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PL da Lavagem de Dinheiro não atinge os advogados

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27 de outubro de 2011, 7h00

O PL 3.443/2008 mostra a ferocidade cada vez mais opressora do Estado brasileiro, que assim caminha rumo a um arremedo de democracia, muito mais parelho com os estados absolutistas de antanho e dos estados autoritários e totalitaristas que vigeram no século XX.

A preocupação é legítima, já que no Brasil vigora a hipócrita tese de que toda lei, mesmo sendo clara a redação de seus dispositivos, pode ser deturpada, desvirtuada por obra do que chamam “interpretação”.

No entanto, diferentemente de algumas vozes, o PL 3.443/2008, que promove profundas alterações na Lei 9.613/1998, Lei da Lavagem de Capitais, não atinge nem constitui ameaça aos advogados ou ao exercício da advocacia.

Talvez o promontório da advocacia seja o fato de que essa atividade não se enquadra em nenhuma das 6 alíneas elencadas como aposto enumerativo do inciso XIV do artigo 9º com a modificação proposta pelo PL 3.443/2008. A consultoria jurídica sobre as operações ali descritas nada têm a ver com a origem do dinheiro ou com o valor da operação, fatos que pertencem exclusivamente ao âmbito comercial da operação. O advogado não precisa saber a origem do dinheiro para prestar aconselhamento, assessoria ou consulta relativamente às operações enumeradas nas 6 alíneas do inc. XIV do parágrafo único artigo 9º da Lei 9.613/1998 com a redação dada pelo PL 3.443/2008.

Ma ainda que a origem desses recursos fosse elemento necessário para o desempenho da atividade advocatícia incidente em tais operações, ainda assim tal disposição legal não se aplica aos advogados porque isso significaria eliminar a razão de ser da atividade advocatícia que consiste em orientar o cliente sobre o modo como ele pode conduzir-se sem ferir a lei, e toda essa atividade está a coberto pelo manto do sigilo profissional, sem o qual o indivíduo fica ao desamparo diante de um Estado opressor. O sigilo deferido à advocacia leva em conta o antagonismo que existe entre seu cliente e possíveis opositores, entre os quais figuram não só os particulares como também o próprio Estado, personificando a sociedade. E a menos que se proclame a impossibilidade de o indivíduo se opor aos desideratos do Estado, será sempre legítimo deferir-lhe a garantia de defesa em face do Estado, protegida essa defesa pela insígnia do sigilo de suas confidências àquele que o representa, o advogado.

Por disso, outro porto seguro da advocacia é sua essencialidade constitucional, a qual garante a inviolabilidade do advogado no exercício da profissão. Não fora isso bastante, o sigilo profissional constitui garantia fundamental do indivíduo postulada no artigo 5º, §2º combinado com o artigo 1º, incisos IIII e IV, da CF, porque o sigilo profissional é inerente ao exercício de certas profissões, sem o que padeceriam infirmadas, perderiam sua razão de ser, ficando mesmo aniquilada a possibilidade de serem praticadas adequadamente.

Portanto, não é difícil subsumir o sigilo profissional na categoria dos direitos e garantias individuais porque possui a mesma natureza de diversos direitos expressamente elencados no rol exemplificativo que caracteriza essa categoria como compêndio de direitos e garantias a proteger o indivíduo contra as insurgências opressivas do estado. Vale lembrar, o parágrafo 2º da Constituição declara que outros direitos compõem o rol dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, bastante que decorram do regime e dos princípios por ela adotados.

Não foram tais fundamentos bastantes, a Lei 9.613/1998 versa matéria criminal, portanto, não admite interpretação extensiva. Já a Lei 8.906/1994, é lei específica que disciplina a atividade da advocacia, e em seu artigo 7º, inciso II, estabelece e assegura o sigilo profissional. Portanto, se a regra do PL 3.443/2008, que altera a Lei 9.613/1998, não versa especificamente sobre o fim do sigilo profissional estatuído no art. 7º, inciso II, da Lei 8.906/1994, então subsiste válida e eficaz para o advogado o sigilo previsto na lei específica que rege e disciplina o exercício da profissão, não lhe sendo aplicável aquela estrita, que não alude à advocacia expressamente, inscrita no inc. XIV do parágrafo único do artigo 9º da Lei 9.613/2008 com a redação dada pelo PL 3.443/2008.

É preciso entender que não se trata de saber se o sigilo profissional do advogado é ou não um direito absoluto. Primeiro, é mais que direito. É prerrogativa. Segundo, para que a advocacia possa ser exercida em sua plenitude, plenitude essa que caracteriza sua dignificação como trabalho necessário e essencial à administração e distribuição da justiça, é necessário que o cliente tenha plena liberdade de confidência para com seu advogado. Isso não irá acontecer se o advogado for compelido por lei a tornar-se delator do seu próprio cliente, a dignificação da profissão esvair-se-á pelo ralo do autoritarismo, da opressão. A defesa ficará irremediavelmente mutilada, pois o cliente, temendo ser delatado pelo próprio advogado, dele ocultará fatos talvez necessários à sua defesa ou orientação, e isso surpreenderá a defesa ou prejudicará a orientação, que estará assentada sobre bases falsas.

É importante observar também que no conflito entre o Estado e o indivíduo, aquele já dispõe de certa vantagem, pois age por meio de suas instituições e conta com uma série de privilégios. Mas não se pode admitir que o Estado litigue munido de bomba atômica e ao indivíduo seja permitido apenas um pequeno canivete. Ou há paridade de armas, ou a justiça não passará de uma farsa. Nesse caso, será melhor acabar de vez com a defesa e condenar sumariamente todo aquele que for acusado, negando-lhe a garantia de um devido processo legal e da ampla defesa.

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  • Brave

    é advogado, diretor do Departamento de Prerrogativas da Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo (Fadesp) e mestre em Direito pela USP.

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