Abatimento na tributação

Carf aprova uso de ágio pelo Santander

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21 de outubro de 2011, 19h21

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Banespa foi comprado com ágio de R$ 7,5 bilhões, deduzido de tributos devidos pelo Santander

O Santander ganhou a queda-de-braço com o fisco no caso da compra do Banespa. Decisão unânime do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, do Ministério da Fazenda, derrubou nesta sexta-feira (21/10) uma cobrança de R$ 4 bilhões contra os espanhois. O fisco apontava planejamento tributário irregular pelo aproveitamento de ágio como despesa para abater IRPJ e CSLL. O ágio, de R$ 7,5 bilhões, seria o da compra do Banco do Estado de São Paulo, em 2000, por valor maior que o do patrimônio líquido à época, de R$ 2,11 bilhões.

A decisão foi da 2ª Turma da 4ª Câmara Ordinária da 1ª Seção no Carf. Os julgadores entenderam que o ágio pago baseou-se unicamente na rentabilidade futura esperada para o investimento, e não em valores de bens intangíveis como marca ou fundo de comércio. Isso permite, de acordo com a lei, o abatimento nos tributos. Para o órgão, a estratégia de comprar o Banespa por meio de uma empresa estrangeira e repassar a outra brasileira o direito de deduzir o respectivo ágio teve o propósito negocial de manter o sigilo da proposta e, ao mesmo tempo, garantir o benefício tributário, o que é lícito.

O conselheiro Antônio Praga de Souza foi o relator do caso, cujo voto foi seguido pelos conselheiros Frederico Augusto Gomes de Alencar, Moisés Giacomelli Nunes da Silva, Leonardo Henrique Magalhães de Oliveira e Albertina Silva Santos de Lima.

A cobrança se referia aos anos calendário de 2002, 2003 e 2004, nos quais o Santander utilizou parte do ágio da compra do Banespa para amortizar valores devidos de IRPJ e CSLL, no total de R$ 3,8 bilhões. Pela aquisição de 30% das ações do Banespa em leilão, o Santander pagou R$ 7 bilhões, mas outros 67% foram comprados em oferta pública. Como a Lei 9.532/1997, que teve o intuito de incentivar as privatizações, autorizou compradores de empresas estatais a usar valores pagos além da avaliação dos ativos para abater tributos à razão de 1/60 ao mês, o Santander usou a estratégia. A Receita Federal, no entanto, considerou o ágio superavaliado pelo banco e impôs multa de 150% dos valores não pagos.

Além disso, os auditores da Receita também afirmaram que o ágio foi pago pela Santander Hispano, coligada sediada na Espanha que comprou as ações, e não pelo banco brasileiro. Segundo os autos, o próprio Banespa incorporou sua controladora Santander Honding, que detinha as quotas de capital social referentes às ações do próprio banco. Quem compunha a holding eram os estrangeiros. E foi o Banespa quem aproveitou o ágio para abater tributos. Assim, para a fiscalização, seriam os espanhóis que deveriam ter contabilizado o ágio. Como eles não recolhem impostos no Brasil, não poderiam aproveitá-lo para abatimentos.

Assim, a Santander Holding, ainda de acordo com a Receita, foi uma empresa criada com o único propósito de internalizar o ágio pago por sociedade estrangeira. Embora não tenha usado o termo “simulação”, o fisco acusa o banco de se valer de uma “empresa veículo”.

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O tributarista Roberto Quiroga, do Mattos FilhoJá o Santander, defendido no tribunal administrativo pelo advogado Roberto Quiroga, do escritório Mattos Filho Advogados, rebateu dizendo que os espanhois não tinham, na época do leilão, nenhuma empresa no Brasil que atendesse aos critérios exigidos pelo Banco Central para participar. E se o valor necessário fosse internalizado no país, estaria perdido o sigilo da proposta que seria oferecida. Segundo a defesa, foi o Banespa quem incorporou a Santander Holding e não o contrário apenas pelo motivo de que era o banco quem tinha autorização para trabalhar como instituição financeira de capital aberto.

“Ato lícito para fins lícitos”
Em voto trazido a julgamento nesta sexta, o conselheiro Moisés Giacomelli Nunes da Silva, acompanhando o relator, afirmou que o fato de a Santander Holding ter durado apenas dez meses e sido criada apenas para a compra do Banespa pelo Santander não a enquadra na categoria de “empresa veículo”, com o intuito ilícito de dar “aparência de regularidade a uma situação que assim não é”. “Um ou mais sujeitos com personalidade jurídica podem constituir empresa para conjugar recursos e conhecimentos para participar de uma licitação, por exemplo”, disse ele. “Desta forma, ainda que esta empresa tenha sido constituída para servir de meio para se atingir a determinado propósito, não poderá ser tachada de ‘empresa veículo’, pois não tem por finalidade praticar ato simulado, ocultar ou encobrir fato gerador de obrigação tributária.”

Para o conselheiro, são os atos negociais envolvendo a empresa que dirão se ela serve ou não como veículo. E como a Santander Holding foi criada antes da vitória no leilão, seu propósito não seria meramente o de ludibriar o fisco, mas sim o de camuflar a presença do Santander entre os concorrentes pelo Banespa, que eram Itaú e Bradesco. Com a entrega dos envelopes fechados de propostas, o Santander superou em muito os 20% exigidos legalmente sobre os demais competidores para que a disputa se encerrase aí e não fosse para a fase de lances em viva voz.

“Não se está diante de planejamento tributário adquirido em prateleiras de livrarias, que só concede benefícios a quem os adota, simulando ou encobrindo um ou outro ato. O benefício da dedução do ágio, utilizado pelo recorrente, seria concedido a qualquer vencedor do leilão”, resumiu Giacomelli ao ler seu voto.

De acordo com a tributarista Mary Elbe Queiroz, presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários, a estratégia usada pelo Santander sequer pode ser chamada de planejamento tributário. “O benefício tributário decorreu de lei, que permitiu a dedução do ágio. Todas as estatais foram privatizadas assim, porque seus ativos estavam desvalorizados”, explica. “Planejamento é optar por caminho que resulte em menos carga tributária, como escolher entre os regimes do Lucro Presumido, Real ou Arbitrado.”

Processo 16561.000222/2008-72

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