Pena de morte

Troy Daves entra para o rol de executados sem provas

Autores

  • Vitor Guglinski

    é advogado pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Ex-assessor jurídico da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora-MG. Colaborador permanente dos principais periódicos jurídicos do país. Colunista da revista Direito e Atualidade (ES). Professor-conteudista do site Atualidades do Direito.

  • Aleksander Guglinski.

1 de outubro de 2011, 17h37

Dia 21 de setembro de 2011 foi mais um dia triste para a humanidade. No que diz respeito à luta contra a pena de morte no mundo. Por mais que convivamos diariamente com a morte, sabedores de que esse fato jurídico é o marco final de nossa existência, conscientes de que o dia derradeiro chegará, invariavelmente, para todos, tal fenômeno sempre nos choca; a alguns em maior grau, sendo que outros, dotados de certa dose de resignação, ceticismo etc., são atingidos com diferida intensidade.

Contudo, quando alguém é morto em decorrência da violência institucional, isto é, a violência perpetrada pelo Poder Público no exercício de seu jus puniendi, quando a pessoa é verdadeiramente assassinada pelo Estado, penso que as pessoas de diligência mediana, ao menos, ficam muito mais estarrecidas em razão desse tipo de barbárie, a qual ainda encontra previsão no ordenamento jurídico de cerca de um terço dos países do mundo.

No dia 21 de semtembro, um homem negro chamado Troy Davis foi executado nos EUA, por meio de injeção letal, por um crime em que sua autoria não restou cabalmente provada durante todo o processo judicial em que foi proferida sua sentença de morte.

Troy Davis foi acusado, processado, julgado e considerado culpado, por ter, supostamente, matado o policial Mark McPhall, em 1989, no momento em que este ajudava um sem-teto que estava sendo atacado.

Ao longo dos anos em que Troy Davis permaneceu preso, aguardando sua execução, sua defesa demonstrou que a arma utilizada no crime jamais foi encontrada. Somado a isso, as notícias dão conta que, das nove testemunhas que ajudaram a condená-lo, sete se retrataram de seus depoimentos, afirmando que na época em que os prestaram foram persuadidas pela polícia a testemunhar contra Troy, provavelmente em razão da pressão corporativista da polícia e do desejo irracional de se encontrar um culpado, em nome da tão proclamada segurança jurídica que, ao que parece, deve ser absoluta e inabalável em solo americano.

A defesa de Davis asseverou, ainda, que nenhuma evidência forense ou de DNA foi encontrada durante as investigações. Uma testemunha chegou a afirmar que o verdadeiro assassino, de nome Sylvester Coles, confessou o crime durante uma festa em que teria exagerado no consumo de bebida alcoólica, revelando a informação. Somado a isso, outras dez testemunhas, que jamais foram ouvidas no processo, disseram que outro homem admitiu ter atirado na vítima.

A história da pena de morte é marcada por capítulos extremamente bizarros. Uma das mais famosas é a de Caryl Whittier Chessman, conhecido como “bandido da luz vermelha”, condenado à câmara de gás, nos EUA, em razão de diversos assassinatos envolvendo casais, no final da década de 1940.

O caso Chessman foi marcado por um erro fatal:

No exato instante em que se encontrava na câmara de gás, os advogados de Chessman, George Davis e Rolasile Asher se reuniam com Louis Goodman – presidente do Tribunal Federal de San Francisco. Os advogados de Chessman somente localizaram o juiz Goodman no último momento que souberam da negativa do Supremo Tribunal da Califórnia em relação a um recurso por eles interposto. O juiz Goodman ouviu as razões e as queixas de Davis, que se expressava febrilmente, mas com precisão, demonstrando ao magistrado que seu cliente não se beneficiara de todos os seus direitos perante os tribunais da Califórnia.

Naquele momento, às 10 h 01 min. do dia 02 de maio de 1960, o juiz Goodman, após refletir sobre os argumentos dos advogados de Chessman, assentiu com os mesmos, afirmando que o respectivo recurso poderia ter sido recebido, mas que necessitava de maiores explicações, pelo que ordenou fosse atrasada a execução por meia hora.

O que se sucedeu foi uma cadeia de ocorrências funestas, que redundaram na morte de Chessman, que teve início com a ordem recebida por Celeste Hickey – secretária do juiz Goodman, a qual fora incumbida de chamar, urgentemente, a penitenciária de San Quentim. O erro fatal ocorre no momento em que referida secretária, não sabedora do número telefônico daquele estabelecimento prisional, corre a perguntá-lo ao escrivão. Ao anotar o número em seu bloco, comete um erro, esquecendo-se de anotar um dos algarismos. Foi tempo suficiente para que o juiz Goodman, ao finalmente conseguir falar com a penitenciária, ficasse sabendo que a execução já estava em curso. Às 10 h 05 min. Chessman foi declarado legalmente morto.

O caso Chessman, a exemplo do que ocorre no caso de Troy Davis, repercutiu mundialmente, tendo as principais manifestações a seu favor ocorrido nos EUA e na Europa. Foi, também, um caso marcado por provas inconclusivas.

O que se quer dizer é que não há, em pleno século XXI, e mesmo após termos notícias de diversas condenações duvidosas à pena capital, como compreender e admitir a manutenção da pena de morte, seja em que lugar e sob qual regime jurídico for.

Segundo o insigne Kildare Gonçalves Carvalho, o professor Lydio Machado Bandeira de Mello afirmou há algumas décadas, e com precisão cirúrgica, que:
"O Direito Penal é um direito essencialmente mutável e relativo. Logo, deve ficar fora de seu alcance a imposição de penas de caráter imutável e absoluto, de total irreversibilidade e irremediáveis quando se descobre que foram impostas pela perseguição, pelo capricho ou pelo erro. Deve ficar de fora de seu alcance a pena que só um juiz onisciente, incorruptível, absolutamente igual seria competente para aplicar: a pena cuja imposição só deveria estar na alçada do ser absoluto, se ele estatuísse e impusesse penas: a pena absoluta, a pena de morte. Aos seres relativos e falíveis só compete aplicar penas relativas e modificáveis. E, ainda assim, enquanto não soubermos substituir as penas por medidas mais humanas e eficazes de defesa social (LYDIO MACHADO BANDEIRA DE MELLO. O criminoso, o crime e a pena, 1970, p. 335, "apud" KILDARE GONÇALVES CARVALHO. Direito Constitucional,15ª ed. p. 748).

É o argumento que basta.

Nada obstante, ontem um homem que, pelo in dubio pro reo era presumidamente inocente, por ausência de provas que o condene, foi assassinado, em que pese inúmeras manifestações a seu favor ao redor do mundo; manifestações de peso, destaque-se, como a do Bispo Desmond Tutu, do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, do Papa Bento XVI, da Anistia Internacional, enfim, de uma massa titânica composta por personalidades notórias e cidadãos de todas as etnias, solidários à causa de Troy Davis; a legítima democracia, pode-se dizer, mas que, ao que parece, e infelizmente, por mais agigantada que se tenha mostrado, não foi capaz de deter a democracia hipócrita e bairrista praticada nos Estados Unidos da América – país que se autoproclama a maior democracia do mundo, mas que, verdadeiramente, nada mais é do que a nova Roma Antiga.

Ficam o nosso desabafo e protesto.

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    Advogado. Professor. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Ocupou o cargo de assessor do juiz da 2a. Vara Cível de Juiz de Fora-MG. Membro do INJUR - Instituto Cultural para a Difusão do Conhecimento Jurídico. Colaborador permanente a convite da COAD/ADV. Seminarista convidado pelo INPA - Instituto de Pesquisas aplicadas do Ceará. Autor de artigos e ensaios jurídicos publicados em periódicos especializados

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