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TRF-2 nega indenização a advogada presa na ditadura

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23 de outubro de 2011, 6h44

Qualquer pretensão contra a Fazenda, independentemente de sua natureza, prescreve em cinco anos. Isso inclui, também, ações com pedido de indenização por danos morais por constrangimentos suportados durante o período ditatorial. Por entender que a pretensão de uma advogada estava prescrita, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), por maioria, deu razão à União e reformou decisão que fixou indenização de R$ 100 mil por danos morais. Estudante de Direito na época, a hoje advogada chegou a ser presa durante a ditadura. Cabe recurso.

A juíza convocada Maria Alice Paim Lyard, relatora da revisão, disse que, no caso, aplica-se o artigo 1º do Decreto-Lei 20.910/32. O dispositivo estabelece a prescrição de cinco anos para qualquer demanda contra a Fazenda. Como a ação da advogada foi proposta em agosto de 2008, envolvendo fatos que aconteceram em 1970, a juíza entendeu que a pretensão já havia prescrito.

“A imprescritibilidade dos direitos da personalidade apenas significa que o direito à vida, integridade, saúde, liberdade e outros correlatos não prescrevem. Mas não que o direito à reparação patrimonial por alegada violação a tais direitos sejam imprescritíveis. Se fosse assim, todas as ações de reparação de dano, fundamentalmente, seriam imprescritíveis: o direito do atropelado de pedir reparação, o direito de alguém que foi xingado e assim ao infinito”, exemplificou a juíza.

Além disso, ela considerou que a autora da ação já tinha os elementos necessários para entrar com a ação antes. “O regime democrático estava instalado há muito e nenhum óbice foi constatado”, disse.

Maria Alice Lyard foi além e levou em conta uma tese considerada incongruente por ela, mas com alguns precedentes: o entendimento de que houve reabertura do prazo prescricional com a Lei 10.559/02. Ainda assim, disse a juíza, haveria a prescrição, já que a ação foi ajuizada há mais de cinco anos desde a entrada em vigor da lei.

A juíza convocada também ultrapassou a questão da prescrição e analisou o caso sob outro aspecto. “Se fosse para filosofar, a primeira questão filosófica há de ser explicar como quem se alega perseguido por pregar a justiça social pode pretender ser reparado com valores altos, necessariamente cobrados da coletividade, e que, devido à carga marcadamente regressiva do país, geram problemas econômicos, menos crescimento e mais injustiça social”, questionou.

Maria Alice Lynard afirmou também que não basta o discurso de que houve perseguição, já que todo o país foi vítima da repressão. “O ideal sempre é a punição dos repressores, mas no Brasil isto foi transformado em questão pecuniária, na qual o custo é arcado pela população (com impostos indiretos, que atingem até e especialmente os mais pobres, devido à carga regressiva)”, criticou.

A juíza afirmou que há provas de que a advogada foi presa, processada e absolvida, mas que isso não é suficiente para que ela seja indenizada. “Todos reconhecem o problema, os constrangimentos e a injustiça que muitos tiveram, no regime fechado. Como até hoje muitos e muitos têm, com miséria, falta de esgoto, moradia, boas escolas e assim por diante. Mas isso, por si só, não é o suficiente a justificar a indenização pretendida.”

Vencido, o desembargador Frederico Gueiros manteve a decisão de primeira instância, favorável à advogada. Para Gueiros, ela sofreu constrangimentos devido aos valores políticos e sociais que defendia à época. “Em tempos de perseguição política era impossível ao torturado buscar seus direitos, equiparando-se ao ausente”, entendeu.

O caso
A advogada entrou com a ação na Justiça Federal sustentando que, em outubro de 1970, quando cursava Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi presa por militares da Polícia do Exército. O motivo da prisão foi ela ter participado de movimento estudantil e ser membro do Partido Comunista do Brasil.

Ela argumentou que ficou presa por dois meses nas dependências do DOI-CODI. Depois de ser liberada, foi mantida em liberdade vigiada e respondeu a processo, sendo absolvida pelo Superior Tribunal Militar. A advogada sustentou que a situação fez com que ela enfrentasse dificuldades para concluir o curso, já que teve de fazer as provas finais em segunda chamada. Também disse que sofreu discriminação, já que passou a ser socialmente considerada “persona non grata”. Disse, ainda, que foi impossibilitada de prestar concurso público e de se habilitar para empregos na iniciativa privada. Isso porque, na folha de antecedentes, constava o processo militar.

Já a União Federal levantou a tese da prescrição. Também afirmou que não havia interesse de agir, já que há procedimento administrativo para cuidar do assunto, através da Comissão de Anistia. Como a advogada não entrou com qualquer pedido no Ministério da Justiça para obter o ressarcimento, não havia justificativa para atuação judicial.

Em primeira instância, a juíza Maria Amelia Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, condenou a União a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais para a advogada. Citando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, afastou a prescrição no caso. “A Constituição da República não estipulou lapso prescricional à faculdade de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade”, escreveu o ministro Herman Benjamim no precedente citado.

A juíza, no entanto, afastou a pretensão da advogada de obter pensão mensal vitalícia no valor de pouco mais de R$ 4 mil. “Entendo que sua pretensão de cumular indenização em prestação única e prestação periódica não encontra amparo legal nem no princípio da razoabilidade, considerando os efeitos efetivamente demonstrados do período de aprisionamento em sua vida”, afirmou ela na sentença, reformada pelo TRF-2.

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