Nova Justiça

O Supremo, a Corregedoria do CNJ e a prática

Autor

  • Pablo Cerdeira

    é advogado e professor de Evolução Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

13 de outubro de 2011, 14h36

Spacca
O Direito tem dessas coisas. Uma regra no papel, mas uma prática diferente. Isso acontece em diversas áreas, inclusive na questão dos poderes correicionais — de julgar juízes — do Conselho Nacional de Justiça. Essa questão dos poderes correicionais do CNJ que ganhou a mídia nas últimas semanas. Aliás, mais do que a mídia, como alertou meu amigo Pedro Abramovay, ganhou a boca do povo, fazendo com que o termo CNJ pela primeira vez aparecesse entre os assuntos mais falados do Twitter. Muito se escreveu a respeito, mas não encontrei uma única análise sobre como se dão, de fato, os julgamentos de questões correicionais no CNJ hoje. Porque, do contrário, pode-se acabar determinando a regra geral pela exceção. É o que pretendo fazer aqui.

Na teoria, ou seja, na Constituição, o CNJ tem poderes para julgar magistrados — juízes e desembargadores. E ponto. Não existe nenhuma restrição do tipo "apenas em sede revisional", ou "havendo preferência para julgamento nos tribunais locais" etc.

Só que a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), através de seu presidente Nelson Calandra, impetrou uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Supremo alegando que a competência do CNJ deveria ser apenas subsidiária. Ou seja, o CNJ apenas poderia se manifestar sobre questões disciplinares depois que o tribunal ao qual se encontra vinculado o magistrado julgasse o caso. Para mais detalhes sobre os argumentos, leia o meu artigo anterior aqui na ConJur. Até agora, nessa ADI, ninguém além da AMB pode se manifestar. Nem OAB, nem o CNJ, nem outras associações de magistrados.

A ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça no CNJ, foi à imprensa. Com termos fortes, chamou atenção da sociedade para a existência desta ADI, mesmo que indiretamente. Na mais famosa de suas falas a respeito do tema, disse que ainda existem "bandidos de toga" no Judiciário. A restrição dos poderes do CNJ pelo Supremo poderia, então, afetar o julgamento desses casos. Como já reconhecido pelo próprio STF, as corregedorias locais não são o local adequado para o julgamento de alguns casos. Especialmente aqueles que envolvem desembargadores.

As falas recentes da ministra Eliana Calmon, concordem ou não com as afirmações, serviram para jogar luz sobre a questão. Surgiram artigos os mais diversos comentando — e criticando — ambos os lados. Até mesmo no Supremo, de forma inédita, viu-se um ministro antecipar seus argumentos na tentativa de composição entre os envolvidos. Foi o que fez o ministro Ricardo Lewandowski. O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, também se manifestou na imprensa a respeito do tema. Mostrou-se preocupado com eventual sobrecarga de processos na Corregedoria Nacional de Justiça e o esvaziamento das corregedorias locais. Argumentou que o CNJ deveria fiscalizar as corregedorias também, e não apenas os magistrados, diretamente.

Tudo bem, até agora falamos do mundo do dever-ser. A Corregedoria do CNJ deveria ou não ter poderes concorrentes. Deveria ou não se focar mais nas atuações das corregedorias locais, em detrimentos de julgar diretamente os juízes e desembargadores… Ficamos com a impressão de que a solução é preto ou branco, oito ou oitenta. Ou a Corregedoria do CNJ julga os magistrados diretamente, e atropela as corregedorias locais, ou ela espera que as corregedorias analisem os casos para só então se manifestar. Mas, e na prática?

Na prática — e pouca gente sabe disso, porque são poucos os que já atuaram em processos correicionais no CNJ, que são, infelizmente, sigilosos — a coisa é diferente da discussão teórica.

Na prática a Corregedoria Nacional de Justiça no CNJ, salvo raríssimos casos, sempre escuta a corregedoria local. A regra, não escrita e não imposta pelo Supremo, é que, ao receber uma denúncia, a Corregedoria do CNJ notifique o Tribunal de Justiça ao qual pertence o denunciado pedindo informações. Se o caso já foi apurado, normalmente o tribunal envia as cópias dos processos. Se não foi apurado, na absoluta maioria das vezes, a Corregedoria do CNJ determina que a corregedoria local apure, em prazo determinado, as alegações. E informe o resultado ao Conselho. Com o resultado, a Corregedoria do CNJ decide se é preciso reavaliar o julgamento ou não.

Ora, a prática é exatamente o que o ministro Ricardo Lewandowski propõe. A prática cumpre perfeitamente o que sugere o presidente Cezar Peluso. Não é preciso que uma ADI limite a atuação do Conselho.

Sim, na prática há casos em que a Corregedoria Nacional de Justiça no CNJ julga sem escutar a corregedoria local. Mas esses não são a regra. São a exceção. E quando isso ocorre, é justamente porque a Corregedoria do CNJ entende que a corregedoria local não tem condições de julgar o caso.

O Supremo não pode tomar a exceção para definir a regra. A ADI é uma ação de controle abstrato de constitucionalidade. Mas o aspecto abstrato da ADI não é com relação à realidade. É com relação a não se julgar um caso concreto específico. Mesmo sendo abstrata, uma ADI precisa, para ser democrática, ser calcada nos fatos concretos, na realidade. Talvez, se as manifestações de outros interessados fossem permitidas, essa situação estivesse mais clara. 

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    é advogado e professor de Evolução, Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

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