Política sem moral

Força moral é mais temida do que sanção legal

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26 de novembro de 2011, 8h02

“Os indivíduos ou as sociedades que perdem interesse pela sua projeção no amanhã já se encontram às portas da morte” (Fabio Konder Comparato)

Em recente artigo (O Globo, 21/10) o colunista do New York Times David Brooks chamou a atenção para o fato de que “discreta, mas decisivamente, os americanos estão tentando restaurar as normas morais que embasam” o sistema econômico mais replicado no mundo. A complacência do governo diante da arrogância temerária dos poderosos de Wall Street mobilizou a sociedade a exortar a comunidade política a rever os conceitos morais que sustentam as regras econômicas vigentes e que não “distinguem entre ricos que merecem sê-lo e os que não”.

A insatisfação agora deflagrada, já teve voz ressoante tempos atrás. Em discurso proferido na Universidade de Kansas no ano de 1968, Robert Kennedy censurava os seus concidadãos que se preocupavam apenas com “o mero acúmulo de bens materiais". Diante de um PIB generoso, o mais forte candidato a administrá-lo advertia que a riqueza “não garante a saúde de nossas crianças, a qualidade de sua educação ou a alegria de suas brincadeiras” e tampouco atestava “a inteligência de nossos debates públicos ou integridade das autoridades de nosso governo”.

A realidade econômica brasileira tornou-se exemplo de consistência diante da crise que corrói os Estados Unidos e outros países. Todavia, os impressionantes gráficos de pujança e números contados aos milhões e bilhões de uma moeda mais do que respeitada, gera, em contrapartida, uma ofuscação de questionamentos morais enfrentados muito timidamente, em um olhar embotado e de consequências danosas para o amanhã. Afinal, riqueza só é fortuna social quando cotada pelos índices da educação, da saúde, do bem-estar, elementos ínsitos ao regime democrático.

Em descompasso com o ideal de um amanhã renovado cambaleia a prática política, infectada pelo fim eleitoreiro, escamoteando pauta que deveria impor a luta pelo resgate da moralidade. A corrupção e os desvios de conduta penetram e contaminam de cima para baixo todos os estratos da sociedade, num pernicioso processo de degradação da vida em coletividade, no qual a simpatia, o carisma e o palavreado oco dos líderes políticos sobrepujam o padrão moral, elemento primeiro a ser cotejado naquele que irá personificar as aspirações de uma coletividade.

O verdadeiro debate moral é que poderá restaurar a autoestima e fortalecer os que perseveram no combate as desigualdades com o mesmo vigor que respeitam as diferenças. Em uma sociedade sadia a força moral é mais temida do que a sanção legal ou religiosa. O respeito à vida e a dignidade da pessoa humana (na acepção de que esta reúne a totalidade dos valores) não será imposição legal ou religiosa.

A distinção entre o motivo pelo qual uma norma comportamental é obedecida e a razão essencial pela qual ela deve ser obedecida fará toda a diferença.

Por outro lado, ao se abdicar desta incumbência semeia-se o terreno mais fértil a proliferação de fundamentalismos e arbitrariedades dependentes que são da inércia do pensamento, do transe coletivo que aprisiona o ser e lhe subtrai a possibilidade de projetar seu próprio futuro.

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