Justiça Tributária

Judiciário não deve gastar tempo com processo morto

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

24 de outubro de 2011, 9h14

Spacca
A quantidade de processos de execuções fiscais em andamento no país todo é absurda. São milhões de casos ocupando armários, edifícios e o tempo de servidores e juízes, com o objetivo de cobrar créditos pertencentes à fazenda pública em todos os seus níveis e também relacionados com autarquias incumbidas de fiscalizar profissões regulamentadas (CRC, CREA, CRECI, etc.).

Estudos recentemente divulgados estimam que o custo administrativo de cada um desses processos atinge a cerca de R$ 1.500,00 em média. Trata-se do custo que o poder público deve suportar apenas com o uso de instalações e prédios, material de uso e consumo (pastas, por exemplo) e salários de funcionários. 

Qualquer advogado que atue na área tributária conhece a precariedade das instalações onde são colocados os cartórios encarregados desse trabalho. Para que se tenha uma ideia disso, basta dizer que recentemente em Praia Grande(SP) o forro do salão onde funcionava o cartório das execuções caiu sobre as mesas, arquivos e computadores, apenas por falta de manutenção, obrigando a suspensão dos trabalhos por vários dias.

Na Praça Dr. Almeida Lima, na capital paulista, há dois prédios utilizados pelo chamado Anexo Fiscal. Em um deles teriam surgido trincas ou rachaduras nas paredes, apenas com o peso dos milhares de volumes que para lá foram enviados.

Por alguma razão desconhecida, os anexos fiscais são colocados no pior local possível em todos os fóruns do Estado. Em Poá, o anexo fica do outro lado da cidade, num porão com ventilação e iluminação precárias. Se fosse uma empresa privada, certamente o Ministério Público já teria pedido a interdição do local, totalmente inadequado para qualquer atividade humana, colocando em risco a saúde dos servidores. Seria engraçado um anexo completamente separado, mas nesse caso não há graça alguma. Há apenas falta de respeito com os servidores, submetidos a condições degradantes de trabalho.

Em qualquer local do Estado de São Paulo (que se diz o mais importante da federação), as instalações destinadas a dar andamento a cobranças fiscais são as mais precárias e não recebem adequada atenção do credor, principalmente a fazenda pública.

Todavia, não há necessidade de qualquer mutirão, campanha ou evento midiático para que a maior parte desses processos acabem rapidamente. Basta uma decisão simples de cada juiz responsável em cada um desses cartórios. Tal decisão consiste em reconhecer, de ofício, os casos de prescrição.

A Súmula 314 do STJ diz:

“Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição quinquenal (cinco anos) intercorrente”.

Quando o juiz não toma a providência, o advogado deve promovê-la, invocando a Súmula 393 do mesmo STJ:

“A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória” (Rel. Min. Luiz Fux, em 23/9/2009).

O juiz não só pode como deve reconhecer a prescrição de ofício. Como se sabe, o primeiro dever de qualquer magistrado é cumprir a lei. A Lei 11.280 de 16/2/2006 dá nova redação ao parágrafo 5º do artigo 219 do CPC, determinando que “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.” Assim, prescrita a ação de execução fiscal,  deve o juiz , por dever de ofício, pronunciá-la.

A ocorrência da prescrição não depende de nada além de saber contar até dez. Os juízes podem delegar tais verificações a seus auxiliares, de tal forma que o cartório já traga ao magistrado o despacho pronto para assinatura.

Assim agindo, num espaço de tempo muito curto teremos eliminado milhares (talvez milhões) de processos. Os servidores que hoje cuidam de processos mortos poderão ser destacados para funções mais úteis. E provavelmente alguns prédios no interior e na capital poderão ter destino mais relevante do que servir de abrigo para papéis que não valem nada.

Manter em andamento execuções fiscais prescritas não só é ilegal como é totalmente imoral. O princípio da moralidade está explícito no artigo 37 da Constituição, como um daqueles que são de observância obrigatória pela administração pública.

A fazenda pública é obrigada a promover a cobrança dos tributos previstos em lei. Não pode negligenciar nessa cobrança. Para essa função são contratados advogados. Caso tais profissionais deixem de adotar as providências necessárias à cobrança, não pode o devedor permanecer eternamente sob os efeitos de uma execução.

A prescrição não é um favor que se concede ao devedor, nem é um perdão da dívida. Trata-se de uma forma da extinção do débito, em decorrência da inércia do credor. Até mesmo o trabalhador que não recebeu seu salário tem prazo para queixar-se. Se não se queixar no prazo, nada receberá.

O instituto tem como objetivo a segurança jurídica. O débito extingue-se exatamente porque o devedor não pode permanecer com seu nome vinculado para sempre a processo onde figure como inadimplente.

Se houve um prejuízo para o poder público, cabe à administração ou aos demais institutos democráticos de controle do estado (tribunal de contas, por exemplo) apurar eventuais responsabilidades e se for o caso punir quem tenha deixado de cumprir seu dever.

Ocorre que o país está hoje diante de enormes desafios. Um deles é ter um Poder Judiciário eficiente para que os brasileiros não possam, por exemplo, envergonhar-se de ter de explicar a um estrangeiro porque existem julgamentos que demoram 20 anos.

Ora, um Judiciário eficiente não pode ocupar-se com processos mortos ou casos extintos. O que deveria estar no lixo deve para lá ser levado. Papelada que serve apenas para reciclagem deve ser destinada a isso mesmo: reciclagem.

Todos esperamos que o Judiciário deixe de utilizar seus servidores e seus recursos materiais com essas causas encerradas de fato. Juízes conhecem a lei e justamente por isso devem aplicá-la. Não é muito o que a sociedade pede. 

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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