Ressarcimento Legal

MP está transbordando sua atuação em relação à políticos

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19 de novembro de 2011, 9h53

Recentemente foi noticiado que o Ministério Público Federal e a União ajuizaram, perante a Justiça Federal de Mato Grosso, ações judiciais de caráter cível em desfavor dos ex-prefeitos dos municípios mato-grossenses de Ribeirão Cascalheira, Santo Antônio do Leverger e Rio Branco, – cassados pela Justiça Eleitoral por captação ilícita de sufrágio e/ou abuso de poder nas eleições.

Tais ações visam o ressarcimento dos custos diretos e indiretos advindos da realização das eleições municipais suplementares, as quais foram naturalmente custeadas pela União.

Não fosse suficiente o estranho pedido de ressarcimento dos custos das eleições suplementares, intenta-se ainda um denominado “dano moral aos eleitores”, ao anticívico argumento de que estes foram obrigados a comparecer novamente às urnas e alguns, inclusive, a trabalhar gratuitamente para a Justiça Eleitoral, situações estas que, no entender dos proponentes, gerariam direito à indenização.

E mais, busca o Ministério Público Federal e a União terceira indenização, desta vez por suposto “dano moral difuso”, baseado no contraditório argumento de que a cassação dos aludidos prefeitos causaram desilusão popular, descrença para com as instituições, o sistema eleitoral e a própria democracia.

Temos aqui verdadeira pretensão de enriquecimento ilícito da União em desfavor dos ex-prefeitos dos municípios mencionados.

Inicialmente, no que toca ao ressarcimento dos custos advindos da realização das eleições suplementares, cremos que não há sequer embasamento legal para tal pedido, haja vista que não há sequer relação de direito civil entre candidato – eleito ou não – e a União, mas apenas relação de ordem eleitoral. Tanto é assim que a Lei das Eleições (9.504/97), diploma especial em relação ao Código Civil, já prevê claramente, em seu artigo 41-A, as sanções a que ficam sujeitos os infratores: cassação do registro ou do diploma, além da imposição de multa, esta sendo a única pena pecuniária para o ilícito eleitoral em questão.

Quisesse o legislador impor ao infrator a obrigação de arcar com os custos das eleições suplementares teria feito expressamente no corpo do artigo 41-A da Lei 9.504/97, ou então em outro diploma eleitoral. Pode parecer mero formalismo, mas não é. A partir do momento em que a lei é minimamente desvirtuada toda a sociedade está em risco.

Não bastasse a carência de previsão normativa, quem prevê a realização de eleição suplementar é o próprio Poder Legislativo Federal através da Constituição e do Código Eleitoral, o qual, ao não responsabilizar os candidatos eleitos, assume tacitamente a obrigação de que a União realizará e custeará as eleições suplementares.

Sabemos também que toda ingerência da Fazenda Pública contra o patrimônio do cidadão não pode carecer de previsão legal. Assim é para com a cobrança dos tributos, para a indenização e perda de bens por força de condenação criminal, e também para o ressarcimento e multa por ato de improbidade administrativa.

Ainda que se supere a questão da ausência de previsão legal, não se pode dizer que existiu dolo – vontade – dos prefeitos cassados em prejudicar o patrimônio da União, o que houve, se houve, foi dolo para captar votos ilicitamente, ou seja, dolo de ilícito eleitoral tão somente. A não ser que se passe a crer que os ex-prefeitos tiveram o seguinte raciocínio: “Quero desfalcar a União. Então vou comprar votos, para, quem sabe, ser cassado nos primeiros dois anos de mandato e, quem sabe, se eu tiver mais de 50% dos votos válidos, provocar uma eleição suplementar”.

Ora, é claro que o raciocínio acima é completamente ilógico e desarrazoado, mas serve bem ao propósito de demonstrar a temeridade do pleito judicial que quer impor aos ex-prefeitos os custos das eleições suplementares. Quem quer causar dano à União sonega impostos federais, desvia recursos federais sobre os quais tem poder, provoca dano em viatura da polícia federal, etc.

Além de não se fazer presente a intenção de dano à União, cremos que há até mesmo quebra de nexo causal entre a conduta de captar votos ilicitamente e a longínqua e eventual consequência da realização de eleições suplementares.

Isso porque do dia em que se compra um voto até a realização de novas eleições, são percorridos os seguintes passos: 1) captação ilícita do voto; 2) descoberta do ilícito pelas autoridades da Justiça Eleitoral; 3) ajuizamento da ação eleitoral; 4) se o candidato for eleito, ao final da ação cassa-se o diploma; 5) a cassação tem que acontecer nos dois primeiros anos de mandato; e 6) o eleito tem que ter obtido mais de 50% dos votos válidos, pois, caso contrário, fica com a vaga o segundo colocado.

Como se vê, a cadeia de fatos possui situações que fogem ao controle do infrator, de modo que há rompimento do nexo causal entre a conduta e a consequência futura e completamente incerta. A punição almejada pelo Ministério Público e a União seria o mesmo que sancionar aquele que, torcendo pela morte de determinada pessoa, presenteia-lhe com uma passagem de avião torcendo para que a aeronave caia.

Há ainda o pedido de dano moral ao eleitor, chamado de “anticívico” ao início. Assim o fizemos porque o ato de votar, imposto pela Constituição, nada mais representa que conduta cívica, de cidadania, de colaboração, que jamais pode ser tratado como um ônus, um fardo, passível de gerar dano moral. Ora, poderiam todos os eleitores do país pedir indenização à União, em cada eleição, por serem obrigados pela Constituição a irem votar?

Ainda neste ponto, maior expressão de cidadania e civilidade é a colaboração do cidadão para com a Justiça Eleitoral mediante a prestação de serviços gratuitos nas eleições, sendo contrário ao Direito qualquer pedido que busque desnaturar tal ato para um dano indenizável.

Por fim, mas não menos importante, chamamos de “contraditório” buscar os referidos “danos morais difusos” por desilusão e descrença do eleitor nas instituições e na democracia, tendo em conta que, se a Justiça Eleitoral puniu mediante cassação, significa que sua atuação foi eficiente e que, antes de qualquer coisa, a democracia prevaleceu.

Ademais, é provável que o custo das ações ajuizadas (hora de trabalho dos juízes, procuradores, servidores, etc) supere os valores gastos nas eleições suplementares, de maneira que, em caso de improcedência, quem pagará a conta indiretamente será a União.

O tema é polêmico e ainda poderia trazer outros pontos de discussão, mas, pararemos por aqui.

Importante finalizar salientando que o Ministério Público é uma instituição constitucional de extrema importância, é claro! Mas não pode transbordar sua atuação numa perseguição desenfreada àqueles que militam na política e que já foram devidamente punidos pela legislação eleitoral.

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