Lei de Lavagem de Dinheiro

Um "olheiro" estatal em cada banca advocatícia

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17 de novembro de 2011, 13h18

A Câmara dos Deputados acaba de aprovar projeto (PL 3.443/08) que altera a chamada Lei de Lavagem de Dinheiro. A matéria segue agora, em retorno, ao Senado Federal.

Em 24 de outubro passado a OAB aprovou, à unanimidade, parecer contra referida iniciativa legislativa, eis que diversas inconstitucionalidades foram apontadas em seu texto.

Chama muita atenção, dentre outros aspectos, o propósito de se incluírem no rol de pessoas sujeitas ao denominado mecanismo de controle, os prestadores de serviços de “assessoria, consultoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza”, nas operações de compra e venda de imóveis, participações societárias, criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas.

Obrigam-se aludidos profissionais a manter cadastro de clientes, registros pormenorizados de transações e comunicá-las (revelando-as, portanto), se as entenderem “atípicas”, aos órgãos estatais de controle, tudo sob pena de multa de até R$ 20 milhões…

Desnecessário maior tirocínio para se concluir que o projeto em questão violenta, abertamente, direitos fundamentais diversos. Dentre eles, os da advocacia, que tem assegurada na Constituição e no ordenamento jurídico ordinário garantias relativas ao sigilo profissional e ao seu livre exercício, aliás conceituado como função pública e essencial à jurisdição do Estado (artigo 133 da Constituição Federal).

A privacidade profissional, enquanto prerrogativa, traduz garantia do cidadão, na medida em que aquele que procura um advogado e a ele expõe suas intimidades e conflitos, não pode ter devassada essa confidencialidade pelo Estado, sob pena de se negar a sua condição de Democrático e de Direito.

Lembra Nilo Batista que “quem acha que a invasão dos escritórios de advocacia, à procura do segredo profissional dos clientes, se justifica por conta de eventual esclarecimento de um delito, tem que achar igualmente legítimo introduzir microfones nos confessionários ou nos consultórios de atendimento psicanalítico”.
Tão relevante é o interesse público na indevassabilidade que cobre a relação advogado/cliente, que o Código de Processo Penal o proíbe de testemunhar sobre aquilo que souber através do exercício profissional. Já o Código Penal vai além: define como crime tal indiscrição.

Ora, se lhe é vedado revelar fatos sigilosos, sob pena de cometer infração penal não faz qualquer sentido transformá-lo em “pessoa sujeita ao mecanismo de controle” e obrigá-lo a comunicar às autoridades operações que possam, segundo seu livre juízo, “constituir-se em indícios dos crimes previstos nesta lei, ou com eles relacionar-se” (art. 11 da Lei 9.613/98).

Nessa ordem de ideias, o advogado passaria a vivenciar a mais eloquente situação kafkiana: se violar o sigilo, praticará crime; se deixar de comunicar tais dados de seu cliente ao Grande Irmão Controlador (que a tudo quer ver e que tem fome sem fim), será multado em até R$ 20 milhões. O paradoxo é gritante!

A expressa exclusão desse profissional das obrigações que lhe quer impor esse projeto é, assim, medida indeclinável e necessária à própria manutenção da ordem jurídico-democrática. Prossegue no Congresso Nacional, como se vê, a maré montante dos projetos demagógicos e de ocasião que atentam contra direitos essenciais do cidadão. O que se quer é instalar um “olheiro” estatal em cada banca advocatícia… Nem a ditadura militar a tanto se atreveu.

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