Persona non grata

Entidades criticam ataques internos a reitor da USP

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12 de outubro de 2011, 14h13

A Faculdade de Direito do Largo São Francisco está começando a colher o revés de haver considerado persona non grata a maior autoridade da Universidade de São Paulo, o reitor João Grandino Rodas. Diversas entidades e personalidades, inclusive da própria universidade, têm manifestado apoio a Rodas e criticado a atitude da Congregação da faculdade, jamais tomada anteriormente.

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, nesta terça-feira (11/10), diretores de todas as faculdades, institutos especializados e museus da USP decidiram se posicionar contrariamente à direção e membros da Faculdade de Direito. De acordo com a carta publicada pelo grupo, a medida cria desunião na universidade, o que afronta um dos seus valores primordiais. "Quando uma das suas comunidades acadêmicas singulares decide […] declarar persona non grata o dirigente máximo da universidade, está, na prática, de forma pública e arbitrária, pretendendo interditar esse espaço ao exercício pleno da autoridade legítima a ele conferida."

A ideia de atacar o reitor partiu do professor Sérgio Salomão Shecaira, do Departamento de Direito Penal, e foi aceita por unanimidade pela Congregação da Faculdade. A decisão expressou o ponto máximo dos conflitos entre a faculdade e o reitor, que já se acumulavam desde a sua gestão como diretor da instituição, entre 2007 a 2009. Segundo os partidários do ataque, atitudes autoritárias de Rodas motivaram a decisão.

A Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp) também manifestou solidariedade a Rodas e desconforto com a determinação da Faculdade. Em nota, a associação manifesta que, “entende que declarar persona non grata um professor que dedicou mais de 40 anos de sua vida à pesquisa e ao ensino acadêmico é um ato que destoa do espírito sensato e democrático da Faculdade de Direito”. A Ajufesp ainda considera compreensível que haja divergências sobre a melhor forma de gerir uma instituição tão grande e complexa quanto a USP, mas que não se pode pretender solucioná-las pela desqualificação pura e simples de um dos antagonistas.

As desavenças entre Rodas, o diretor Antonio Magalhães Gomes e alguns grupos da Faculdade eram evidentes, e volta e meia vinham a público por uma ou outra declaração de cada lado. Mas o estopim foram as críticas do reitor à gestão de seu sucessor na Faculdade, o diretor Gomes Filho. Em edição especial do dia 20 de setembro, o boletim USP Destaques, órgão de imprensa oficial da reitoria, pontuou questões consideradas como problemas na administração da Faculdade que atravancaram o projeto de “modernização” iniciado por Rodas no prédio.

O boletim ressaltou que a Faculdade "sente a perda de dois anos e compreendeu a involução e a situação precária de sua infraestrutura”. Disse ainda que contraria a lei e a moralidade administrativa “descontinuar projetos da gestão anterior, em curso, por implicar desperdício de dinheiro público”.

Apesar de o reitor afirmar que não atribuía a situação à atual gestão, Gomes Filho se sentiu pessoalmente atacado, impulsionando a ação conjunta na Congregação. "Foi uma agressão muito rude e totalmente descabida", afirmou Magalhães ao Estadão.edu no dia 26 do mês passado.

Rodas também havia criticado, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, o fato de o Centro Acadêmico XI de Agosto, formado por alunos, planejar "explorar comercialmente" um terreno doado pelo Estado. Reclamou ainda que o lançamento do projeto, idealizado por "pessoa jurídica privada", foi feito em "território da USP", pois utilizou o salão nobre da faculdade.

O diretor da escola e os presidentes do centro acadêmico e da Associação de Antigos Alunos disseram, em outro artigo no mesmo jornal, que o edifício do Largo São Francisco não é da USP, mas da Faculdade de Direito, um "território livre" da sociedade.

Depois da primeira publicação em ataque a diretoria, (20/7), a reitoria da USP voltou a criticar a direção da Faculdade em boletim especial, também no dia 27 de setembro, pela Assessoria de Imprensa. No comunicado, Rodas fala do Clube das Arcadas, da infraestrutura da São Francisco e retoma a discussão sobre doações milionárias para reformas de sala de aula que exigiam como contrapartida o batismo dos espaços acadêmicos com os nomes dos doadores.

Nesta nova publicação, o reitor afirma que: "A culpa (da situação da unidade) cabe à exploração política dos assuntos domésticos da Faculdade de Direito e ao afã de apequenar pessoas e opor membros de uma mesma instituição, jamais vista em tão alto grau. É doloroso observar que os ‘cabeças’ do movimento passam pela vida da Faculdade de Direito (alguns já a deixaram, outros estão prestes a deixá-la, mas, com certeza, todos a deixarão um dia), transmitindo seu legado negativo de desconfiança do colega, de falta de iniciativa e de não realização".

Rodas encerra dizendo que: "Podem ter desgostado ou ferido pessoas, mas a real prejudicada foi a Velha e Sempre Nova Academia, que lhes deu ensino gratuito ou emprego, além de lugar invejável na sociedade".

História conturbada
A relação de Rodas com professores, estudantes e funcionários da faculdade já é tensa desde quando ele assumiu a reitoria. Na eleição, ficou em segundo lugar, mas foi escolhido pelo então governador José Serra, uma inversão que não ocorria desde o governo Paulo Maluf, ainda na Ditadura Militar.

O primeiro colocado no pleito havia sido Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física do campus da USP de São Carlos e, desde janeiro de 2011, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Não demorou para que ficasse claro a dificuldade de Rodas em criar pontes de diálogo com a comunidade universitária. Em junho de 2010, ele teve de administrar uma greve de 57 dias e a ocupação do prédio da Reitoria por três semanas, em protesto dos funcionários contra o fim da isonomia salarial entre eles e os docentes.

Em janeiro de 2011, a reitoria demitiu sumariamente 271 funcionários, sob a justificativa de que já eram aposentados e não haviam prestado concurso público. Vários já conseguiram reintegração por medida judicial.

Uma das últimas divergências ocorreu devido à proposta do centro acadêmico da faculdade de criar o Clube das Arcadas num terreno ao lado do novo Museu de Arte Contemporânea, a ser instalado no Ibirapuera (zona sul), numa parceria entre USP e governo de São Paulo.

Clique aqui para ler a nota da Ajufesp.

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