursos públicos, com destinação orçamentária específica, determinou que o serviço da Defensoria Pública fosse prestado por meio de um convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil. Pouco tempo depois, editaram uma lei regulamentando esse convênio.

ConJur — Como é o convênio?
Castro O estado se desveste da obrigação de prestar o serviço jurídico à população e passa para a OAB, que arregimenta advogados sem nenhum tipo de seleção. Não há qualquer processo seletivo na Ordem, nem uma provinha. A OAB seleciona e cadastra os advogados da forma que bem entende e distribui os processos de forma muito pouco transparente. Por que determinado processo vai para este advogado e não para aquele? Esses critérios não são claros na lei, nem internamente na OAB. O funcionamento do sistema de advocacia dativa por meio da OAB catarinense é uma verdadeira caixa preta. A remuneração dos advogados tampouco é transparente.

ConJur — De que forma é feito o pagamento?
Castro O estado transfere recursos para a OAB, que paga os advogados com critérios que ninguém conhece. Não se tem conhecimento, por exemplo, se existe uma ordem cronológica para os pagamentos. Um detalhe importante: a OAB retém 10% do dinheiro repassado pelo estado a título de taxa de administração. É algo absolutamente inconstitucional, que não tem nenhum controle de eficiência, qualidade, seleção de profissionais ou de como se remunera os advogados. Muitos advogados reclamam que são prejudicados, que têm um título para receber e esperam muito tempo, enquanto vêem outros receberem mais rápido. Essas são as informações que chegam ao nosso conhecimento.

ConJur — Mas, ao menos, se existe o convênio, a população não fica desassistida?
Castro Não é bem assim. Uma série de aspectos importantes da assistência jurídica não chega ao cidadão catarinense porque esse modelo não tem condições de atender. Por exemplo, a questão de tutela coletiva. É impossível com um modelo como o catarinense ajuizar ações coletivas para defender determinados direitos ou fazer acordos com órgãos governamentais para solucionar problemas como o fornecimento de medicamentos. A tutela coletiva, que não é prestada pela OAB, permite que se façam acordos extrajudiciais para garantir determinados medicamentos, tratamentos médicos ou mesmo internações para pessoas carentes. Há inúmeras outras questões que em outros estados são resolvidas com eficácia na esfera coletiva, administrativamente ou judicialmente, que o modelo de Santa Catarina não alcança. Esse modelo de convênio com a OAB também não permite que se façam campanhas de esclarecimento para que o cidadão possa fazer valer determinados direitos sem ter de recorrer à Justiça. Ou seja, além de todo o problema de inconstitucionalidade e de transparência, o modelo catarinense é absolutamente ineficiente para o cidadão. Para não dizer que é apenas um defensor público que fala isso, basta consultar o Conselho Nacional de Justiça. O CNJ visitou Santa Catarina e avaliou seu sistema prisional. Segundo as conclusões do CNJ, que constam de relatório publicado depois da visita, o modelo de advocacia da dativa de Santa Catarina é totalmente ineficiente.

ConJur — O senhor afirma que o modelo é inconstitucional. Os defensores já recorreram ao Supremo?
Castro Sim. Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão que requer duas coisas. Primeiro, a declaração de inconstitucionalidade da Constituição do estado no ponto em que disciplina a advocacia dativa e da lei que regulamenta esse dispositivo. O segundo pedido é que se determine ao estado que crie a Defensoria Pública, como manda o artigo 134 da Constituição Federal.

ConJur — Qual o andamento dessa ação?
Castro A ação já recebeu pareceres favoráveis da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República. Por questões formais, ela voltou para a AGU e para a PGR, mas deve voltar em breve à mesa do relator, que é o ministro Joaquim Barbosa, pronta para julgamento.

ConJur — Mas mesmo que o Supremo acolha a ação, não se pode acabar da noite para o dia com o modelo de advocacia dativa porque a população ficaria sem ter a quem recorrer. Não é possível, nem por um período, a convivência dos dois modelos? Um tem que necessariamente excluir o outro?
Castro Não. Estivemos em Santa Catarina recentemente em uma audiência pública e falamos muito claramente que a criação da Defensoria não vai, de uma hora para outra, fazer cessar os processos que estão sobre o patrocínio de advogados dativos. De modo nenhum. Aí os defensores do modelo catarinense vêm e dizem: “Viram? A própria Defensoria Pública está dizendo que o modelo vai continuar porque é bom.” Não! Ninguém disse isso. Por isso, é importante ter cuidado ao abordar essa questão. O essencial é que a pessoa carente tenha assistência jurídica quando precisar. A Constituição Federal escolheu, por entender que esse é o melhor modelo, que o atendimento seja feito pela Defensoria Pública. É o modelo recomendado também pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Se eventualmente a Defensoria Pública não puder atender, vale buscar um mecanismo emergencial.

ConJur — Esse mecanismo emergencial pode ser atendido pela advocacia dativa?
Castro O ideal é que tudo passe pela Defensoria Pública. Se em uma situação emergencial não houver como nomear um defensor, a Defensoria é que deverá indicar um advogado para atuar na causa. A Defensoria Pública tem por missão constitucional a tarefa de prestar esse serviço e, se eventualmente precisa cobri-lo de alguma outra forma, é a própria Defensoria que deve fazer isso. Em vários estados isso já ocorre. Para suprir a ausência eventual de um defensor público, a Defensoria indica o advogado. Por exemplo, há casos em que uma comarca tem apenas um defensor público. Se há três réus em uma ação penal, o defensor defende os três. Mas se no curso do processo cada um deles tem uma versão diferente do que aconteceu, há conflito de interesses e a defesa não pode ser feita por um único patrono. Então, é necessário designar outros defensores. E a Defensoria Pública designará.

ConJur — Mas isso já não é uma questão menor, de quem escolhe o defensor?
CastroNão. Isso não pode ser feito por outra entidade, que nem estatal é, como é o caso da OAB. O modelo que existe em Santa Catarina, em que a OAB recebe recursos públicos, se apropria de 10% deles e escolhe sem critérios quem é o advogado que vai atuar nas causas, é incompatível com a Constituição Federal.

ConJur — O senhor disse que a OEA recomendou a adoção do modelo da Defensoria Pública aos seus países membros. O Brasil pode sofrer alguma sanção porque um de seus estados não o adota?
Castro Pode, no futuro, sofrer o constrangimento de figurar em uma lista de países que não cumprem as resoluções da OEA. A resolução aprovada por unanimidade na assembléia-geral da OEA, em junho passado, recomenda que seus países membros instalem defensorias públicas com autonomia e independência funcional. Não fazer isso significa descumprir a recomendação, o que impõe claramente uma situação de vergonha, de desrespeito aos direitos humanos para o país. Tanto é que no ultimo dispositivo da resolução é criado um mecanismo de monitoramento, de modo que na próxima assembléia-geral a OEA deverá publicar um informe do que aconteceu ao longo do último ano. Quem não está cumprindo vai aparecer no relatório.

ConJur — Como funciona o sistema nos outros países da América Latina e nos Estados Unidos?
Castro Primeiro é importante distinguir bem os países da América Latina dos Estados Unidos. São culturas diferentes, com experiências distintas. Nos Estados Unidos, a realidade é de um liberalismo muito forte e presente. Eles estão hoje envolvidos em uma enorme polêmica sobre a instalação de um serviço de saúde universal público e gratuito para população de baixa renda. É outra realidade. Falar de serviços públicos universais para população carente dos EUA é muito diferente de falar dos países de tradição latina. O federalismo lá também é diferente.

ConJur — Os Estados Unidos são conhecidos pela advocacia pro Bono. Existe um sistema de Defensoria Pública lá?
Castro Vários estados têm defensorias públicas fortes nos Estados Unidos e existe uma Defensoria Pública Federal. Em relação à Defensoria Pública Federal, é interessante resgatar uma pesquisa feita há alguns anos por uma professora de Harvard, divulgada em reportagem do The New York Times. Ela fez um estudo bastante profundo comparando a Defensoria Pública e a advocacia dativa. A primeira conclusão a que chegou a pesquisa é que o tempo de duração do processo com o advogado dativo é muito maior do que com o defensor público, porque ele ganha por hora. Logo, o advogado faz com que a causa demore um pouco mais. Segunda conclusão: a pena aplicada nos casos defendidos por um defensor dativo é maior do que a pena aplicada nos casos em que há atuação do defensor público.

ConJur — Qual a explicação para isso?
Castro O defensor público é especialista, está na profissão há anos, tem experiência e está bem estruturado. O advogado dativo, em geral, é quem está começando. Então, o defensor público tem um traquejo muito maior lá. Quando o defensor público atua, 95% dos casos são resolvidos por meio de acordos. Só 5% vão para julgamento. O defensor sabe lidar melhor com a negociação da pena. E o custo por processo naturalmente acaba sendo menor. Então, o modelo de Defensoria Pública Federal nos Estados Unidos é considerado muito mais eficiente do que o de advocacia dativa.

ConJur — Quais as diferenças entre o advogado dativo e defensor pro bono?
Castro O advogado que atua pro bono é um voluntário, trabalha de graça naqueles casos. A advocacia dativa é quando o Estado paga ao advogado para prestar o serviço. São coisas completamente distintas. Na advocacia pro bono, um advogado ou um grupo de advogados entende que é importante dedicar parte do seu tempo e do seu conhecimento para atender pessoas vulneráveis, que não têm condições de pagar por serviços jurídicos. O trabalho é baseado no espírito da solidariedade e qualquer iniciativa de ajuda ao próximo é louvável em qualquer área, seja na jurídica ou na médica, por exemplo. Isso é importante, mas a assistência jurídica, como a saúde e a educação, é um direito constitucional do cidadão. E esse direito exige que os estados mantenham profissionais que prestem esses serviços de maneira remunerada, com obrigação, compromisso e responsabilidade.

ConJur — Então os defensores públicos não são contra a advocacia pro bono. O que o senhor responde ao argumento de que a Defensoria quer ter o monopólio dos pobres, como muitos dizem?
Castro Quem diz isso, diz por engano ou por má-fé. O que a Defensoria Pública quer é cumprir a sua missão constitucional. A luta é para que a Defensoria se torne uma instituição estruturada como o Ministério Público, que felizmente avançou bastante a partir de 1988. Acusação e defesa têm que estar no mesmo patamar. Onde tem um juiz, tem um promotor. Logo, é preciso ter um defensor público para atender a população. Se o cidadão prefere contratar os serviços de um advogado ou procurar a advocacia pro bono, não há nenhum problema. Mas ele tem que ter à sua disposição o serviço público.

ConJur — Há bons exemplos de Defensoria Pública estadual no Brasil?
Castro Há um número significativo de estados onde a Defensoria Pública já atua em todas as comarcas. Por exemplo, no Rio de Janeiro, que tem a Defensoria Pública mais antiga do país, Mato Grosso do Sul, Roraima, Tocantins, entre outros. Nestes estados, há defensores em todas as comarcas. Pode não ser com o número ideal de defensores, mas um número bastante razoável em relação ao público alvo da Defensoria. Nestes estados, a Defensoria conta com orçamento e estrutura que lhe permite prestar um serviço adequado. Uma falha quase generalizada é a falta de um quadro de apoio multidisciplinar. Há uma série de atuações da Defensoria Pública que não podem prescindir de acompanhamento, de orientação, por exemplo, na área psicosocial. Nas áreas de infância, família, nos juizados que cuidam de processos sobre violência doméstica é necessário um acompanhamento depois do atendimento jurídico. Mas há avanços. Voltei há pouco tempo do Espírito Santo, onde poucos anos atrás a situação da Defensoria Pública estava triste. Tinha um orçamento mínimo e um dos maiores índices de evasão de defensores do país. Hoje, com vontade política das autoridades locais, a Defensoria do Espírito Santo está dando saltos significativos de qualidade. Pernambuco é outro estado em que a Defensoria Pública está em uma situação bastante difícil. O estado tem um quadro significativo de profissionais, mas o orçamento é pequeno e a evasão é grande. Falta investimento na Defensoria Pública de forma geral. O último diagnóstico da Defensoria feito pelo Ministério da Justiça em 2009 mostrou que apenas 42% das comarcas do país contam com defensores públicos. É preciso expandir para mudar esse quadro.

ConJur — O senhor falou de público alvo. Quem é o público alvo da Defensoria Pública?
Castro São pessoas em condições de vulnerabilidade, que não podem pagar advogados nem custas de um processo sem prejuízo do seu próprio sustento e de sua família. Poderíamos fixar como corte a faixa de pessoas que têm renda de até três salários mínimos, que coincide mais ou menos com a faixa de isenção do imposto de renda. Mas um corte não impositivo, porque há pessoas que ganham um pouco mais, mas em determinadas situações precisam da assistência jurídica gratuita. Imagine um homem ou uma mulher que recebe quatro salários mínimos, mas é o chefe de uma família com o cônjuge desempregado e alguns filhos completamente dependentes. Neste caso, há direito de assistência jurídica gratuita. É necessário avaliar cada caso de acordo com parâmetro legal.

ConJur — Há uma relação ideal de determinado número de defensores por habitantes?
Castro Nós trabalhamos com a relação de um defensor para cada dez mil pessoas que fazem parte do nosso público alvo, tendo como público alvo as pessoas maiores de 10 anos de idade que ganham até três salários mínimos. Esse número pode, eventualmente, até ser menor. Pode ser de um defensor para cada 13 mil pessoas, a depender da estrutura e do aparelhamento da Defensoria Pública.

ConJur — Quando se fala em Defensoria Pública, logo vem à cabeça a atuação na esfera penal ou no Direito de Família. O senhor acredita que a Defensoria Pública deve expandir suas ações para o Direito do Trabalho ou do consumidor, por exemplo?
Castro A Defensoria Pública tem que estar onde o povo está. Em 2009, a Lei Orgânica da Defensoria Pública foi alterada com a edição da Lei Complementar 132. A norma introduziu nas nossas funções institucionais dispositivos de grande importância, como o dever de prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados em todos os graus. Estabeleceu o dever de promover, prioritariamente, a solução extrajudicial de litígios, visando à composição entre as pessoas por meio de mediação, conciliação e demais técnicas de administração de conflitos. Também incluiu entre nossas atribuições a de promover a conscientização dos direitos humanos e da cidadania. A Defensoria Pública ganhou expressamente funções muito interessantes. Com isso, passará a investir, como já faz em muitos casos, na questão da educação sobre direitos, da orientação e da solução extrajudicial de conflitos. E deve atuar em todas as áreas em que isso for necessário. O atendimento na área de família responde, em média, por 50% do trabalho dos defensores. Mas dados mostram que uma grande quantidade de pessoas que ingressa hoje no mercado de consumo têm renda familiar baixa. Portanto, são potenciais clientes da Defensoria Pública. Bens de consumo que há 10 ou 20 anos eram exclusivos de pessoas de maior poder aquisitivo, hoje estão acessíveis para pessoas de baixo poder aquisitivo. A Defensoria tem de se preparar para responder a essa demanda.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!