Arcabouço completo

Legislação brasileira dá conta de problemas da Copa

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19 de outubro de 2011, 10h13

O presente estudo tem como análise o projeto da chamada lei geral da Copa do Mundo, encaminhada ao Congresso Nacional pela Mensagem 389 da Presidente da República. A análise a que se propõe este texto se refere ao projeto original enviado pelo Executivo. Até o momento, não obstante, o atual projeto 2330/2011 continua em sua íntegra, aguardando deliberação na Câmara dos Deputados.

A indagação a ser feita é se esse projeto legislativo, capitaneado pelos organizadores dos eventos a se realizarem em 2013 e 2014, faz-se adequado, haja vista que a Constituição Federal, acordos e tratados internacionais assinados pelo Brasil e a legislação interna garantem com bastante competência as propriedades intelectuais e os direitos sobre as marcas. E não só: a legislação consumerista brasileira, internacionalmente reconhecida como avançada, vem produzindo seus frutos ao longo das últimas décadas.

Em outras palavras, a nossa legislação interna não consegue, por si só, garantir boa parte daquilo que propõe o projeto?

Também é importante conferir se, realmente necessária a nova lei, da forma como redigido o projeto, ela não atenta contra nossa legislação.

De antemão, o que se observa do projeto legislativo é uma evidente vontade de satisfazer os anseios dos organizadores do evento, que, talvez por desconhecimento do vigor legislativo brasileiro, não se atentaram que a propriedade (inclusive a industrial e intelectual) tem espaço de destaque no nosso arcabouço jurídico.

Causa certo espanto verificar que o projeto de lei vem, por exemplo, com proposta de criar tribunais específicos para julgar causas determinadas de pessoas individualizadas no próprio projeto. A um breve sentir, com traços evidenciados de tribunais de exceção.

Assim, abrir mão da qualidade legislativa brasileira sobre o tema, apenas para esses eventos, poderia por em xeque a própria defesa do evento em si, com declarações de inconstitucionalidades que inviabilizariam a lei.

Portanto, a solução que este estudo tenta trazer é justamente aprofundar o debate sobre o referido projeto de lei, para que abranja os pontos nodais à realização dos eventos, mas deixar que a legislação interna brasileira específica trate do tema, como já faz há bom tempo.

Aspecto constitucional
O constituinte originário deixou assente a livre iniciativa[2] como fundamento da República Federativa do Brasil. Alexandre de Moraes, evocando Paolo Barile, anota que a livre iniciativa não abrange apenas “o trabalhador subordinado, mas também aquele autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do crescimento do país”[3].

Mais adiante, a livre iniciativa é destacada novamente pelo Texto Constitucional, como fundamento da ordem econômica[4]. José Afonso da Silva explica o que quer dizer a livre iniciativa:

Em primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista[5].

É dizer, o Brasil claramente optou por um modelo capitalista cuja base, fundamento, está assentado no direito à livre iniciativa privada e os demais direitos subsequentes fundamentais para ela: propriedade e segurança jurídica, por exemplo.

Tanto é assim que o caput do artigo 5º da Constituição dispõe que a todos, brasileiros ou estrangeiros, são assegurados os direitos à segurança e à propriedade. Não obstante, o próprio rol dos direitos individuais reforça a propriedade como garantida[6]. Mais ainda: reforçando a tendência mundial de garantia das marcas e invenções, o inciso XXIX determina que:

a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País[7].

O constituinte originário, como se percebe, observou a gravidade da questão para o progresso da sociedade brasileira, e enclausurou esses direitos como individuais, de forma que se torna impossível sua exclusão do ordenamento jurídico.

Os princípios estabelecidos são suficientes para que o estrangeiro proprietário, seja de invenção, marca ou coisa, consiga exigir que o seu direito de propriedade seja levado a efeito, garantindo a sua inviolabilidade.

Os eventos que acontecerão em 2013 e 2014, por exemplo, são notórias suas propriedades à Fédération Internationale de Football Association. Sem muito esforço, a referida associação suíça tem condições de exigir que os direitos decorrentes dos eventos sejam a ela assegurados, requerendo, via Judiciário, o ressarcimento ou punição daqueles que eventualmente violarem os seus direitos.

O arcabouço constitucional brasileiro não vacila: o direito à livre iniciativa, à propriedade industrial ou intelectual são invioláveis, e que o Estado brasileiro é coagido a defendê-lo, não por mera liberalidade, mas por determinação constitucional.

Aspecto infraconstitucional
A lei a que se refere o inciso XXIX, do artigo 5º do Constituição é a Lei 9.279 de 1996. Conforme cita Douglas Gabriel Domingues a respeito do objetivo da referida lei:

Em sua abordagem principal, os trabalhos da Comissão Interministerial abrangeram as duas grandes vertentes que compõem o direito da propriedade industrial – patentes e marcas -, buscando disciplinar os aspectos materiais e formais desse direito e harmonizar a posição nacional com os acordos e tratados internacionais de que participa o Brasil. Os trabalhos incorporam ainda, os avanços doutrinários consagrados na legislação de outros países, onde são mais intensas as atividades envolvendo questões de propriedade industrial[8].

Ainda que as ferrenhas críticas que fazem à atual legislação possam ter uma ou outra pertinência, deve-se reconhecer que, mesmo assim, a legislação brasileira sobre o assunto é avançada e observa boa parte da orientação internacional sobre a questão.

A Lei 9.279 de 1.996 prevê em seus artigos 125[9] e 126[10] que a marca de alto renome ou notoriamente conhecida goza de proteção especial. A proteção da marca de alto renome, diferentemente da proteção à marca notória, abrange todos os ramos de atividade, inclusive as de prestação de serviço[11]. No entanto, a marca de alto renome deve previamente se encontrar registrada no Brasil, o que difere da marca notória que não exige registro brasileiro, mas protege apenas o ramo de atividade.

Observe-se que, de uma forma ou de outra, aquelas marcas internacionais não estão desprotegidas, pois a marca notoriamente reconhecida já encontra guarida na legislação pátria, e se entender que possui alto renome poderá, incidentalmente, requerer ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual requerer o reconhecimento.

O próprio Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 716.179/RS definiu que cabe ao INPI conceder o reconhecimento de marca de alto renome:

DIREITO COMERCIAL. MARCA. PROTEÇÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE. ATIVIDADES DIVERSAS. MARCA NOTÓRIA. ATRIBUIÇÃO DO INPI. SÚMULA N. 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. BASES FÁTICAS DISTINTAS.

1. O direito à exclusividade ao uso da marca está limitado à classe para a qual foi requerida, ressalvados os casos de marcas notórias.

2. Compete ao INPI avaliar a marca para caracterizá-la como notória ou de alto renome.

3. As marcas notoriamente conhecidas não gozam da mesma proteção conferidas às marcas notórias ou de alto renome, pois constituem exceção apenas ao princípio da territorialidade.

4. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando os julgados dissidentes cuidam de situações fáticas diversas.

5. Recurso especial não-conhecido.

(REsp 716.179/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 14/12/2009)

Ora, se acaso o alto renome da marca não for reconhecido porque o titular da propriedade não requereu o registro juntos aos órgãos brasileiros, ao menos tem o direito de defendê-la por conta da eventual notoriedade de sua marca.

O nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo não é suscetível de registro como marca, conforme prevê a vedação estabelecida no inciso XIII do artigo 124 da LPI[12]. O texto da lei, no entanto, permite que a promotora do evento autorize o registro da marca. Ora, ao autorizar a si mesma, a detentora dos eventos de 2013 e 2014 tem condições, sem muito imbróglio, de registrar suas marcas a fim de conquistar inclusive o alto renome.

Quanto à vigência dos efeitos da proteção, o artigo 133 da LPI[13] define prazo de dez anos, prorrogáveis, a pedido, por períodos iguais e sucessivos.

Vale notar que a Lei 9.279 de 1996 dispõe sobre os crimes contra as marcas em seu artigos 189 a 191[14]. As penas cominadas, a depender do crime, variam de três meses a um ano. Até mesmo o chamado ambush marketing é criminalizado no Brasil, a teor do artigo 195 da LPI[15].

É dizer, o Brasil, signatário de tratados e acordos internacionais cumpriu sua parte ao se modernizar a avançar na legislação referente à propriedade de marcas. Repita-se: ainda que exista críticas quanto à lei, ela oferece aos jurisdicionados e aplicadores do direito as ferramentas capazes de fazer valer a propriedade vindicada.

Inconsequências do projeto
O artigo 3º, e seu parágrafo único, do projeto de lei dispõe:

Art. 3º. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI promoverá a anotação, em seus cadastros, do alto renome das marcas que consistam nos seguintes Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA, nos termos e para os fins da proteção especial de que trata o art. 125 da Lei no 9.279, de 14 de maio de 1996:

I – emblema FIFA;

II – emblemas da Copa das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014;

III – mascotes oficiais da Copa das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014; e

IV – outros Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA, indicados pela referida entidade em lista a ser protocolada no INPI, que poderá ser atualizada a qualquer tempo.

Parágrafo único. Não se aplica à proteção prevista neste artigo a vedação de que trata o art. 124, inciso XIII, da Lei nº 9.279, de 1996.

Leia-se o artigo 4º, e parágrafo único:

Art. 4º. O INPI promoverá a anotação, em seus cadastros, das marcas notoriamente conhecidas de titularidade da FIFA, nos termos e para os fins da proteção especial de que trata o art. 126 da Lei nº 9.279, de 1996, conforme lista fornecida e atualizada pela FIFA.

Parágrafo único. Não se aplica à proteção prevista neste artigo a vedação de que trata o art. 124, inciso XIII, da Lei nº 9.279, de 1996.

O projeto, como se percebe, exclui a vedação disposta no artigo 124, inciso XIII da Lei 9.279/96. Referida vedação impede que haja registro de “nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento”.

De fato, é confusa a redação do projeto de lei. Quer dizer que a vedação prevista no artigo 124, XIII, da Lei 9.279 de 1996 não se aplica à Fifa e suas subsidiárias? Ou não se aplica a qualquer pessoa? Ou seja, se a Fifa e suas subsidiárias são as entidades que promoverão o evento, somente ela poderia utilizar do nome, prêmio ou símbolo dos eventos esportivos?

A resposta à primeira indagação parece ser retórica. Pois aquele que promove um evento esportivo de alto renome ou notoriamente reconhecido certamente terá direito de uso exclusivo. Do contrário, teria que suportar prejuízos pelo uso indevido das imagens.

Aliás, Douglas Gabriel Domingues, ao comentar o inciso XIII salienta:

A proibição justifica-se plenamente, pois nos casos enumerados supra, a utilização ou imitação por terceiros não autorizados do nome, prêmio ou símbolo de evento fatalmente causaria tremenda confusão e prejuízos à autoridade competente ou entidade promotora do evento[16].

Obviamente, portanto, a vedação se destina a todos que utilizem indevidamente o nome dos eventos ou que requeiram o registro da marca, em seu nome, sem autorização expressa dos organizadores.

O dispositivo, portanto, traz insegurança, inclusive em desfavor dos organizadores, pois da forma como redigido não está claro o que propõe o texto do projeto.

Melhor solução legislativa, para o caso, seria a lei determinar ao INPI que somente aquelas entidades expressamente autorizadas pela FIFA, ou quem ela indicar, poderiam registrar nome, prêmio ou símbolo dos eventos esportivos.

O projeto de lei dispõe sobre ponto polêmico em sua seção II (artigo 11 e parágrafo único): área de restrição comercial.

Em síntese, pretende conferir à Fifa e às pessoas por ela indicadas autorização para utilizar a área de forma exclusiva. A princípio, ponderando razoabilidade e proporcionalidade o ordenamento jurídico brasileiro não seria ofendido se o perímetro abrangesse tão-somente as áreas vazias que porventura existam próximas aos estádios. O problema surge se o estádio possui comércio vizinho muito próximo, inclusive nas vias de acesso ou se o perímetro for de tamanho suficiente para alcançar áreas limítrofes ao estádio.

De fato, antes de adentrar na questão jurídica, é importante ressaltar que o comércio local está ali estabelecido antes da lei. Impor restrições pode trazer graves conseqüências, inviabilizando o futuro do comércio, podendo causar, inclusive, demissões de seus trabalhadores.

Dessa forma, para evitar, inclusive, prejuízos que possam vir a sofrer a Fifa, suas subsidiárias e a União, deve ser ponderado o artigo 11 e seu parágrafo único. Com efeito, eventual conduta que cause dano pode vir a responsabilizar os organizadores do evento e, principalmente, a União.

É o tipo de situação, portanto, que deve ser vista com muita cautela. Um erro pode repercutir negativamente por um viés duplo: estagnação, diminuição do comércio local por um lado e reparações de danos por outro.

Novamente, repita-se, o Brasil firmou a livre iniciativa como um de seus princípios fundamentais. O artigo 5º, de formas preambular declara que todos são iguais. Não satisfeito, o inciso XIII definiu a liberdade ao exercício de qualquer trabalho. O direito de ir e vir também foi consagrado. Por fim, qualquer restrição da liberdade ou dos bens deve observar o devido processo legal (inciso LIV, do artigo 5º, da Constituição).

Portanto, inúmeras são as razões pelas quais, da forma como redigido, o dispositivo não pode continuar.

Os limites serão impostos ouvindo-se ou indenizando-se os comerciantes afetados? A lei se mantiver o dispositivo, precisa esclarecer esta questão. E mesmo assim, o comerciante tradicional, que há anos está estabelecido legalmente naquele local, será prejudicado? E as vias de acesso, abrangerão mais comerciantes?

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Alexandre de Moraes, afirma:

A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)[17].

A regra inserta no projeto não dá alternativa às entidades federadas ou ao Poder Judiciário, se for o caso: o poder público não poderá inviabilizar o comércio local, sob pena de ter que suportar ações mandatórias ou indenizações. E se as penalidades das reparações tiverem que ser levadas a cabo, não apenas a indenização, mas os prejuízos decorrentes da perda de competitividade do comércio local deverão ser suportados por todos os cidadãos.

Veja-se que a livre concorrência é princípio da ordem econômica brasileira[18]. Cumpre à lei, portanto, evitar que a livre concorrência seja corrompida. Não pode, ao revés, fortalecer o oligopólio ou monopólio comercial.

Por ser organizadora dos eventos, a Fifa e seus parceiros têm direito de gozar dos seus proveitos econômicos. A legislação, portanto, ou deve omitir para que à luz da legislação local seja verificado caso a caso, ou, melhor ainda, deve estabelecer uma forma de conciliação da vontade do projeto e dos princípios conformadores de nossa legislação. Uma área limítrofe reduzida e que preveja a indenização por eventual redução da atividade do comércio local é uma possibilidade.

A captação de imagens e sons dos eventos é de titularidade da Fifa. A questão deve se ater à finalidade comercial dos eventos, pois sua repercussão autoriza que veículos da imprensa possam informar o público.

O direito à informação também está previsto no Texto Constitucional, que estabelece em seu artigo 220:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Seria oportuno, portanto, a lei reiterar a homenagem ao direito da imprensa de informar. Abusos cometidos deverão ser verificados caso a caso, por ações judiciais da FIFA, pois em primeiro plano prevalece o direito à imprensa livre.

Note-se que o artigo 14 do projeto de lei remete à Fifa o direito de captar imagens ou sons do evento. Não é de bom alvitre, portanto, a legislação restringir o acesso à imprensa, pois a conduta é constitucionalmente vedada.

A legislação trata sobre o uso indevido de marcas. As penas são similares às estabelecidas pelos artigos 16 e 17 do projeto de lei.

Ora, a repetição legislativa, no caso, afigura-se desaconselhável, pois causa confusão ao definir o “uso de símbolos oficiais”.

Com efeito, o artigo 191 da LPI prevê que o uso indevido dos símbolos nacionais configura crime de até três meses detenção, enquanto o projeto de lei prevê pena de um ano de detenção.

A desproporção da pena, para fatos assemelhados, portanto, é evidente, o que gera a insegurança da lei, inclusive podendo culminar com sua inconstitucionalidade neste tocante.

Até mesmo o marketing de emboscada foi previsto no artigo 195 da LPI, o que faz desnecessário os artigos 18, 19 e 20 do projeto de lei geral da copa.

O artigo 32 do projeto de lei define que caberá à Fifa estabelecer os preços do ingresso.

Em face de um pequeno alarde feito, cogitou-se se a definição é livre. A resposta, sem dúvida, da forma como redigido o projeto, é negativa. A Fifa deverá observar a legislação brasileira especial.

Neste aspecto, define o Estatuto do Idoso:

Art. 23. A participação dos idosos em atividades culturais e de lazer será proporcionada mediante descontos de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais.

A legislação estadual no mesmo sentido: as meias-entradas aos estudantes devem ser garantidas.

Já o artigo 33 do projeto de lei traz disposições modernas, que não são encontradas no Estatuto do Torcedor e não ofendem, de forma alguma, a legislação de defesa do consumidor. O único ajuste a ser feito diz respeito ao seu inciso II, que trata da venda dos ingressos – e não cancelamento – e deveria estar no artigo 32.

O estabelecimento de cláusula penal tem previsão no Código Civil e o inciso I respeita o Código de Defesa do Consumidor. A Fifa não pode reembolsar as despesas de transportes, mas tão-só aquelas do ingresso, eis que a viagem é um risco assumido pelo consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor não põe o destinatário final como pessoa incapaz de discernir a dimensão do evento. Ao comprar os bilhetes de viagens o consumidor assume o risco de que o evento possa sofrer alterações sem aviso prévio. O reembolso do bilhete lhe é permitido, entretanto.

A respeito do inciso II do artigo 33, não se trata – de forma alguma – de venda casada, pois a venda do bilhete em separado é permitida, podendo livremente o consumidor escolher o que lhe satisfaz.

Abusos, obviamente, devem ser repelidos, e nosso ordenamento permite isso.

O artigo 37 do projeto de lei é inconstitucional. Com efeito, nossa Constituição, além de prever o princípio do juiz natural[19] veda o tribunal de exceção[20].

Em que pese o dispositivo trazer o adjetivo “especializada”, não convence o argumento, pois a justiça seria criada para, em regime de exceção, julgar casos de uma pessoa específica sobre seus específicos interesses.

Viola o princípio do juiz natural e abre precedente perigoso para o arbítrio estatal.

Ainda assim, para os interesses da própria interessada, não seria recomendável que processos fossem julgados por um tribunal que possa vir ser declarado suspeito. Causaria enorme insegurança jurídica, pois todo o custo despendido poderia ser em vão com uma declaração de nulidades das decisões judiciais.

Como se observa, portanto, deste estudo, o debate sobre o projeto da lei geral da copa promete ser intenso. Envolve desde dispositivos constitucionais fundamentais, passando pelo código de defesa do consumidor e pelos estatutos do idoso e do torcedor.

Entretanto, parece visível que o arcabouço jurídico brasileiro consegue, por si só, dar conta dos aspectos legais dos eventos. O que se percebe, no entanto, são questões ideológicas, de pura medição de força política, que esvaziam a própria legislação e têm condão de causar insegurança em um país de legislação complexa como é o Brasil.

Em suma, o Brasil é um país vigoroso, com legislação proativa. Não se põe, aqui, os fatos jurídicos à sorte. Em que pese as muitas críticas que se faz, é necessário confessar: a função social, a propriedade, os contratos, todos os principais instrumentos que permitem a prosperidade do povo estão previstos na legislação.

É possível, em conclusão, a convivência de uma lei específica dos eventos de 2013 e 2014, mas ela deve se conformar com a produção legislativa.

Bibliografia
DOMINGUES, D. G. Comentários à Lei da Propriedade Industrial: Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996, modificada pela Lei nº 10.196 de 14.02.2001. Rio de Janeiro: Forense. 2009.

MORAES, A. Direito Constitucional. São Paulo: editora Atlas. 2009.

PEREIRA, L. F. C. Tutela jurisdicional da propriedade industrial – aspectos processuais da Lei nº 9.279 de 1996. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006.

SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. Malheiros Editores. 2003.


[1] Advogado em Brasília. Sócio de Abreu, Nunes e Rodrigues Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Constitucional pelo IDP.

[2] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

[3] Moraes, A. Direito Constitucional. São Paulo: editora Atlas. 2009. p. 22

[4] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)

[5] SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. Malheiros Editores. 2003. p. 764.

[6] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

XXII – é garantido o direito de propriedade;

[7] Apenas para destacar, é claro que as transformações sociais dos últimos séculos desenvolveram os ideais que culminaram, por exemplo, no valor social do trabalho e na função social da propriedade. Esses aspectos, entretanto, são deliberadamente deixados em outro plano neste trabalho, pois se presume que a utilização da propriedade seja feita com respeitos a esses dois outros metas-princípios.

[8] DOMINGUES, D. G. Comentários à Lei da Propriedade Industrial: Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996, modificada pela Lei nº 10.196 de 14.02.2001. Rio de Janeiro: Forense. 2009. p. 1/2

[9] Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.

[10] Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.

§ 1º A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço.

§ 2º O INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida.

[11] DOMINGUES, D. G. ob. cit. p. 451.

[12] Art. 124. Não são registráveis como marca: (…)

XIII – nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento;

[13] Art. 133. O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.

§ 1º O pedido de prorrogação deverá ser formulado durante o último ano de vigência do registro, instruído com o comprovante do pagamento da respectiva retribuição.

§ 2º Se o pedido de prorrogação não tiver sido efetuado até o termo final da vigência do registro, o titular poderá fazê-lo nos 6 (seis) meses subseqüentes, mediante o pagamento de retribuição adicional.

§ 3º A prorrogação não será concedida se não atendido o disposto no art. 128.

[14] Art. 189. Comete crime contra registro de marca quem:

I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou

II – altera marca registrada de outrem já aposta em produto colocado no mercado.

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Art. 190. Comete crime contra registro de marca quem importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque:

I – produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte; ou

II – produto de sua indústria ou comércio, contido em vasilhame, recipiente ou embalagem que contenha marca legítima de outrem.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

Art. 191. Reproduzir ou imitar, de modo que possa induzir em erro ou confusão, armas, brasões ou distintivos oficiais nacionais, estrangeiros ou internacionais, sem a necessária autorização, no todo ou em parte, em marca, título de estabelecimento, nome comercial, insígnia ou sinal de propaganda, ou usar essas reproduções ou imitações com fins econômicos.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou expõe ou oferece à venda produtos assinalados com essas marcas.

[15] Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

VI – substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

VII – atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;

VIII – vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;

IX – dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

XIII – vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;

XIV – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1º Inclui-se nas hipóteses a que se referem os incisos XI e XII o empregador, sócio ou administrador da empresa, que incorrer nas tipificações estabelecidas nos mencionados dispositivos.

§ 2º O disposto no inciso XIV não se aplica quanto à divulgação por órgão governamental competente para autorizar a comercialização de produto, quando necessário para proteger o público.

[16] DOMINGUES. D. G. ob. cit. p. 425

[17] FERREIRA FILHO, M. G. in: MORAES, A. ob. cit. p. 30.

[18] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)

IV – livre concorrência;

[19] Art. 5º (…)

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

[20] Art. 5º (…)

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

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