Expansão sem critérios

MEC prepara o desmonte do ensino jurídico brasileiro

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10 de outubro de 2011, 16h21

Semana passada o site da OAB nacional publicou texto mostrando a indignação do presidente do Conselho Federal, Ophir Cavalcante Junior, sobre uma Nota Técnica expedida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação. A nota reformula os instrumentos de avaliação dos cursos de graduação da educação superior para operacionalização do Sistema Nacional de Educação Superior (Sinaes).

A nova regulamentação prevê, na essência, as seguintes mudanças nos cursos de Direito:
1 – Criação de cursos de Direito à distância;
2 – Retirada da exigência de doutorado e mestrado em Direito para coordenadores de cursos;
3 – Previsão da existência de docentes apenas graduados;
4 – Regressão no conceito de trabalho de conclusão de curso.

Segundo o presidente da OAB, “a Nota Técnica é um crime que se comete contra a qualidade do ensino jurídico no Brasil e a OAB estuda medidas judiciais para enfrentar essa postura, que raia a irresponsabilidade por parte do Ministério da Educação”. O presidente ainda aduziu que “a nova postura manifestada pelo Ministério da Educação em relação do ensino jurídico no Brasil, no que toca à gestão das faculdades, é no mínimo preocupante, é desastrosa, pois aponta no sentido de desconstruir todo o arcabouço de proteção à sociedade que se tinha com as regras anteriores”. A OAB, ainda segundo Ophir, está ultimando estudos para ingressar com medidas judiciais contra a Nota Técnica.

Para o presidente da Comissão Nacional de Educação Jurídica do Conselho Federal da OAB, Rodolfo Geller, a Nota Técnica do Inep/MEC “parece ter algo a ver com o Plano Nacional de Educação (PNE) que tem como meta colocar 10 milhões de estudantes no ensino superior brasileiro, a qualquer custo e a qualquer preço, com reflexos altamente negativos para a sociedade e a qualidade do ensino” Fonte: OAB).

Rodolfo Geller tem completa razão ao vincular a Nota Técnica com o Plano Nacional de Educação (PNE). Na realidade, tal mudança é essencial para a implementação do PNE.

O plano divulgado pelo MEC possui 20 metas, sendo que uma delas, destinada ao ensino superior (Meta 12), pretende elevar a taxa bruta de matrícula na Educação Superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta (MEC divulga Plano Nacional de Educação 2011-2020).

A ideia por detrás dessa expansão encontra lastro no relatório Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) que mostrou o Brasil como último colocado em um grupo de 36 países ao avaliar o percentual de graduados na população de 25 a 64 anos.

Os números são referentes ao ano de 2008 e mostram que 11% dos brasileiros compreendidos na faixa etária de análise possuem diploma universitário. Entre os países da OCDE a média seria maior do que o dobro da brasileira, dentro da faixa dos 28%. O Chile teria 24% da população de análise graduada e a Rússia, 54%.

O secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação, Luiz Cláudio Costa, em entrevista para o jornal O Globo, afirmou que o patamar no Brasil está próximo aos 17%, sendo necessário ampliar também os programas de acesso ao ensino superior, como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Programa Universidade para Todos (ProUni), responsável por conceder bolsas de estudos para alunos de baixa renda e, principalmente, a expansão do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).

As modificações no Fies, inclusive, já foram implementadas, arrancando da presidenta Dilma, em abril deste ano, uma sugestiva exclamação em relação a reestruturação deste modelo de financiamento estudantil: "Só não estuda quem não quer!".

De fato o financiamento foi muito facilitado, pois a taxa de juros anual é de 3,4%, houve a dispensa da figura do fiador e o pagamento do empréstimo só tem início um ano e meio após a formatura do aluno.

O público alvo do governo federal são os jovens das classes C e D, consideradas pela mídia como a mais nova classe média do Brasil. De acordo com o "Observador Brasil 2010", desenvolvido pela Cetelem BGN em parceria com a IPSOS–Public Affairs, que é uma "radiografia" do consumidor brasileiro no ano de 2010 e a evolução em relação a 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, a expansão da classe C chegou a 15 pontos percentuais, considerando os dados desde 2005, quando essa fatia da população representava 34% do total. Naquele ano, as classes A/B respondiam por 15% e as D/E, por 51%.

Nos últimos cinco anos, a classe C ganhou 30,15 milhões de consumidores, sendo 8,23 milhões entre 2008 e 2009. Já os segmentos D/E perderam 26,05 milhões desde 2005, dos quais 8,94 milhões no último ano.

Essa expansão já é sentida dentro das universidades. A classe D já passou a classe A no número total de estudantes nas universidades, tanto públicas como provadas. Em 2002, havia 180 mil alunos da classe D no ensino superior, e, apenas 7 anos após, esse número passou para 887,4 mil. Por outro lado, o número dos estudantes mais ricos decaiu de 885,6 mil para 423,4 mil, conforme os dados pertencentes a um estudo do instituto Data Popular.

O aumento do poder aquisitivo evidentemente representa uma oportunidade para o empresariado da educação, conforme ficou IV Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular, ocorrido em Salvador (BA) em deste ano. Na ocasião o presidente da Abmes deixou explicitou que o maior potencial dos jovens a serem financiados pelo Fies está nas classes C, D e E. Segundo o presidente, “essas classes econômicas têm dificuldades para pagar uma faculdade”, e o financiamento é, portanto, “uma questão central” para a maior inclusão social no Ensino Superior.

A expansão, dentro desse universo superlativo, considerada como um todo, e em especial dentro do universo do ensino jurídico, apresenta um paradoxo insuperável.

O plano de expansão, para ser viável, precisa se aproveitar do melhoria da renda das classes C e D, já observado, também precisa de um sistema de financiamento facilitado, também já implementado, e, finalmente, precisa mediocrizar o sistema de ensino superior para suportar o ingresso desse novo contingente de universitários.

Faz sentido.

Não existe capital intelectual para admitir em apenas nove anos um número tão grande de novos estudantes, e aqui trato especificamente do universo do Direito, sem assegurar às instituições de ensino superior jurídicas instrumentos para operacionalizar a própria expansão, e os instrumentos nada mais são do que os professores.

O plano todo apenas promete um diploma. Não se pode dizer o mesmo de uma formação adequada. Ou poderia ser sério um plano que cria de graduação em Direito a distância, extirpando o universitário do convívio acadêmico e do contato direito com seus professores? Professores cujo preparo para lecionar poderá ser mínimo, bastando para isso apenas o diploma de bacharel? Naturalmente, uma monografia de final de curso seria um obstáculo intransponível para tais universitários, devendo também ser flexibilizada em nome da certeza de um diploma ao final do curso.

Afinal, não faz sentido passar cinco anos dentro de uma faculdade e não sair de lá diplomado, de qualquer jeito diplomado… E isso considerando o atual contexto, pois o Brasil possui mais faculdades de Direito do que o resto do mundo. Em duas décadas o percentual de expansão foi 612%.

Todo o quadro converge para uma expansão quantitativa de universitários, em todos os setores, em especial no universo dos cursos jurídicos. Como se falar em expansão no campo jurídico já não fosse uma hipérbole.

Há duas semanas o MEC autorizou o funcionamento de mais nove cursos de Direito, ofertando mais 960 para os futuros estudantes. Dentro do contexto atual isso sequer consegue representar a ponta do iceberg.

Expandir o número de universitários sem antes equacionar os problemas na formação de base, sem antes qualificar mais os atuais e futuros docentes irá produzir uma legião de formandos inaptos para o exercício profissional.

Isso é elementar! Dados de 2009 do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) divulgados pelo Ibope mostram que 32% dos brasileiros com ensino superior possuem em algum grau de analfabetismo funcional.

Esses são dados de 2009. Um dia teremos nas mãos os dados de 2020, quando o plano de expansão do Ensino Superior começar a mostrar seus reais frutos para a sociedade.

E lá só não vale perguntar de quem foi a culpa.

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