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Alcance jurídico do CNDT ainda precisa ser discutido

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10 de outubro de 2011, 15h26

A lei 12.440, de 07 de julho de 2011, que institui a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, antes mesmo de se tornar exigível, já suscita dúvidas e deflagrará discussões de toda sorte quanto aos respectivos alcance, finalidade e consequências na vida das empresas, das pessoas naturais e da administração pública.

Disciplinada pela Resolução 1.470 do TST, de 24 de agosto de 2011, será obtida pelos sites do TST, pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ou pelos Tribunais Regionais do Trabalho. A norma modifica dispositivos de dois diplomas de extrema relevância: a CLT e a Lei de Licitações.

Alterações na CLT

Integra o título VII da norma consolidada, no capítulo de “multas administrativas” o que, desde logo, não parece, do ponto de vista técnico-legislativo, medida adequada ao quanto a norma propõe. A justificativa é simples: a nova regra não trata de imposição de multa de qualquer natureza e é, tão somente, mecanismo compulsório para habilitação em certames licitatórios na administração pública e poderá vir a ser utilizada também como instrumento de atribuição de segurança jurídica a negócios imobiliários e de alienação de empresas e bens. E será utilizada judicialmente, como prova da inexistência de débitos trabalhistas.

Vê-se, desde logo, que seus efeitos suplantarão a mera necessidade documental para participação em licitações. Se na esfera judicial, constitui “prova de inexistência de débitos trabalhistas”, é realmente factível a exigência de prova de um fato negativo? E, do ponto de vista jurídico, pode-se exigir do não-devedor a prova da “não dívida”? A certidão assegura que não haverá, por mecanismos jurídicos como a desconsideração da personalidade jurídica, declaração de sucessão ou de responsabilidades solidária ou subsidiária, a efetividade da informação de veicula?

Como versa acerca de fato específico (existência de débitos judiciais), certamente será qualificada como válida, para efeito de prova judicial.  No entanto, temos dúvidas de que seja um instrumento capaz de resolver definitivamente os inumeráveis problemas que surgem como decorrência da ausência de mecanismos seguros de informação do Judiciário.

Nos dias de hoje, é arriscada qualquer compra e venda de imóvel. Há penhoras sem registro que são validadas. Há declarações de fraude a credores em vendas realizadas há muito tempo, quando se verifica, objetivamente, uma lesão de direito ou crédito trabalhista. Nesse sentido, a certidão, por si só, não resolve o problema, embora constitua inegável avança.

Sua criação decorre da necessidade verificada pelo gestor público de justificar a terceirização de serviços no âmbito da administração estatal. Inegável que, com a certidão, a administração pública ganha certa proteção para a desoneração da imputação de culpa remanescente, quando do inadimplemento de obrigações trabalhistas de empresas prestadoras desses serviços.

Mas esse escudo não é instransponível. Até porque a obtenção da certidão negativa não beatifica seu detentor, tampouco dele faz modelo de empregador. E o contrário igualmente é valido: não pode demonizar os que eventualmente não obtiverem o documento. É fotografia de um momento de uma empresa, cujas atividades e situação econômica não são estanques.

Importante destacar duas características essenciais da CNDT, quais sejam, a da gratuidade e expedição exclusivamente por meio eletrônico. Não será obtida se o interessado constar como inadimplente de obrigações decorrentes de decisão condenatória passada em julgado (que afasta a carta de sentença para execução provisória como fato gerador). O final do inciso I, do artigo 642–A da CLT merece revisão imediata, ao equiparar ao crédito trabalhista a custas e emolumentos. 

O crédito trabalhista é dotado de natureza jurídica distinta de quaisquer outras “obrigações decretadas por decisão condenatória trabalhista”, porquanto dotado de peculiaridade que se confunde com a verdadeira razão de existir da legislação tutelar do trabalho: versa sobre crédito tipicamente alimentar, com privilégio legal que não se confunde com aqueles relacionados às custas e emolumentos.

Emolumentos e custas não são “débitos trabalhistas” e, ainda que advenham de decisão passada em julgado emanada da Justiça especializada, isso não altera sua natureza jurídica de obrigação processual adjacente, claramente distinta do crédito judicial trabalhista.

As “obrigações decorrentes de execução de acordos no âmbito do Ministério Público do Trabalho ou em Comissão de Conciliação Prévia” mereceriam disposição de maiores clareza e precisão, até porque, cediço haver ajustes nessas sedes que não são exeqüíveis de plano, pela via judicial. 

Certificar a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais de igual modo também deflagrará dúvidas e contestações. Considere-se o fato de que empresas do mesmo grupo têm diversas inscrições no CNPJ. O prazo de 180 dias de validade da certidão não desautoriza obtenção de nova, no curso desse período, atestando situação distinta daquela certificada, ainda que de expedição recente. Do ponto de vista trabalhista, como verificamos, as modificações e conseqüências são menos singelas do que leitura mais superficial induziria imaginar.

Modificações na Lei de Licitações

No processo licitatório, a alteração fundamental ocorreu no inciso IV do artigo 27 e no artigo 29, ambos da lei 8.666/93, que passa exigir das empresas a prova de regularidade trabalhista em ambos os dispositivos. Imagine o leitor, em processos de licitação pública, o eterno renovar de certidões pela exigüidade do prazo de respectiva validade.

Diz-se isso já que as licitações são prenhes de processos emperrados por sucessivas impugnações, vistorias, acréscimos, adendos, aditamentos e recursos. Isso por si só já torna o prazo de validade de 180 dias inadequado, para procedimentos concorrenciais de maior vulto. No campo licitatório foi acrescida a obrigação de obtenção da CNDT ao rol das outras certidões já preconizadas pela lei 8666/93.       

Entretanto, a criação de um Cadastro Nacional de Devedores Trabalhistas deve preocupar as empresas que habitualmente contratam com o poder público. A uma, pelo fato de que qualquer mínima obrigação de natureza processual, ainda que quitado o crédito principal, verdadeiro objeto da ação, já é suficiente para a inserção do nome da empresa como devedora da justiça do Trabalho.

A duas, já que não é incomum o inadimplemento advir de exercício regular de um direito da empresa no processo, como a discussão de limites, critérios e valores das verbas em favor do Fisco e da Previdência Social, debates nos quais não raro se verifica uma injustificável sanha arrecadatória da autarquia. Isso, por si só, já geraria sua inserção no rol das empresas inadimplentes.

A quitação e baixa respectiva para retificação e obtenção da certidão, podem não ser possíveis em tempo hábil a participação ou qualificação da empresa pára habilitação em licitação já que, mesmo eletrônica a certidão, sua atualização demanda eficiência dos cartórios judiciais, cuja lentidão é fato notório e em grande maioria, não são de considerar paradigmas de agilidade e eficiência.

Devem as empresas preparar-se para a nova providência, compulsória a partir de 4 de janeiro de 2012, cujos impactos somente poderemos aferir quando passados alguns meses de vigência. É correto imaginar que CNDT corresponderia a instrumento adicional de efetividade das execuções trabalhistas ou maior procura pela quitação das ações com vistas à obtenção da certidão.

Se realmente esse fosse o objetivo, seria mais apropriada a substituição de medidas cartoriais por jurisdição efetivamente comprometida e fiscalizadora do cumprimento de suas decisões. Não se nega a importância de convênios como o Bacenjud, Infojud e Renajud.

Somente medidas de cartório não socorrerão a tese mediante a qual a CNDT seria instrumento de efetivação da execução trabalhista. De lembrar a recente experiência do protesto de créditos trabalhistas, instituição pouco utilizada, de duvidosa eficácia e confitente da ineficiência judiciária.

Relegar a execução a plano inferior, pela adoção de meios inúteis e mecanicistas para cumprimento das decisões, como hoje lamentavelmente verificamos, é ignorar a realidade, malversar a própria atividade jurisdicional. Se os meios eletrônicos são importantes, o que não se nega, acredita-se ainda na indispensabilidade e indelegabilidade da jurisdição. Execução ainda necessita de juiz.

A Certidão em questão, como vimos, suscitará amplos debates, mas não resolverá por si só, aquilo que no Judiciário trabalhista resulta como fundamental: não há execução efetiva sem juiz efetivamente comprometido com o pleno cumprimento de suas decisões. O resto é certidão, que fique para constar.

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