Holanda e Bélgica

Justiça cancela matrícula de maior grilagem do país

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19 de novembro de 2011, 6h40

A Justiça Federal determinou o cancelamento da matrícula do imóvel rural denominado Fazenda Curuá, ocupado pela Indústria, Comércio, Exportação Navegação do Xingu Ltda. (Incenxil), uma das empresas do Grupo C. R. Almeida. Situada no Estado do Pará, na região do Xingu, a área, de cerca de 4,5 milhões de hectares, corresponde aos territórios da Holanda e Bélgica juntos e representa um dos maiores casos de grilagem no mundo.

A sentença, de 21 laudas, assinada pelo juiz federal Hugo da Gama Filho, foi divulgada pela 9ª Vara Federal, especializada no julgamento de casos que afetam o meio ambiente. Além de determinar o cancelamento da matrícula, o juiz mandou que partes de reservas indígenas que se encontram habitadas por não-índios sejam devolvidas às comunidades indígenas que detêm a legítima posse das respectivas áreas. Ainda cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.

No entendimento do juiz, apesar da Fazenda Curuá ser formada a partir da união de outros 13 imóveis – Morro Pelado, Campos, Ilha do Rodolfo, Sarã do Veado, Muraquitã, Boca do Bahú, Anacuyu, Estirão Comprido, Xahú, Flexa, Barreiras, Mulambo e Barreiras – não existem títulos de aquisição de domínio legítimos.

“Nos assentamentos do Iterpa foram identificados somente quatro destes imóveis que foram realmente objeto de contrato de arrendamento celebrados entre o governo do Estado do Pará e João Gomes da Silva, Francisco Acioly Meirelles, Bento Mendes Leite e Anfrísio da Costa Nunes, mediante os quais foram eles autorizados a explorar castanhais ou seringais pertencentes ao patrimônio público estadual”, argumenta o juiz.

Gama Filho também observa que o fato de ter sido o imóvel arrematado pelo Banpará e devolvido ao patrimônio particular, conforme alegado pela Incenxil, não elimina o vício do ato administrativo que se encontra nulo desde a sua origem em razão da falta de título aquisitivo do bem. “Ante a ausência de título legítimo, presume-se a publicidade do bem. O requerido [Incenxil] não conseguiu comprovar o domínio do bem através de um título hábil, eis porque a matrícula 6.411 é de fato nula, já que pertencente ao patrimônio estatal”.

Situação irregular
A primeira ação contra a posse da área foi assinada em 1996 pelo então diretor jurídico do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), o procurador Carlos Alberto Lamarão Corrêa, hoje presidente do Instituto. Em entrevista à Agência Brasil, ele apontou que Cecílio do Rego Almeida tinha conhecimento de que a terra não era legal. “Ele se locupletou de uma situação irregular”, diz Lamarão.

Na petição original, é descrito um encontro no Iterpa em 1995 com três advogados do empresário Cecílio do Rego Almeida aos quais teria sido dito que não havia nenhum registro de título definitivo naquela área, “que pudesse ensejar a mais tênue dúvida quanto à ilegalidade dos documentos cartoriários existentes”. Em março do ano seguinte, há um novo encontro com os mesmos assessores que “comunicaram à diretoria do Iterpa que Cecílio do Rego Almeida havia decidido comprar as ditas terras, ‘por ser um homem empreendedor, destemido e arrojado’”, descreve a ação. Para o presidente do Iterpa, o conhecimento prévio da ilegalidade das terras, a ampliação da área (em mais de mil vezes) e a manifestação dos advogados mostram que não houve boa-fé, conforme alega a defesa.

Carlos Lamarão salienta que o Pará acumula problemas de indefinição fundiária. “Até hoje encontramos pessoas com títulos paroquiais”, lembra, ao fazer referências à titulação de terras que eram feitas a partir de declarações nas igrejas do interior entre 1854 e 1891. Segundo ele, a situação em que há muito tempo de indefinição, “se agravou com o Decreto-Lei 1.1164/1971 que retirou 70% do controle das terras do Pará”, e também segue indefinida com a atuação de diversos órgãos estaduais e federais responsáveis pela titulação, demarcação e autorização de uso das terras.“Essa balburdia facilitou a grilagem, mas não justifica”, assinala.

Além de alegar que não havia prova de que as terras que compõem a Fazenda Curuá são de domínio público, a Incenxil argumentou que agiu de boa-fé, adquirindo as áreas através das cotas sociais da empresa que antes eram de titularidade de um particular. Informou ainda que as terras consistem em posses fundadas há mais de 80 anos em títulos capazes de legitimação. Para comprovar, apresentou uma certidão de 1976, expedida pelo Iterpa.

O presidente do Iterpa não sabe quanto da área grilada pertence ao Pará e promete inventariar o território para estabelecer uma política fundiária. De acordo com a sentença da Justiça Federal há na Gleba Curuá uma floresta nacional, duas terras indígenas, dois projetos de assentamento além de três faixas de terra registradas em nome da União.

Terras indígenas
A sentença também entendeu como procedente o pedido da Funai, para que algumas áreas da fazenda grilada sejam devolvidas às tribos indígenas que ocupam as reservas Baú, Xipaya e Kuruaya, sobrepostas à Fazenda Curuá. “Em razão da regularidade constatada das terras indígenas é que o pleito da Funai deve ser deferido. Isto porque as terras indígenas destinam-se à posse permanente e ao usufruto exclusivo pela comunidade indígena”, fundamenta o juiz da 9ª Vara.

Hugo da Gama Filho também ressaltou que uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, instaurada em 1999, apurou denúncias de irregularidades praticadas pela empresa C. R. Almeida em Altamira e constatou a ocorrência, sobretudo, de fraude cartorária que resultou na “constituição de aparente propriedade particular”, conforme menciona a sentença. Com informações da Assessoria de Imprensa da TRF do Pará e da Agência Brasil

Clique aqui para ler a sentença na íntegra.

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